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RESTAURANTES

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Mensagem por Viriato Dom Set 26, 2010 10:41 am

RESTAURANTES


À noite, a Baixa é uma sombra. Caminhamos com passos vagarosos para o centro e é como se o mundo tivesse encontrado o seu passado. Nas ruas, há um silêncio sonâmbulo e quem passa leva os olhos no chão. Os prédios estão vazios e as janelas apagadas. Tudo parece ter caído ou desertado. Se há uma voz a ouvir-se, essa é uma voz louca que grita a sua loucura ou o seu desespero.

Nessas ruas escuras, há, porta sim, porta não, aqueles restaurantes onde se come sempre pior do que já se comeu (só os turistas não sabem). Entrar lá é entrar num laboratório em que se cria tristeza. As mesas estão amparadas às paredes e as toalhas que as cobrem são de um pano áspero e de um branco em fuga. Os guardanapos, grandes e passajados, estão marcados numa ponta com um sinal desenhado a linha vermelha. A madeira das cadeiras foi desconjuntada pelo tempo. A luz cansa ou cega. As paredes sentem-se mal: estão lívidas e suam. No verão, o calor sufoca. No inverno, o frio enregela e inteiriça. Num canto, o lavatório, com um sabão sujo e uma toalha puída, tem uma torneira com azebre que deita uma água inconstante.

Parece que, a qualquer momento, vai entrar na porta um homem "magro, mais alto que baixo; curvado exageradamente quando sentado, mas menos quando de pé, vestido com um certo desleixo não inteiramente desleixado". A esse empregado de comércio, que um dia afirmou: "A minha vida é como se me batessem com ela",
Fernando Pessoa deu o nome de Bernardo Soares e situou-o, para aí o imaginar, num desses lugares dos quais disse: "Há em Lisboa um pequeno número de restaurantes ou casas de pasto em que, sobre uma loja com feitio de taberna decente, se ergue uma sobreloja com uma feição pesada e caseira de restaurante de vila sem comboios."

Nestes restaurantes, os empregados' usam casacos torcidos e enodoados. O seu ar é de ausência ou tédio. De minutos a minutos, passam a mão pela cara para verificarem se existem. Os velhos são velhos e os novos também já são velhos. Todos cismam no que foi e não pensam no que é. Tanto tudo ali é de ontem que nada ali pode ser de hoje. Encostados ao balcão, que lhes é uma física de vida e uma metafísica de morte, olham e não veem, escutam e não ouvem. Para eles, é como se todas as horas chegassem atrasadas. Se trocam entre si uma rara palavra, é para dizer um nada ou um não. Recebem quem entra com um bocejo de fastio ou de indiferença. Nunca respondem à primeira. Fazer um movimento é-lhes pesado, assim a carne que os faz fosse chumbo. Aqueles corpos já não conhecem há muito um impulso, um ímpeto, um incitamento.

Os clientes entram e sentam-se sob o seu olhar apático. Tempo passa até que se arrastem para junto deles. Aí chegados, tossem com uma tosse surda e põem na mesa uma lista longa, cheia de cruzes (a dizerem o que já não há) e com os nomes dos pratos do dia escritos numa letra antiga e esborratada: bacalhau com todos, peixe-espada frito, borrego à padeiro, arroz de pato, bifinhos au champignon, feijoada à transmontana. Nunca falam, mesmo quando falam. No momento em que alguém lhes pede uma coisa, fazem um trejeito, coçam o nariz e recebem o pedido como uma condenação. Lentos e vergados, vão transmiti-lo à cozinha, numa voz baça e baixa, Regressam para junto do balcão e aí ficam, com um olhar que não olha. O tempo continua a passar e o silêncio entre eles e os clientes ainda se tórna mais denso. Estão todos à espera, como se todos esperassem uma catástrofe. E ela chega. Quando a comida assoma ao guiché, atirada por uma cozinheira com olheiras, agarram na travessa fumegante e, com passos desencontrados, aproximam-se da mesa, pondo~a, mais enjoados do que o cliente vai ficar, sobre a toalha.

Nessas casas de comida, o peixe é amarelo e a carne, cinzenta. Os molhos brilham e provocam azia só de se olharem. As batatas cozidas estão sempre cruas e as batatas fritas vêm encharcadas em óleo. Os legumes são rijos. Tudo é coberto por uma salada tornada, pelo contacto, morna e gordurosa. A isto, acrescenta-se, para enfeitar, uma profusão de cenoura ripada. As sobremesas são feitas em caves dos subúrbios, iguais em todos os restaurantes daquelas ruas: bolo de bolacha, doce da avó, baba de camelo, delícia de amêndoa. Se alguém pergunta, respondem: são de fabrico caseiro. A fruta vem sempre gelada, a saber a frigorífico: o melão parece pepino, os pêssegos não sabem a nada e as uvas são azedas ou chochas. O café tem um cheiro irrespirável. A conta vem para a mesa sem ser pedida, num prato de alumínio amolgado. Paga-se, deixa-se umas moedas de gorjeta e não se ouve uma palavra de agradecimento ou despedida. Quando saímos, pensamos que a nossa ausência é a felicidade daqueles empregados. Encostados ao balcão, eles continuam à espera que o tempo passe e a porta feche ...

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Viriato
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Mensagem por Vitor mango Dom Set 26, 2010 12:13 pm

andei 80 km liguei o TOM e cheguei a Peniche - terra da sardinha

Nunca na porrah da vida tinha ou vi uma empregada tao eficiente
Olhos de lince estava no olho em mesas facturas clientes e na cozinha
Sardinhas estavam OK mas a Ucraniana maravilhou-me pela eficiencia
No final tive que lhe dizer
parabens por ....e o sorriso da madame foi de orelha a orelha

isto para constratar com as notas ai em cima
Vitor mango
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