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Goa

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Mensagem por Vitor mango Sáb Ago 25, 2012 1:04 am


Goa








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Goa foi um tema que sempre me fascinou, menos pela inegável importância
histórica da nossa presença na costa indiana e muito mais pela natureza,
que sempre vi como muito ambígua, da relação de Portugal com aquela
terra e aquela gente. Há uns anos, essa curiosidade levou-me mesmo a
passar por lá uns dias. E, devo dizer com franqueza, saí mais confundido
do que estava quando lá cheguei.




No final de 2011, passou exatamente meio século desde que a União
Indiana invadiu as últimas possessões que Portugal mantinha na costa do
Malabar: Goa, Damão e Diu. Dois enclaves, Dradrá e Nagar Haveli, já
haviam sido absorvidos pelo governo de Nova Delhi, em 1954. Uma curta
batalha militar veio encerrar uma mais longa batalha
jurídico-diplomática, com que o governo ditatorial português pretendia
contrariar o processo descolonizador. A perda do Estado da Índia
representou um trauma muito importante num país que, nesse ano, já havia
assistido às trágicas consequências da sublevação em Angola. O
colonialismo português entrava no seu declínio e, com ele, o próprio
regime.




Mas, à
época, diga-se em abono da verdade, nem só os dirigentes do Estado Novo
se recusavam a aceitar o fim do império: grande parte da opinião pública
portuguesa, mesmo dentre quantos se opunham a Salazar, mantinha uma
atitude favorável (ou, pelo menos, não desfavorável) à manutenção dessa
parcela do "ultramar português". Mesmo no seio das forças organizadas da
Oposição, essa atitude dominava, convém dizê-lo. Recordo-me bem da
emoção
provocada em Vila Real, em fins de 1961, aquando da "queda" do Estado
da Índia, pela invasão das tropas do "Pandita Nehru".




(Nunca me saiu da cabeça a ideia que criei de que a reiterada utilização
adjetivada que a propaganda do regime fazia da palavra "Pandita" -
designação elogiosa indiana que era atribuída a Nehru e que, em rigor,
significa homem sábio e educado - tinha a ver com a sua similitude
sonora com "bandido", tal como, anos mais tarde, aconteceu na América
com as expressões "Saddam" e "Satan". Os cartazes com palavras de ordem
que diziam "Abaixo o Pandita" e coisas similares assim parece provarem).




Tenho
na memória a visão do meu professor de História, dr. Carlos Sanches, não sei bem
em que qualidade, a discursar na varanda do Governo Civil de Vila Real, para umas
centenas de pessoas que, com patrióticos cartazes, manifestavam o seu pesar pelos acontecimentos.
Eu estava ali com o meu pai, um eterno anti-salazarista, mas que estava
solidário com a defesa do Estado da Índia.




Na altura, a
censura aos media não deixou revelar as dissenções havidas entre
o governador-geral
Vassalo e Silva e o executivo de Lisboa, com a "heroicidade" de Salazar a
mandar, da comodidade de S. Bento, o célebre e gongórico telegrama,
redigido para a História e para o "livro branco": "Não haverá nem
vencedores nem vencidos, só
heróis e mártires". Lembro-me da emoção com que então se ouvia falar
do afundamento do aviso Afonso de Albuquerque, bem como da "defesa
heróica" levada a cabo pelas forças militares portuguesas em Goa. Só
muito mais tarde vieram a conhecer-se as condições miseráveis em que
estavam as nossas tropas no terreno e no total irrealismo que
representaria uma luta até ao último homem. A vilificação de
Vassalo e Silva (a ironia estadonovista nas conversas sugeria a sua
"cobardia", ao tratá-lo como "bacilo salvo") foi a escapatória fácil
encontrada pela ditadura para
justificar a derrota militar, a qual, como disse, era uma outra face da
inevitável derrota política da teimosia na manutenção do sonho imperial,
de que Índia "portuguesa" era a primeira peça do dominó a cair.




Como atrás disse, há uns anos, passei uns
dias em Goa. A Índia era a zona da fixação colonial portuguesa que me
criava (e ainda cria) maiores interrogações. Sabia do modo
ofendido como os habitantes de Goa, Damão e Diu tinham entendido a
aplicação ao território do Ato Colonial, logo no início do Estado Novo.
Li, mais tarde, textos escritos por goeses divididos entre a fidelidade a
um
Portugal que os tratara menos bem e a atração por uma União Indiana que
lhes abria caminho a uma ligação a um grande Estado descolonizado, então
"farol" para muitos povos. E percebera, também, a desilusão que
muitos goeses haviam acabado por sentir, ao verem a sua identidade
violentada por uma integração algo traumática, desrespeitadora da sua
sensibilidade cultural e até religiosa. Não
sei o suficiente sobre o assunto para poder ter uma opinião segura, mas
recomendo muito que, quem possa, vá a Goa e por lá tente entender aquela
gente que ficou "a meio da ponte"...




