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Erros médicos que acabam sem cura

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Mensagem por Joao Ruiz Sáb Jul 03, 2010 10:13 am

Erros médicos que acabam sem cura

por RITA CARVALHO e FILIPA, AMBRÓSIO DE SOUSA
Hoje

Erros médicos que acabam sem cura Ng1313558

Quem a sofre diz nunca haver justiça, mesmo se o tribunal demora mas atribui uma indemnização. Lesões definitivas ou a vida de um filho não se reparam. Os clínicos protegem-se uns aos outros e raramente são levados à justiça. Mas há cada vez mais queixas e investigações.

"A Sancha teve o azar de sobreviver no dia em que nasceu." Já passaram seis anos desde que a filha morreu, mas para Paula Zoio parece que foi ontem. O calvário em que se transformou a sua vida permitiu-lhe criar esta carapaça emocional: mais valia que Sancha tivesse morrido, ali, à nascença, quando um médico empatou horas, prolongando a agonia do parto, provocando danos que tornaram a existência da criança semelhante à de um vegetal. Sancha não via, não falava, não andava.

"Quando olhava para a minha filha, via olhos de sofrimento, via que tentava comunicar e pedir ajuda, mas não conseguia...", recorda. Tudo terminou naquele dia de 2005 quando os órgãos de Sancha faliram. Paula sofreu, chorou, mas aquela carapaça voltou a ajudá-la: "Senti um alívio..." Pela sua vida de exaustão, mas também por Sancha. Porém, o seu calvário estava longe do fim. Agora arrasta-se nos tribunais. Há dez anos. Pelo meio, Paula sofreu outras perdas irreparáveis - de um dia para o outro teve de enterrar o marido, até então um pilar sempre a seu lado. O que a "salvou" do fundo do poço foi o nascimento do filho, João, hoje com nove anos. "Nasceu de cesariana e tudo correu muito bem", conta.

Dos tribunais, não quer o dinheiro, apenas encerrar este capítulo da vida. Paula deu à luz a filha com paralisia cerebral por "atrasos na assistência do parto" e pela "vergonhosa omissão do médico assistente" no Hospital São Francisco Xavier (HSFX), em Lisboa. Hoje, 12 anos volvidos, chora ainda "um trajecto de vida cortado".

Foi no dia 11 de Abril de 2001 que o advogado da mãe de Sancha, João Medeiros, interpôs uma acção de responsabilidade civil contra o hospital por "actuação tardia e responsabilidade por omissão", como o próprio explica ao DN. Um atraso em que as justificações concretas faltam. "Em 2007 foi-nos dado conta do excesso de serviço e da falta de funcionários da 6.ª Unidade orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa", diz o advogado.

Para a mãe, "a morte dela foi no dia em que nasceu". Vidas interrompidas, trajectos planeados que não chegaram a ver a luz do dia. A raiva pela justiça, que não apresenta respostas, faz de Paula uma mulher amargurada e sem força para viver. "Bati no fundo e questiono- -me porquê. Porque é que nada acontece neste país?"

Para já, a professora de ténis que vê no desporto a tábua de salvação revolta-se com a defesa apresentada pelo hospital. "Negaram que o estado de saúde da Sancha resultasse de danos causados no parto ou no momento anterior ao mesmo, alegando que as lesões se deveram a malformação ou a lesões anteriores ao parto." Depois de dar entrada na ala de obstetrícia do HSFX, Paula teve de esperar nove horas para dar início ao parto, apesar do avanço das dilatações.

"Não havia anestesistas disponíveis, fiquei sozinha numa sala a gritar, a sentir a cabeça dela quase a sair e duas horas depois arrancaram-ma a fórceps e ventosas, já que ela já tinha recolhido", descreve. "Nasceu num estado idêntico a um desmaio e já com as células do cérebro mortas." A menor passou a curta vida a lutar pela sobrevivência, mas sem sucesso. Uma vida à espera da cura, que nunca apareceu, e de uma morte anunciada.

Simão até já desce as escadas do prédio em passo acelerado para vir para a rua brincar. O que não é comum, garante a mãe. "Está farto de estar em casa, de não ir à escola", explica Mónica Lima, correndo no seu encalço pelo degradado Bairro da Bela Vista, em Setúbal. "Quando olhamos e o vemos a brincar e a melhorar, pensamos que o pior já passou. Mas quando está aflito, custa à gente... E perguntamos: será que vai mesmo ficar bom?", desabafa o pai, Samuel.

