Vagueando na Notícia


Participe do fórum, é rápido e fácil

Vagueando na Notícia
Vagueando na Notícia
Gostaria de reagir a esta mensagem? Crie uma conta em poucos cliques ou inicie sessão para continuar.

em Portugal .... O outro Brasil...

Ir para baixo

em Portugal .... O outro Brasil... Empty em Portugal .... O outro Brasil...

Mensagem por Vitor mango Dom Out 18, 2009 3:55 am

O outro Brasil...

... é na Costa de Caparica, Almada, Portugal. Encontra-se ali a maior comunidade de brasileiros residentes no nosso país. Agora, a surpresa: trata-se de um verdadeiro case-study sobre a boa integração de imigrantes tirada a ferros. Leia a REPORTAGEM e veja a GALERIA DE FOTOS, ao SOM de um ritmo bem brasileiro
Ricardo Fonseca
11:06 Sexta-feira, 16 de Out de 2009


O Centro Comercial Oceano tem uma localização privilegiada uma das fachadas dá para a Rua dos Pescadores, a mais movimentada da Costa de Caparica, e a outra para o mar. No primeiro andar deste espaço, só se fala português abrasileirado. Os salões de cabeleireiro, os cafés, os restaurantes, a loja de tatuagens, são propriedade de imigrantes do Brasil. Esta concentração é coerente com o que se passa noutras zonas da cidade.

O peso e a importância desta comunidade, a maior do País, percebe-se ao virar de cada esquina, ao abrir de cada porta. O ritmo brasuca está por todo o lado. É até difícil imaginar a cidade sem este fôlego.

Há vendedores de rua, bancários, esteticistas, empregados de mesa, cantores, cabeleireiros, professores de surf, condutores de autocarros, funcionárias de salões de jogos, pintores, promotores turísticos. Alguns dizem que foram explorados por patrões desonestos, confessam que roubaram para comer, ou que tiveram de dormir em casas abandonadas.

Outros garantem que nunca mais querem regressar ao Brasil.

Ivairto Gomes é um imigrante vencedor, e uma referência na comunidade.

A vida deste homem, com 47 anos, natural de Minas Gerais, é apontada como o conto de fadas de que todos desejam ser protagonistas. Gomes, como é tratado, tem fama de comerciante rico e influente, apesar de o próprio afirmar que isso é mentira. A popularidade resulta tão-só do facto de ser proprietário de dois pequenos negócios um café e um cabeleireiro.

Ao longo dos seus dez anos de Portugal, teve de galgar várias barreiras: viveu, durante dois meses, numa barraca, foi enganado por patrões que não lhe pagaram o salário, dividiu um apartamento T1 com oito pessoas, não conseguiu abrir conta bancária, passou fome, foi trabalhador ilegal.

"Quando estava em dificuldades, costumava olhar para os aviões que passavam no céu e sentia uma enorme vontade de regressar ao Brasil", conta o ex-carpinteiro. "Hoje, sei que fiz bem em ficar", diz, a rir. Ivairto Gomes é casado, e pai de Miguel, uma criança de ano e meio nascida no concelho de Almada.

VIDA DE GARAGEM

Isaura costuma terminar o trabalho a meio da tarde. O autocarro que apanha, diariamente, pára a cerca de 30 metros de sua casa, situada num bairro de classe média, na Costa de Caparica. Esta empregada de limpeza, natural de Belo Horizonte, no Brasil, leva alguns minutos a subir uma rua, até encontrar a fachada amarela do prédio onde mora. Mas Isaura (nome fictício), 44 anos, ignora a porta principal e dirige-se, antes, para um pequeno túnel que dá acesso às traseiras do edifício. Só nessa altura é que retira as chaves da mala para abrir um portão verde. A casa da imigrante brasileira tem 20 metros quadrados divididos por uma sala/quarto (mobilada com um sofá-cama, uma mesa para a televisão e dois armários), uma cozinha e um WC minúsculo, separados por uma parede de pladur. Isaura paga 200 euros por mês para viver numa garagem.

O dinheiro vai directamente para o bolso de um português (que a VISÃO tentou contactar, sem sucesso), proprietário de apartamentos, naquela urbanização. No pátio onde a imigrante reside existem cinco garagens quatro delas alugadas a brasileiros. Oitocentos euros, portanto.

Os estendais com roupa, as casotas para cães e gatos, e até as caixas de correio colocadas à entrada dos portões verdes, conferem ao local um ar de aparente normalidade. Talvez assim se explique por que razão aquele negócio, clandestino e oportunista, se mantém há mais de uma década.

