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Na biblioteca de um fascista que se converteu à monarquia

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Mensagem por Vitor mango Ter Mar 30, 2010 12:59 am

29 Março 2010









Na
biblioteca de um fascista que se converteu à monarquia






Na biblioteca de um fascista que se converteu à monarquia DSC03299
Vive entre os EUA - onde foi
professor catedrático de oncologia pediátrica - e Banguecoque, onde
possui um pequeno apartamento uns andares abaixo do meu. É um senhor com
cerca de oitenta anos, toque aristocrático e aspecto jovial. Todas as
manhãs faz uma hora de pesos no ginásio e dá umas quantas braçadas na
piscina. Depois, reclina-se na cadeira de lona, lê os jornais e abre um
livro. Há tempos, apresentei-me e ali estivemos uma manhã inteira
falando de história da Tailândia. Nessa tarde, o porteiro veio dar-me um
envelope contendo um livro intitulado Rattanakosin de Outrora,
ou seja, Banguecoque de outros tempos. A assinatura autográfica era a
do meu vizinho: Vibul Vichit-Vadakan. O apelido despertou-me atenção.
Vichit-Vadakan ? O teórico do nacionalismo radical thai, que foi o maior
panfletário da sua geração, director do Instituto de Belas Artes,
ministro dos negócios estrangeiros da Tailândia durante a guerra
(1942-1944), autor de novelas, peças de teatro, ensaios políticos e
filosóficos ? Retribuí a amável aferta com o catálogo de uma exposição
realizada na Biblioteca Nacional de Portugal em 2005, intitulada Os
Portugueses e o Oriente (1840-1940), da qual eu fora comissário. Dias
depois, ao encontrá-lo de novo, confirmei o parentesco de Luang
Vichit-Vadakan e falámos nesse período em que o Sião abandonou o
absolutismo régio, redigiu a primeira constituição e outorgou a
soberania ao povo.

Na biblioteca de um fascista que se converteu à monarquia DSC03304

Foi
uma revolução que começou sob os melhores auspícios e terminou numa
brutal ditadura que mudou para sempre o destino e feição desta
sociedade, trouxe os militares e a burocracia para o poder e ensaiou, no
quadro tailandês, a via siamesa para o totalitarismo. O pai Vadakan
estudara em Paris, onde se apaixonou por uma francesa - com quem viria a
casar - mas também pela cultura política europeia de então, marcada
pelo nacionalismo extremista e pela tentação de um mundo novo que o
comunismo anunciava. Vadakan fez amizade em Paris um outro estudante
siamês chamado Plaek Khittasangkha, que o mundo viria a conhecer como
Phibun Songkram, o homem que chegou a ditador fascista da Tailândia e,
depois, reciclado pelo Ocidente nos anos da Guerra Fria, voltaria ao
poder com o beneplácito de Washington.Na biblioteca de um fascista que se converteu à monarquia DSC03303

Secretária
de trabalho de Vichit-Vadakan

Chegados ao poder através de
um golpe militar, os jovens revolucionários de 1932 impuseram ao Rei
Prajadiphok (Rama VII) uma constituição - jamais referendada - e
conseguiram durante quatro anos manter a aparência de uma frente
política incluindo os elementos mais reformistas e "avançados" do Sião
urbano. Contudo, esse grupo heteróclito que se deixara seduzir pelo
Ocidente, incluia monárquicos liberais, socialistas, comunistas e
fascistas. As tensões iniciais foram resolvidas, pois os laços pessoais
de amizade que os uniam pareciam poder conter as divergências profundas
que os separavam. No fim, Phibun sobrepôs-se e assumiu a figura de
ditador, declarando o banimento das oposições, a constituição de um
partido único e produção legislativa muito próxima daquela que então se
ia ensaiando na Alemanha nacional-socialista. Exaltava-se o militarismo,
o expansionismo territorial, a cultura thai sobre o "elemento externo"
(muçulmanos, católicos e minorias étnicas) e pela primeira vez em 700
anos de história, os thais viram desaparecer de cena a figura do Rei.
Prajadiphok, homem gentil e adepto de uma solução à inglesa, não quis
mais aceitar o crescendo totalitário e, pretextando uma viagem à Europa
por motivos de saúde, ali contestou os atropelos e ameaças de que fora
objecto enquanto monarca constitucional. Phibun mandou que todos os
retratos do Rei fossem retirados e destruídos, baniu a família real,
lançou milhares de monárquicos nas prisões e campos de concentração e
emitiu decretos contra qualquer pessoa que ousasse defender publicamente
a pessoa do monarca exilado. Para salvar a instituição, Rama VII
abdicou e a chefia da Casa Real passou para um seu sobrinho, uma criança
de nove anos chamada Ananda Mahidol, que vivia na Suíça. Ouro sobre
azul para Phibun. Foi nomeada uma regência e o país assim ficaria ao
longo dos 15 anos seguintes entregue à ficção de uma monarquia com um
Rei ausente.Na biblioteca de um fascista que se converteu à monarquia Poster2a%5B1%5D
Propaganda
de Vadakan: tirar das paredes tudo o que lembrasse o Ocidente