O pior aconteceu a 17 de Junho, no dia em que Simão, três anos, e Pedro, outra criança de 18 meses, iam fazer um simples exame auditivo no Hospital Garcia de Orta, em Almada. Na hora de tomar o sedativo, houve uma troca e as crianças ingeriram um ácido para estancar hemorragias. Simão ficou com queimaduras nos intestinos e no esófago, Pedro só nos intestinos, pois recebeu o medicamento por via rectal. Ao fim de quatro dias, Simão foi para casa e tem vindo a melhorar. Pedro também, mas ainda há dois dias voltou lá.

O hospital assumiu imediatamente o engano, mas não ousou estimar os danos, até porque o caso é inédito e torna-se difícil prever sequelas. Em curso está um inquérito interno e uma investigação do Ministério Público, embora oficialmente o hospital ainda não tenha sido informado disso. Por enquanto, sabe-se que o medicamento foi preparado no hospital e não devia ter sido armazenado no mesmo local do frigorífico onde estão habitualmente os sedativos, pois estes remédios nunca se cruzam.

A queixa dos pais de Simão só avançará daqui a dois meses, quando houver conclusões das investigações. Samuel e Mónica já se aconselharam e preferem esperar pela evolução da situação. Apesar de reconhecer que a troca dos fármacos é um erro incompreensível, o pai ameniza as acusações contra a médica. Até porque, diz, "errar, erramos todos, e nós só estivemos dez minutos com ela, não podendo julgar por muito mais do que isso". Mas, para ele, um segurança que de medicina nada percebe, uma coisa é certa: "Não foi um milagre que, precisamente no dia em que a médica não olhou para o remédio, não estava lá o sedativo, mas sim o ácido. Ninguém me tira da ideia de que não foi a primeira vez que ela não confirmou o nome do medicamento..."

Culpados ou inocentes. No final, após uma dura batalha judicial, Deolinda Sales nem ouvirá do juiz uma destas palavras com que se cose a justiça e se serenam as angústias. Apenas um valor em euros, como se a vida do filho João fosse equivalente a um terreno ou a uma casa danificada, cujos danos é preciso reparar. "Justiça, justiça, era os médicos virem cá todos os dias, olhá-lo nos olhos, e pedir-lhe perdão pelo que fizeram", desabafa a mãe do menino de oito anos que sofreu danos cerebrais irreversíveis após um parto que deveria ter sido de cesariana.

"O dinheiro da indemnização ajudará a melhorar a sua qualidade de vida e a restituir-lhe alguma dignidade. Mas não há nada que pague o facto de ele não andar nem falar", acrescenta, enchendo de beijos o filho, que lhe cabe no colo como um bebé.

João não anda, não brinca, não fala. Comunica através do choro e sorriso. Deolinda já enterrou a esperança no milagre que poderia fazer dele uma criança como as outras. Apesar de não se cansar de esgotar as possibilidades de tratamento - até já o levou a Cuba -, sabe que as lesões são irrecuperáveis. "Ele vive do amor que lhe damos. Tem uma força muito grande. Costumo dizer que se ficou cá foi por alguma razão. Talvez para que se faça um pouco de justiça. Por ele, pelas crianças que estão como ele e pelas que já morreram", comenta, levando--o para o quarto quando o sorriso lhe foge do rosto e a revolta se solta em lágrimas.

As palavras atropelam-se, exprimindo uma dor que consome diariamente, e não está preparada para suportar uma sentença de inocência. "Nem sei o que vai ser de mim se isso acontecer. O erro da verdade, eu perdoo. O erro da mentira, é que não. Faz--me sangrar por dentro", desabafa, revoltada por os médicos se negarem a assumir responsabilidades.

A mãe de outras duas meninas, já com 24 e 17 anos, recorda o dia em que entrou em trabalho de parto no Hospital de São Bernardo, em Setúbal. Aí, contra as recomendações de ce- sariana do médico que tinha acompanhado a gravidez -, pois o bebé não tinha dado a volta e não estava bem posicionado -, os médicos optaram pelo parto pélvico. A criança nasceu de pés, ficou com a cabeça presa e acabou por ser retirada com fórceps. "Ele asfixiou no início, até foi reanimado. Mas depois os pediatras também não agiram bem. Estava com convulsões e eles não fizeram nada", acusa, acrescentando que nos primeiros dias não esteve ciente da gravidade do caso. O bebé foi transferido para o Garcia de Orta, onde foi confrontada com a dimensão do problema.