Isaura confessa que está ansiosa por deixar a garagem. "Tive muito frio, durante o Inverno, não quero voltar a passar pelo mesmo", conta a imigrante.

"Gostava de ter um apartamento só para mim." Há 17 anos (chegou a Portugal em 1992) que persegue esse sonho.

A história desta empregada de limpeza uma das primeiras brasileiras a chegar à Costa de Caparica é semelhante à de muitos outros conterrâneos seus, que povoam a cidade, embora a maioria já não habite em garagens ou arrecadações.

Esses negócios são resquícios antigos de uma fase negra da relação entre portugueses e brasileiros, que se verificou durante o boom imigratório desta comunidade, registado a partir de 2002.

Actualmente, de acordo com números fornecidos pelo presidente da Junta de Freguesia, António Neves, existem cerca de 4 mil brasileiros para 13 mil portugueses, o que torna o fenómeno num case-study sobre a integração. "Estamos na fase de adaptação", diz António Neves.

"Primeiro, ficámos encantados e deslumbrados com a alegria deles, depois, desiludidos e assustados por causa da criminalidade. Agora, as coisas estão melhores."

COPACABANA PORTUGUESA

O paredão da Costa de Caparica, que se estende ao longo de algumas das praias mais procuradas do País, é frequentado, diariamente, por centenas de pessoas, que vão ali passear, correr ou pedalar.

A obra de renovação da frente marítima, integrada no programa Polis, envolveu, também, a construção de dezenas de restaurantes e bares, conferindo um ar renovado e apetecível àquela zona da cidade.

As praias, o preço baixo do aluguer das casas e a vida pacata são razões apontadas para este ser o destino de eleição de milhares de brasileiros.

Os finais de tarde de André Lemos, 45 anos, são normalmente passados nos areais da frente urbana, a observar o pôr do Sol. Cumpre o mesmo ritual que mantinha na praia de Copacabana, Rio de Janeiro, a cidade de onde partiu há mais de uma década. É frequente, diz, levar uma água de coco (que, num café brasileiro, ali perto, custa três euros) para o paredão e deixar-se ficar até ao cair da noite. O carioca gosta de reflectir sobre as voltas que a vida deu já experimentou o melhor e o pior do que a imigração pode proporcionar. Há alguns anos, era popular entre os comerciantes da Caparica, porque adorava fazer compras, "sempre das melhores marcas". André conta que nunca recebeu tanto dinheiro como na altura em que era trabalhador ilegal chegou a ganhar 2 mil euros por mês. "Trabalhava 12 horas por dia, era cabeleireiro em centros comerciais e também no domicílio", relata. Diz que se sentia respeitado. "Os portugueses olhavam para mim e sorriam. Sabiam que eu era uma pessoa de trabalho, que nunca causaria problemas." Esta foi a fase positiva. Depois, vieram a heroína e o contacto com o submundo do tráfico de droga, na Costa de Caparica.

André conheceu criminosos brasileiros que acabaram por dar mau nome à comunidade, e, imagine-se, até foi apanhado a cortar-lhes o cabelo, durante uma rusga policial a uma casa abandonada.

"Alguns deles só queriam assaltar, eram violentos", conta. O carioca confessa que também chegou a roubar para comer.

"Não tinha dinheiro. Era imigrante e drogado. Há cenário pior?" Agora, garante que já não consome. "Sei que vai demorar algum tempo até reconquistar a confiança da população", refere André, que voltou a arranjar emprego como cabeleireiro.

"Já tenho clientes habituais", diz, satisfeito.

MALHAÇÃO E JU-JITSU

A tabacaria de Deolinda Martins, 68 anos, está situada na praça central da cidade. No interior, além dos jornais e dos maços de cigarros, destaca-se a bandeira portuguesa e um cachecol do Benfica. Esta comerciante portuguesa já está habituada à presença de brasileiros, a quem costuma vender, sobretudo, o Correio da Manhã. "Compram-no por causa dos anúncios classificados de emprego." Apesar do elevado número de imigrantes, nunca vendeu jornais do Brasil. "Houve quem tentasse, mas sem grande sucesso. A informação já chegava desactualizada", explica.

