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Mensagem por Vitor mango Dom Ago 06, 2023 11:26 am

BELDROEGAS DE MUITAS MANEIRAS
É sabido, entre familiares e amigos mais chegados, o meu gosto muito especial pelas beldroegas (“Portulaca olerácea” Lineu). Estas ervinhas que «já mataram a fominha a muita gente», como lembrou Monarca Pinheiro, carnudas e aciduladas, são boas nas sopas, nas saladas, no esparregado e, até, em jeito de peixinhos-da-horta (com os caules mais grossos, quando tenros, de bem regados)

Para além do seu interesse gastronómico tenho com elas uma profunda ligação dos tempos de adolescência. Nesses anos era frequente acampar com o meu irmão Mário e mais dois ou três amigos em locais mais perto ou mais longe da cidade, escolhidos em função da facilidade do transporte, do tempo disponível ou de um qualquer critério de ocasião.

Havia nesse tempo acampamentos promovidos pela extinta Mocidade Portuguesa, a organização fascista para a juventude, paralela ao sistema escolar e obrigatória dos sete aos dezoito anos. Com toda a logística assegurada por militares, tudo nestes acampamentos lembrava a tropa, do comandante do campo ao enfermeiro de serviço permanente e aos magalas cozinheiros que preparavam o rancho diário em velhas cozinhas de campanha, sobrevivências fumegantes da Grande Guerra de 1914-1918.

Também acampei uma vez como filiado na dita organização, por altura de uma grande concentração nacional, em que se comemorava o feito heróico de Aljubarrota, com missa campal, desfile, fanfarra, bandeiras, provas desportivas, discursos patrióticos e rancho melhorado.

Mas não foram esses acampamentos que me deram a conhecer as beldroegas. Foram os outros, os feitos em liberdade com os meus amigos e colegas de liceu, percorrendo os campos, parando aqui ou ali, ao sabor dos acasos, da beleza do local ou em função de conhecimentos e amizades que se iam estabelecendo. Tanto podíamos ficar num eucaliptal porque, ao nascer do dia e ao cair da tarde, o aroma libertado pela folhagem nos dava a sensação de estarmos a respirar saúde, como sob um alpendre junto ao monte de uma qualquer herdade, dentro de uma horta, à beira do poço, ou debaixo de telha, na “casa da malta”.

Viver a natureza e do muito que ela nos dá, com um mínimo de cómodos e utensílios, e em convívio quase constante com os camponeses, fazer campismo, nas condições e no tempo em que nós o fizemos, foi uma escola para a vida. Das ciências naturais, às sociais e humanas, aí se abriram muitas das minhas portas e janelas para o mundo.

Abastecendo-nos nas vendas, colhendo o que nos autorizavam colher ou, mesmo, o que algumas vezes ousávamos apanhar, íamos prolongando ao máximo a nossa permanência no mundo rural. Foi numa destas deambulações em que montámos tenda numa horta fresca e verdejante, ao abrigo de uma frondosa nespereira, que conhecemos bem de perto as beldroegas e as elegemos como prato de todos os dias. Com azeite ou no pingo do toucinho, com grão, com queijo e com ou sem ovos, de tomatada, em “sopas de entulho” com massa, arroz ou batata e tudo o mais que tivéssemos à mão, as beldroegas entraram, forte, na minha vida.
A princípio as gentes do campo com quem íamos contactando mantinham, face a nós, uma certa reserva. Depois de nos conhecerem melhor, aceitavam-nos e até nos achavam graça.
«Rapazes da cidade feitos malteses.» Diziam.
Daí para a frente acamaradavam connosco, algumas vezes, aos serões, em redor da fogueira, e não era raro presentearem-nos com algo que traziam de casa, uma cestinha com ovos, um talego com boletas, umas batatitas, duas cebolas e uma cabeça de alhos.

«Baldoregas é o que aí não falta!»

Dizia-nos o tio Inácio, o hortelão da herdade das Cortiçadas.

– Isso é praga que alastra por todo o lado, bem bebida que anda junto aos roços da rega. Arranquem-na toda que isso até me faz jeito. Escuso de a mondar. Está-me a tirar a força ao tomate, ao feijão e a tudo o mais que trago aí.

Tão grandes e grossas eram e tão fartas, que bastavam uns quatro ou cinco pés para nos encher a panela e eram tantas que, sem sairmos do mesmo sítio, podíamos apanhar um molho do tamanho de uma braçada. E tenras, que até os caules mais grossos se podiam cozinhar.

- Mas então, porque é que vossemecê não as leva para o mercado?

Perguntei, admirado com tamanho desinteresse deste homem por um legume tão saboroso.

«Isso é obra que ninguém compra. Só os porcos pegam nelas e é preciso não terem mais nada. Aí o pessoal mais pobre, sem emprego, é que as apanha para matar a fome à família.

Foi assim, de facto, nesses anos de grande miséria para muitos dos meus conterrâneos.

SOPAS DE BELDROEGAS COM QUEIJO E OVOS
Em tacho com tampa, aloure no azeite a cebola cortada às meias rodelas, os dentes de alho fatiados e o louro. Junte as beldroegas (depois de eliminar os caules mais grossos), uma ou duas cabeças de alho inteiras e limpas da casca exterior. Tape, mantenha em lume brando e vá vigiando.
As beldroegas vão vertendo água, à qual deve acrescentar a água suficiente para o cozinhado. Quando as bocas a dar de comer eram muitas, acrescentavam-se batatas cortadas às rodelas.
De seguida, escalfe aí os ovos e coza o queijo alentejano (branco, de meia cura), cortado às fatias grossas. Este tipo de queijo é, no geral, muito salgado. Assim, antes de o incluir na confecção, corte-o e deixe-o ficar numa tigela com água (que vai mudando) durante 10 a 12 horas.
O pão (alentejano, de dois oi três dias), às fatias, é colocado no fundo da terrina de ir à mesa e regado com o caldo bem quente e as beldroegas. Acompanha com os ovos escalfados, o queijo e o alho inteiro, tudo servido em travessa à parte.
Do alho inteiro cozido, que cada um retire os dentes que quiser.
Não desejando fazer sopas, acrescente só a quantidade de água necessária a este outro modo de confecção. Coloque uma fatia de pão frito em cada prato e, sobre ela, as beldroegas, o queijo cozido, o ovo escalfado e os dentes de alho ao gosto de cada conviva.
















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Vitor mango
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