Onde antes havia a figura paternal do Rei, passou a
dominar a de um Phibun "Pai da Pátria", homem da providência,
"Consciência da Nação", "Primeiro Cidadão". Coube a Vadakan o papel de
promotor do novo regime. Homem de letras, bom organizador e conhecedor
das técnicas de condicionamento massivo, foi pró-ministro da propaganda.
Através da rádio e dos jornais, nas salas de cinema, nas escolas e nas
empresas passou a vigorar o culto do novo herói thai. Os thais foram
mobilizados para descobrirem e denunciarem os inimigos "internos", os
"parasitas do povo" (aristocratas), os "judeus do Oriente" (chineses),
os "cúmplices do colonialismo" (católicos) e os "elementos
anti-nacionais" (contestatários). De 1938 a 1942, foram emitidos 12
Mandatos Culturais que cobriam legislação sobre o trajar, o decoro, a
atenção devida aos idosos e aos doentes, os horários do sono e de
vigília, o uso obrigatório de uniforme, o que se devia comer e o que não
se devia, a natalidade e a fertilidade, expressões de cortesia, a nova
caligrafia, o uso obrigatório de cinzeiros, o teatro legal, a música que
se devia ouvir, a obrigatoriedade da exposição em cada casa de uma
fotografia do líder. Assim prosseguiu o regime no seu Chartniyom
- nacionalismo - até ao início da guerra. Aliada do Japão, a Tailândia
fez guerra à França na Indochina e, depois, abriu as portas aos
exércitos nipónicos quando o Japão invadiu a Malaya e a Birmânia
britânicas em 1942. Vadakan fora o artífice da aliança com o Japão e
como Ministro dos Estrangeiros tudo fez para que a Tailândia se sentasse
à mesa da vitória ao lado da Itália e da Alemanha e pudesse reclamar a
inclusão do Laos, do Camboja e da Malaya numa Grande Tailândia.
Quando a sorte da guerra se virou contra o Eixo, Phibun foi afastado e a
Tailândia a custo tentou sobreviver ao castigo ocidental.

Na biblioteca de um fascista que se converteu à monarquia DSC03302
Ordem
alemã conferida a Vadakan
Entretanto, Vadakan tornara-se mais cauteloso e passou a
ser tido como elemento moderado no seio do governo fascista thai.
Sempre fora monárquico e descobria, finalmente, a potência e importância
da monarquia enquanto agente de compromissos. No pós-guerra, com Phibun
de regresso ao poder, foi ardente defensor do regresso do Rei ao país.
Quando em finais dos anos 50, o actual Rei Rama IX iniciou um largo
movimento popular contra a tirania de Phibun, Vadakan apoiou o monarca.
Phibun foi deposto, Vadakan transformou-se num dos mais destacados
defensores da solução monárquica e um dos teóricos do regime que desde
então vigora.
Hoje, na Biblioteca Nacional da
Tailândia, passei uma hora percorrendo o gabinete do homem que sonhou
com um grande império thai.


The School of the Soldier





Publicada por
Combustões


em
29.3.10






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Etiquetas:
História Tailândia; Vichit Vadakan
Vitor mango
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