A poucos metros da tabacaria, dois jovens de Minas Gerais estão empoleirados num escadote a pintar a parede de uma frutaria. Logo ao lado, um imigrante troca umas piadas, em brasileiro, com o dono de uma peixaria, provocando gargalhadas em transeuntes. O ambiente é de pura cumplicidade. "Há uns anos, isto estava cheio de gatunos", recorda Deolinda Martins. "Mas, após várias operações da polícia, as coisas melhoraram bastante." Para o padre António Pires não faz sequer sentido distinguir a comunidade brasileira da portuguesa. "Estão completamente integrados na vida da cidade ", garante o coordenador da paróquia local. "Sem eles, a Caparica era um deserto! " E, provavelmente, as homilias também seriam menos frequentadas.

No ginásio Radical, que fica colado ao edifício dos Bombeiros, as aulas de jujitsu arte marcial muito popular no Brasil também estão quase sempre cheias, bem como a sala de musculação e de cárdio-fitness. Adriano Araújo, 33 anos, estatura média, corpo musculado q.b., é um dos personal trainers mais procurados pelos clientes. "Sou muito comunicativo", diz o ex-professor de judo, natural da Baía, cidade que deixou em 2004.

Adriano, que só no ano passado conseguiu atestado de residência, paga 260 euros por um apartamento T1, situado no centro da cidade. "Quando cheguei, tive de dormir na arrecadação de um ginásio, durante alguns meses..." Agora, descreve a nova casa com orgulho. É lá que gosta de fazer grandes jantaradas com amigos. "Por incrível que possa parecer, relaciono-me mais com portugueses do que com brasileiros." Alguns deles já o acompanham em longas corridas ao longo do paredão. André veio para Portugal com a expectativa de ganhar dinheiro suficiente para abrir um ginásio no Brasil.

Mas já mudou de ideias. "Gostava de gerir um negócio desse género nesta zona. Aqui é gostoso!"

SABORES QUENTES

Theo Pedrada, 35 anos, casado, dois filhos, já alcançou esse objectivo. O imigrante exibe uma tatuagem de uma tribo indígena, pintada no gémeo da perna esquerda. "São os meus antepassados", revela, orgulhoso. Há 17 anos que vive em Portugal, mas só há oito é que conseguiu abrir uma loja de tatuagens. Antes de o fazer, teve de penar como pescador e empregado de café. Entretanto, já inaugurou um segundo espaço comercial. "Dou emprego a portugueses", diz satisfeito.

Um dos seus clientes é Nuno Fontinha, 30 anos, gerente da loja de surf Samadi, a poucos metros da praia. A amizade entre o português e o brasileiro cresceu enquanto ambos lutavam pelo sucesso nos negócios. "Em tempos, tive um pequeno café junto da loja do Theo", conta.

"Apoiámo-nos, porque estávamos a enfrentar as mesmas dificuldades." Sempre que Nuno coloca um anúncio na montra a pedir funcionários, surgem de imediato vários candidatos brasileiros.

Mas, por enquanto, só há portugueses a trabalhar na loja. O presidente da junta, e também professor do Secundário, diz, a propósito, que "a maioria dos imigrantes é proveniente de zonas pobres, têm pouca escolaridade". Apesar disso, reforça António Neves, "muitos deles demonstram possuir um espírito empreendedor que beneficia a cidade".

Luzia Silva, 36 anos, é um desses exemplos.

Há um ano, passou de empregada de loja a empresária, ao abrir, com o marido, um supermercado com um nome apelativo: Brasil Tropical.

À FLOR DA PELE

Pelas prateleiras coloridas do Brasil Tropical desfilam centenas de produtos importados directamente de várias cidades brasileiras: farinha de milho, feijoada enlatada, polvilho para o pão de queijo, mandioca. A aposta em produtos exclusivamente sul-americanos parece ter aberto o apetite a muitos imigrantes.

"Comprar esta comida é uma forma de matar saudades de casa", diz Luzia Silva.

O negócio, que vai de vento em popa, acabou por conquistar também os portugueses.

"Há muita curiosidade sobre a gastronomia brasileira." No gabinete de estética de Ruteline Castro, ou apenas Rute, como gosta de ser tratada, só existem clientes portuguesas.