Na altura, a família apresentou queixa contra o Hospital e a Inspecção-Geral das Actividades em Saúde abriu um inquérito ao pediatra, que acabaria arquivado em 2003. Entretanto, a advogada Cecília Claudino fez entrar no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada um processo cível, interpondo de imediato uma providência cautelar para apoiar os pais nos cuidados com o filho. Com isso, desde 2005, Deolinda Sales recebe 550 euros por mês, quantia que paga a escola, a fisioterapeuta e a terapia com cavalos. Um caso inédito.

O Hospital de São Bernardo recorda que o caso está em tribunal. Mas responde que "todas as opiniões periciais emitidas sobre a matéria apontam no sentido de que a opção por cesariana não era obrigatória à situação clínica da parturiente, não se verificando qualquer violação da legis art".

Enquanto espera a decisão, Deolinda sabe que não se pode entregar ao sofrimento que, volta e meia, a atira para o fundo do poço. "Às vezes acho que não aguento. Mas depois sei que o João precisa de mim. Pura e simplesmente, não posso não aguentar..."

Foi ao pegar num saco de farinha que Sérgio Luís rompeu os ligamentos do ombro. Numa altura em que possuía a padaria na aldeia de Figueira e a vida ainda lhe corria bem. A seguradora Allianz encaminhou-o para o Hospital Particular do Algarve, onde fez uma cirurgia. Apesar das dores, do desmaio e da febre que justificaram dez dias de pós-operatório, o médico não desconfiou de que algo tivesse corrido mal, e Sérgio foi para casa. Meses mais tarde, com o agravar da situação, outro clínico descobriu-lhe um corpo estranho no ombro. Nova operação esclareceu a causa da infecção, pior a cada dia: uma compressa perdida no ombro.

Sérgio traz uma pasta cheia de documentos, onde procura pormenores e datas de uma história complexa que já vai longa. Já foi objecto de três sentenças, mas para si está longe de estar resolvida. "Não vou desistir. Fiquei com a vida de pernas para o ar, por isso vou até às últimas consequências", diz, queixando-se das dores que não o largam e da dificuldade em mexer o ombro.

A primeira decisão, do Tribunal de Portimão, absolveu o médico do pagamento de uma indemnização por negligência médica, pois o juiz considerou que também havia uma enfermeira instrumentista no bloco. Sérgio ganhou o caso na Relação, onde lhe foi decretada uma quantia de 197 mil euros por danos morais e patrimoniais. Remetido o recurso do médico para Lisboa, o Supremo Tribunal viria a condenar o ortopedista. Contudo, ao pagamento de apenas 32 500 euros, menos de metade. O dinheiro pagou dívidas e empréstimos, mas não chegou para salvar a padaria. "Errar é humano. Isso sei. Mas como ele não foi humano na forma como me tratou, decidi logo ir para tribunal", diz, mostrando revolta.

Actualmente Sérgio ganha a vida vendendo bolas-de-berlim na Praia da Rocha e cachorros à porta de uma discoteca. No tempo que lhe resta, luta pela subida do grau de incapacidade que o Tribunal do Trabalho lhe atribuiu (9%), mas que já foi contrariado por outras opiniões que consideram as limitações mais profundas e na ordem dos 18%. A batalha vai prosseguir.

A Allianz esclarece que não foi acusada e nega responsabilidades. "Cumpriu escrupulosamente todas as suas obrigações nesta situação, assegurando quer as sessões iniciais de fisioterapia recebidas, quer a intervenção cirúrgica com internamento hospitalar, quer, como até hoje garante, o pagamento da pensão de incapacidade fixada judicialmente", diz Luís Ferreira, director de Pessoas e Serviços Jurídicos.

Célia Santos reconhece que a história é digna de anedota. Mas a revolta por ter sido vítima de um erro tão grosseiro não lhe arranca nem um ténue sorriso. "Bem tenho chorado por já não conseguir fazer o que fazia", diz, indignada, ganhando fôlego para um relato, no mínimo, caricato. "Ao fim de um mês, descobriram que tinha o pé esquerdo partido e não uma entorse. Depois operaram-me", conta, parando para respirar fundo. "Quer dizer… realmente fui operada. Mas qual não é o espanto quando acordo e descubro que tenho dores é no pé direito!"

