Canalhices
Página 1 de 1
Canalhices
Canalhices
Um blogue publicou, há dias, o facsimile de um telegrama do Ministério dos Negócios Estrangeiros. O blogue está no seu pleníssimo direito de tentar ter acesso a correspondência interna do MNE. Alguém lha facultou.
Há semanas, um jornalista referiu-se, a meio de uma conversa ao telefone comigo, ao teor de um telegrama recebido no MNE, assinado por um nosso embaixador. Perante o meu espanto e a pergunta de como obtivera o texto, replicou: "Foi alguém do MNE que mo deu...", disse, já um tanto arrependido de me ter falado no assunto. Também aqui, o jornalista fez apenas o seu trabalho.
A questão é conosco. Quando integramos o serviço público comprometemo-nos, "solenemente, pela nossa honra, que cumpriremos com lealdade as funções que nos são confiadas". Dessa lealdade faz parte o dever de confidencialidade, nomeadamente face a dados a que tenhamos tido acesso por virtude das funções que ocupamos.
Na diplomacia, os telegramas são a essência da profissão. Através deles, frequentemente, dizemos a nossa opinião sobre coisas muito sensíveis e transmitimos ao poder político informações de grande delicadeza, tendo como finalidade a defesa dos interesses do país na ordem externa. Se os diplomatas começarem a pressentir que, um destes dias, as suas avaliações ou pareceres recolhidos através de terceiros, que legitimamente não querem ser identificados, vão acabar por surgir nos blogues ou na imprensa, naturalmente que passarão a "fechar-se em copas" e a limitar drasticamente a utilização dos meios oficiais de correspondência.
Dir-se-á que ambos os telegramas a que aqui faço referência são inócuos - um é de natureza administrativa e o outro pouco longe disso. Porém, isso é completamente irrelevante. Trata-se de um telegrama e os diplomatas aprendem, no "bê-á-bá" profissional, que um telegrama é um documento "sagrado", que se lê se a isso temos necessidade profissional (na regra do "need to know") e que, depois, o "esquecemos".
Quem se sente tentado a passar para o exterior um telegrama administrativo é sempre capaz de ir bastante mais longe. Quem transmitiu os telegramas ao blogue e ao jornalista quebrou um dever de Estado. E quem infringe um compromisso que jurou "pela sua honra" só tem um qualificativo: é um canalha.
Postado por Francisco Seixas da Costa
Um blogue publicou, há dias, o facsimile de um telegrama do Ministério dos Negócios Estrangeiros. O blogue está no seu pleníssimo direito de tentar ter acesso a correspondência interna do MNE. Alguém lha facultou.
Há semanas, um jornalista referiu-se, a meio de uma conversa ao telefone comigo, ao teor de um telegrama recebido no MNE, assinado por um nosso embaixador. Perante o meu espanto e a pergunta de como obtivera o texto, replicou: "Foi alguém do MNE que mo deu...", disse, já um tanto arrependido de me ter falado no assunto. Também aqui, o jornalista fez apenas o seu trabalho.
A questão é conosco. Quando integramos o serviço público comprometemo-nos, "solenemente, pela nossa honra, que cumpriremos com lealdade as funções que nos são confiadas". Dessa lealdade faz parte o dever de confidencialidade, nomeadamente face a dados a que tenhamos tido acesso por virtude das funções que ocupamos.
Na diplomacia, os telegramas são a essência da profissão. Através deles, frequentemente, dizemos a nossa opinião sobre coisas muito sensíveis e transmitimos ao poder político informações de grande delicadeza, tendo como finalidade a defesa dos interesses do país na ordem externa. Se os diplomatas começarem a pressentir que, um destes dias, as suas avaliações ou pareceres recolhidos através de terceiros, que legitimamente não querem ser identificados, vão acabar por surgir nos blogues ou na imprensa, naturalmente que passarão a "fechar-se em copas" e a limitar drasticamente a utilização dos meios oficiais de correspondência.
Dir-se-á que ambos os telegramas a que aqui faço referência são inócuos - um é de natureza administrativa e o outro pouco longe disso. Porém, isso é completamente irrelevante. Trata-se de um telegrama e os diplomatas aprendem, no "bê-á-bá" profissional, que um telegrama é um documento "sagrado", que se lê se a isso temos necessidade profissional (na regra do "need to know") e que, depois, o "esquecemos".
Quem se sente tentado a passar para o exterior um telegrama administrativo é sempre capaz de ir bastante mais longe. Quem transmitiu os telegramas ao blogue e ao jornalista quebrou um dever de Estado. E quem infringe um compromisso que jurou "pela sua honra" só tem um qualificativo: é um canalha.
Postado por Francisco Seixas da Costa
Viriato- Pontos : 16657
Página 1 de 1
Permissões neste sub-fórum
Não podes responder a tópicos