E foi uma delas a pedir o empréstimo bancário que permitiu à imigrante montar o seu negócio. "Essa senhora sempre manifestava um carinho especial por mim, dizia que eu era muito trabalhadora ", conta Rute, 26 anos, natural de Minas Gerais, o segundo Estado mais populoso do Brasil tem cerca de 20 milhões de habitantes e de onde provém a maioria dos brasileiros que residem na Caparica. "O pesadelo chegou mais tarde, quando a cliente fez questão de cobrar juros muito altos pelo dinheiro emprestado", diz. "Houve meses em que não consegui enviar ajuda financeira para a minha mãe, que ficou no Brasil a cuidar da minha filha." Rute dá emprego a três brasileiras. Fazem massagens, manicura e pedicura, tratamento de pele e de rosto. "Comigo todas as funcionárias têm contrato", garante.

A imigrante, que chegou a Portugal em 2003, afirma já ter sido vítima dos preconceitos que ainda existem contra as suas compatriotas. "Alguns homens julgam que somos todas prostitutas. Uma vez tive de bater num cliente por causa disso." Aquela massagem acabou mal...

DAR À COSTA

Há vários anos que os imigrantes em dificuldades recorrem à ajuda da Igreja, seja para reconfortar o estômago seja para pedir informações sobre o processo de legalização. "Muitos deles, apesar de estarem em dificuldade, recusam-se a regressar a casa, pois isso é admitir o fracasso", explica o padre António Pires, que está apreensivo quanto ao futuro da segunda geração. "É preciso actuar já junto dessas crianças, para que possam ter uma vida cheia de oportunidades." Mónica Mesquita, 44 anos, diz trabalhar 19 horas por dia para que o projecto Dar à Costa não morra na praia. Doutorada em Sociologia da Matemática passou vários meses da sua vida a estudar os hábitos das crianças de rua de São Paulo, Brasil. Agora, apoia 384 rapazes e raparigas, com idades entre os 6 e os 24 anos, que vivem na Caparica. Para Mónica, hoje investigadora da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, e que já adquiriu a nacionalidade portuguesa, devia existir mais ajuda social naquela região. "Além de apoiarmos as crianças e os jovens, tentamos igualmente orientar os pais." O projecto Dar à Costa proporciona actividades nas áreas de informática e artes plásticas, e também oferece apoio psicológico. "Quase metade dos miúdos são de origem brasileira", diz Mónica Mesquita. "Há meninos que saíram da Caparica pela primeira vez graças às excursões que organizamos." Apesar disso, actualmente, todos os pais daquelas crianças estão empregados. "Isso é superfixe, pá!", exulta Mónica.

'TÁ-SE BEM'

Ariano Marques, 35 anos, tem um ar descontraído. Passeia-se pelas ruas da cidade, apenas de calções e chinelos, a mesma "farda" que leva para o trabalho.

Natural de Porto de Galinhas, Recife, passa parte do dia enfiado num barracão a esculpir pranchas de surf com um cuidado cirúrgico, para que a sua marca, a Ocean Beach, ganhe popularidade. Ao fim-de-semana, veste umas camisas coloridas, agarra na guitarra e anima as noites de vários bares da Caparica, interpretando músicas famosas, com ritmos de Bossa Nova. Foi assim que conquistou Tânia, quando a portuguesa estava a passar férias em Porto de Galinhas.

"Vim para Portugal por amor!", diz Ariano, que casou em 2007 e já é pai de uma menina com 5 anos, Alícia, ou "Alice", como, por vezes, também é tratada.

"Cheguei a Portugal numa altura [2003] em que havia muita discriminação ", relata.

"Quando quis alugar um armazém, tive de pedir à Tânia para ligar para o número que vinha no anúncio", conta.

"As pessoas ouviam o sotaque brasileiro e diziam logo que o espaço já não estava disponível. " A má fama da comunidade levou--o mesmo a confrontar compatriotas que se dedicavam apenas à criminalidade.

"Fiz-lhes ver que, por causa deles, todos os brasileiros estavam a ser discriminados.

" Ariano, Tânia e Alicia vivem num rés--do-chão, recentemente recuperado.

A cozinha, com ar moderno, surge depois de um pequeno corredor, onde está em exposição uma prancha de surf com o carimbo Ocean Beach, marca também estampada na roupa do casal o outro negócio da família. A sala tem um sofá de frente para um ecrã LCD. Encostada a uma das paredes, há outra opção para quem pretenda descansar o corpo: uma enorme rede estendida ao longo da divisão. "Comprei-a no Brasil. Tá-se bem, né?" É.
Palavras-chave brasil brasileiros costa caparica
Vitor mango
Vitor mango

Pontos : 117438

Ir para o topo Ir para baixo

Ir para o topo


 
Permissões neste sub-fórum
Não podes responder a tópicos