Nessa viagem,
entre outras surpresas, tive uma experiência curiosa. Como acontece com
muitos turistas portugueses, procurei visitar algumas das antigas casas
senhoriais do tempo da Índia "portuguesa", hoje maioritariamente
transformadas numa espécie de museus, as mais das vezes tristes, que
espelham uma decadência serena e digna. E onde, em geral, se fala de
Portugal sem acrimónia, mas também sem especial nostalgia, como falamos
de longínquos membros desaparecidos da família, com defeitos e virtudes.
Mais do que de Portugal, do que alguns goeses parece terem saudades é
da sociedade goesa do passado, o que são coisas muito diferentes.




A certo ponto
da minha estada, ao aproximarmo-nos de uma dessas casas, fui informado
pelo
motorista que ela não era visitável, salvo com diligências que eu não
tinha tempo de empreender. O mesmo motorista chamou-me, entranto, a
atenção para
uma senhora que estava a sair da casa, dizendo saber que era ela a
proprietária. Pedi para parar o carro e dirigi-me à senhora, que deveria
mais de 80 anos. Fi-lo em inglês. A senhora olhou para mim e, num
português
impecável, respondeu-me: "Mas por que é que está a falar-me em inglês?
Eu falo
português. Eu fui deputada à Assembleia Nacional!". Chamava-se
Lurdes Figueiredo e, logo recordei, fizera parte de um grupo de
deputados, de um género a que os brasileiros chamam "biónicos", que
haviam sido designados pelo Estado Novo para representar o Estado da
Índia, no areópago de S. Bento, ao tempo em que o general França Borges
era uma espécie de governador-geral no exílio... em Lisboa. Creio que
duraram até ao 25 de abril, se não me engano.




Fiquei sempre com muita pena de não ter tido a oportunidade de falar
longamente com aquela senhora, para tentar perceber um pouco mais desse
tempo estranho, de um Portugal em transição, em trágico final de
império.




Tão estranho que o motorista que me transportava, um hindu que não
falava uma palavra de português e que havia nascido já bem depois do fim
da Índia dita portuguesa, me pediu para lhe mandar, de Lisboa,
autocolantes com o nosso escudo ou a nossa bandeira, para si e para
oferecer aos amigos, que achavam muita graça usar nos automóveis. As
bizarras malhas que o império tece...




Publicado por
Francisco Seixas da Costa


às
00:03


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Etiquetas:
Estado Novo,
História,
Memórias,
Índia

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Mensagem por Joao Ruiz Sáb Ago 25, 2012 9:43 am

.
Lembro-me da emoção com que então se ouvia falar
do afundamento do aviso Afonso de Albuquerque, bem como da "defesa
heróica" levada a cabo pelas forças militares portuguesas em Goa. Só
muito mais tarde vieram a conhecer-se as condições miseráveis em que
estavam as nossas tropas no terreno e no total irrealismo que
representaria uma luta até ao último homem. A vilificação de
Vassalo e Silva (a ironia estadonovista nas conversas sugeria a sua
"cobardia", ao tratá-lo como "bacilo salvo") foi a escapatória fácil
encontrada pela ditadura para
justificar a derrota militar, a qual, como disse, era uma outra face da
inevitável derrota política da teimosia na manutenção do sonho imperial,
de que Índia "portuguesa" era a primeira peça do dominó a cair.

Nunca deixo de me emocionar, sempre que é referido o afundamento do aviso Afonso de Albuquerque. E muito me espanta que uma pessoa como Seixas da Costa coloque "defesa heróica" entre aspas, pois de defesa heróica se tratou, atentas as miseráveis condições, proporcionadas pelo Estado Português a esses bravos, cujas vidas foram ceifadas prematuramente... para nada,

Entre eles, encontrava-se António Fernandes Jardino, meu amigo e companheiro de folguedos infantis e mais tarde de juventude. Nunca o squecerei e muito me custou "digerir" a sua morte. Pelo menos, a sua terra natal, Bragança, ergueu uma escultura em sua homenagem, não deixando cair no esquecimento o seu feito.

Quanto a Vassalo e Silva, numa história muito mal contada, foi o bode expiatório, que Salazar encontrou para justificar o injustificável.

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