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O Leopardo
Título original: Il Gattopardo /The Leopard Realização: Luchino Visconti Intérpretes: Burt Lancaster, Claudia Cardinale, Alain Delon, Paolo Stoppa, Rina Morelli, Romolo Valli, Terence Hill, Pierre Clémenti Itália/França, 1963 Reposição: 2 de Fevereiro de 2006
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Eurico de Barros | João Lopes | Média dos Espectadores |
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Em 1860, Garibaldi inicia o movimento de unificação da Itália. D. Fabrício (Burt Lancaster) é um aristocrata que tenta manter o antigo modo de vida, apesar dos tempos de mudança. Para ele, a ascensão da burguesia é uma ameaça. Mas, numa manobra astuta, combina o casamento do seu sobrinho Tancredo (Alain Delon) com Angélica (Claudia Cardinali), filha de um rico e influente administrador de propriedades. Fiel aos seus valores, este aristocrata consegue assim manter acesa a chama do antigo regime.
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Reposição no Cinema Nimas em Lisboa em cópia nova (versão italiana de três horas). |
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João Lopes
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Na genealogia europeia do cinema moderno, «O Leopardo» (1963) é um filme central e um dos momentos chave da obra de Luchino Visconti (1906-1976). Nele se revisita o clima convulsivo da Itália de meados do século XIX para observar os valores (e também as perdas) de uma nova identidade nacional. No papel central, Burt Lancaster tem uma das suas mais notáveis composições. Reposição em cópia nova, em italiano, fiel ao conceito original de Visconti. (Nota publicada no «Diário de Notícias»)
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O texto que se segue — sobre a edição em DVD de «O Leopardo» — foi publicado na edição nº 14 da revista Op, com o título `Lições que permanecem, imagens que se transformam`.
Na memória mítica do filme "O leopardo" (1963), de Luchino Visconti (1906-1976), há uma frase que emerge sempre como símbolo de uma postura moral que se transfigura em táctica ideológica, por sua vez decorrente de uma estratégia política. Surge logo numa das primeiras cenas, é proferida por Tancredi Falconeri (Alain Delon), num diálogo com a personagem central, o seu tio Príncipe de Salina (Burt Lancaster), e condensa a atitude da aristocracia italiana de meados do século XIX face à ascenção das classes médias. Diz Tancredi: "Para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude." Aliás, numa sequência posterior, pelo meio do filme, será o Príncipe a repetir as palavras do sobrinho.
No romance que o filme adapta, escrito por Giuseppe Tomasi di Lampedusa e publicado em 1958 (um ano depois da morte do autor), a atitude do Príncipe decorre mais de uma vontade de adaptação às convulsões da história do que de um mero programa cínico para manutenção do poder. Tal como se insere no filme de Visconti, a frase adquire uma lógica muito mais crua e, ontem como hoje, não pode deixar de ser lida como reflexo do olhar eminentemente crítico do cineasta sobre a própria Itália em que se inseria o seu trabalho.
Esta pluralidade interior da narrativa de "O leopardo" é bem reveladora do persistente fascínio deste clássico absoluto. De facto, estamos perante um filme que, passadas mais de quatro décadas sobre a sua revelação ao mundo, no Festival de Cannes (onde arrebatou a Palma de Ouro), permanece como uma superior lição sobre a vontade de o cinema se assumir como reflexo, pensamento e reinvenção da complexidade interior da história.
Daí que seja duplamente feliz a circunstância de a prestigiada Criterion Collection ter lançado "O leopardo" numa esplendorosa edição em DVD: por um lado, esta é a possibilidade de reencontro com uma referência incontornável na tradição cinéfila (sensível mesmo para muitos dos que nunca tiveram possibilidade de ver o filme); por outro lado, as características específicas da edição confirmam que, hoje em dia, o conhecimento do continente cinematográfico se faz tanto de imagens que se repetem como de imagens que se transformam, numa dinâmica que está a gerar novas relações entre o passado e o presente dos filmes.
Assim, a caixa editada pela Criterion contém nada mais nada menos que três discos. O primeiro devolve-nos aquilo que, para todos os efeitos, se tinha tornado uma raridade: a própria versão viscontiana de "O leopardo", ou seja, o filme com diálogos em italiano e a duração original de 185 minutos; o segundo é totalmente dedicado aos extras e, além de um documentário "making of" (incluindo depoimentos de Claudia Cardinale, da argumentista Suso Cecchi D`Amico e do director de fotografia Giuseppe Rotunno), apresenta uma entrevista com Millicent Marcus, professora da Universidade de Pensilvânia, sobre o contexto histórico do "Risorgimento" italiano; finalmente, o terceiro disco traz-nos a chamada "versão internacional" do filme, aquela que circulou na maior parte dos mercados, com 161 minutos e diálogos em inglês.
É caso para dizer que esta desmultiplicação "esquizofrénica" de "O leopardo" talvez pudesse satisfazer o gosto perverso de Visconti pelas ambivalências de que se faz a história. Isto porque ele sempre foi um cineasta fascinado pelas acções contraditórias, pelos contextos em que a decadência de umas classes abre caminho à afirmação de outras. De "Senso" (1954) ao filme final "O Intruso" (1976), passando por essa espécie de testamento simbólico que é "Morte em Veneza" (1971), Visconti foi o retratista obsessivo de crises, individuais e colectivas, capazes de relativizar todas as certezas do devir histórico. Ver ou rever "O leopardo" nesta duplicidade que o DVD permite é também compreender que os filmes tendem a existir, cada vez mais, num estado de permanente reconversão, favorecido e, de alguma maneira, consagrado pela evolução dos respectivos suportes e tecnologias.
Cenas como a chegada do Príncipe à povoação de Donnafugata, já convertida à nova ordem política (com o célebre plano, no interior da igreja, dos membros da família Salina cheios de pó), ou ainda o baile aberto pela dança do Príncipe e Angelica (Claudia Cardinale), são momentos de cinema que transcenderam a sua própria condição narrativa. Existem como símbolos de uma atitude criativa que Visconti simbolizou como poucos: o entendimento do cinema como arte de sínteses e decisivo elemento transformador do século XX, ao mesmo tempo que descendente legítimo de sensibilidades do século XIX, a começar pelo artifício paradoxal da ópera. Que tudo isso nos reapareça através dos desígnios do digital, eis a derradeira e saborosa ironia.
"THE LEOPARD"
("Il Gattopardo")
Real.: Luchino Visconti
Int.: Burt Lancaster, Claudia Cardinale, Alain Delon
The Criterion Collection, 1963/2004 |
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