Nas palavras do médico, a troca teve uma explicação curta, conta Célia Santos, antes empregada de limpeza, hoje telefonista na Câmara de Portimão. "Era o pé que estava de fora. E disse até que o melhor era irmos à bruxa. E se fosse para cortar?", questiona.

O caso remonta a Janeiro de 2008, quando fazia limpezas na câmara e escorregou. "Fui para o hospital e disseram-me que era só uma entorse." Dirigiu-se à companhia de seguros Allianz Portugal, para pedir baixa, e aí foi seguida por um médico durante um mês. Depois, o relato parece uma ladainha. "O médico mandava-me andar de canadianas, repousar, voltar ao final de uma semana. Sempre assim. À quinta semana, não estava melhor. Mandou-me Lisboa."

Aí teve a primeira surpresa. No Hospital da Cruz Vermelha, o médico descobriu o pé partido e recomendou fisioterapia. Em Abril, continuava com dores, os pés inchados, e só andava apoiada nas canadianas. O ortopedista decidiu operá-la. Segunda surpresa no final da cirurgia. "Como é possível ir a Lisboa ser operada a um pé e regressar com o pé que estava bom operado?"

Após mais umas semanas de fisioterapia e com dores em ambos os pés, pois "esforçava um para não esforçar o outro", Célia recebeu alta para trabalhar. Tinham passado quase seis meses do acidente, mas o serviço nem meia dúzia de dias durou. "As dores eram tantas que não conseguia fazer nada", recorda, amargurada. Deixou de trabalhar. Só mais tarde recomeçou como telefonista.

Hoje, Célia aproveita a hora de almoço para percorrer a pé a distância que separa a câmara da esplanada onde toma café com a irmã, que a traz e leva todos os dias para o trabalho. São os poucos 100 metros que consegue andar sem ficar aflita. E sempre a coxear. "Nem imagina o que isto é... Eu, que corria tudo a pé, agora não vou a lado nenhum. Em casa, nem uma hora posso ficar no ferro. Tem dias que não faço nada", desabafa, entristecida, puxando um lenço para limpar as lágrimas de raiva. O problema nem é só esse. "A vida está difícil e o salário do marido, pescador, é sempre incerto..."

Da seguradora recebeu 1200 euros porque lhe foi decretada uma incapacidade de 2%. Mas o processo contra o médico, que acusa de negligência, segue em tribunal. Célia já depôs e acredita que lhe vai ser atribuída uma indemnização. A companhia manifesta "profundo pesar pelo infeliz erro ocorrido". Mas salienta que "este não provocou qualquer lesão à paciente, que o devido tratamento lhe foi garantido até à sua cura clínica e que todo este processo foi avalizado e confirmado pelo Tribunal do Trabalho e pelo conjunto de médicos independentes que com este colaborou".

A falta de provas muitas vezes iliba os médicos de suspeitas de negligência médica - um crime que não está autonomizado no Código Penal mas que pode vir a ser punido com pena de prisão em casos como homicídio por negligência ou ofensas à integridade física graves. Mas existem excepções. Ficou célebre o caso de Ana Isabel Perdigão Gonçalves, que, em Março de 2002, deu à luz um feto morto no Hospital Amadora Sintra. A morte deveu-se a lesões graves causadas no crânio por uso de ferros para expulsão do feto. E se em primeira instância o tribunal declarou a absolvição dos médicos de serviço, já no final de 2009 a Relação contrariou a decisão e condenou-os.

Na altura da primeira decisão, o advogado António Pinto Pereira assumiu que iria "perseguir" a decisão do juiz. Interrompido em 2007, após o abandono do caso pela juíza, o julgamento foi repetido a 30 de Abril de 2008. Um caso quase único e inédito.

In DN

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Erros médicos que acabam sem cura Empty Re: Erros médicos que acabam sem cura

Mensagem por Joao Ruiz Sáb Jul 03, 2010 10:25 am

Temos aqui um assunto, que merece discussão, muito mais que qualquer fait-divers de mau gosto, que aparece por aqui.

Vamos a ele, minha gebte?!



queen

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