"Não tenho a certeza de que o Reino Unido vá sair da União Europeia"

"Não tenho a certeza de que o Reino Unido vá sair da União Europeia"


Philippe Sands foi um dos especialistas ouvidos na investigação para o Relatório Chilcot

  |  DR





Sobre a Guerra do Iraque, Philippe Sands, advogado e especialista em direito internacional, não tem dúvidas de que Tony Blair enganou o Parlamento e o público. O ex-primeiro-ministro britânico e George W. Bush deveriam ser investigados pelo crime de agressão
Afirmou várias vezes que a Guerra do Iraque foi ilegal porque não foi em legítima defesa, porque não se tratou de uma ação humanitária e porque não havia uma resolução do Conselho de Segurança da ONU. Tony Blair e George W. Bush deveriam ser considerados criminosos de guerra?
Fazer uma guerra ilegal não é um crime de guerra. Mas poderá configurar um crime de agressão. A posição de Elizabeth Wilmshurst, conselheira jurídica do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que aparece expressa no relatório [Chilcot], é muito clara: "Não é legal recorrer ao uso da força sem uma resolução do Conselho de Segurança. Se houve um crime foi um crime de agressão, não um crime de guerra."
Deveriam ser julgados?
É um caso que deveria ser investigado enquanto matéria de direito criminal.
Está em aberto a possibilidade de os deputados virem a votar uma moção contra Blair por desrespeito do Parlamento. Concorda?
A questão é se ele enganou ou não o Parlamento. Isso é algo que os deputados devem decidir. Se vier a acontecer é algo que não me choca.

Tony Blair e George Bush, na Casa Branca, em janeiro de 2003

  |  DR




Blair enganou o Parlamento?
O Parlamento, o resto do governo e a opinião pública.
A 28 de julho de 2002, nove meses antes da guerra, Blair escreveu a Bush assegurando que estaria com ele acontecesse o que acontecesse. Foi esse o seu grande erro?
Não sei se foi o maior erro que cometeu na vida, mas foi um erro crasso e fundamental.
O que terá levado Blair a assumir esse compromisso tão aberto e sem reservas?
Essa é uma pergunta muito importante, mas só ele poderá responder. Tendo em conta que do outro lado estava um presidente como George W. Bush, isso foi um erro tremendo.
Segundo o relatório, a 17 de março de 2003, vésperas da invasão, Blair foi avisado pelo diretor dos serviços secretos de que o Iraque não só tinha armas biológicas como tinha também capacidade para produzi-las. Tendo isto em conta, as culpas devem ser atiradas para Blair ou para os serviços secretos?
No nosso sistema político um líder assume as responsabilidades pelos erros da sua administração. Em última análise é responsabilidade do senhor Blair, mas claro que os serviços secretos também devem assumir as suas.
Blair também foi enganado?
Estou convencido de que Blair tomou uma decisão política e a partir daí tudo foi feito e moldado para encaixar nessa decisão política. Isso incluiu os serviços secretos.
Quando terá tomado a decisão?
Provavelmente no verão de 2002. O relatório confirma essa ideia.
Blair diz que o mundo é um lugar melhor sem Saddam Hussein.
Tendo em conta tudo o que aconteceu a seguir no Iraque, para mim, não é evidente que o mundo seja um lugar melhor sem Saddam.
Blair estará arrependido de ter ido para a guerra?
Parece-me que não é capaz de ter uma visão clara e honesta sobre o que pensa. Olhamos para a sua cara e vemos um homem que está em luta, em sofrimento e num profundo debate interior.
Tem opinião sobre o papel de Durão Barroso?
Não me parece que tenha sido inteligente receber a cimeira dos Açores. Passou a ideia de que estava a apoiar um projeto cheio de falhas e erros.
Atualmente estamos em guerra contra o terrorismo. Como podemos combater o Estado Islâmico?
Pelos meios legais. Temos de aprender com o que se passou antes. Mas é uma questão complicada. A ameaça existe e temos de lidar com ela de forma muito séria.
Neste caso justifica-se e aceita-se a ação militar?
Alguém tem de agir militarmente, a questão é quem. É uma questão para debater a nível internacional.
Vladimir Putin tem-se mostrado cada vez mais belicista. Poderemos estar no limiar de uma nova guerra fria?
A questão é saber se estamos mais perto de 1914 ou de 1946.
E qual é a sua resposta?
Não sei. Mas estou muito preocupado com o momento atual. O mundo está perigoso.
O que votou no brexit?
Votei por ficar. A UE não funciona bem, mas é a alternativa menos má. Tenho esperança de que o voto em favor do brexit funcione como um alerta para a Europa. A UE terá de fazer mudanças fundamentais.
Tem medo da desagregação do Reino Unido?
Não. Se sairmos da UE estou convencido de que viremos a ter uma Irlanda unida e uma Escócia independente, mas não tenho qualquer problema com isso. Gostava que o Reino Unido mantivesse a sua integridade, mas, com o brexit, ele irá acabar tal como o conhecemos.

A questão é que não tenho a certeza de que o Reino Unido vá sair da UE.

Theresa May tem repetido até à exaustão que "brexit significa brexit". Pensa que há volta a dar?
Sim, acho que é possível voltar atrás. Uma reforma profunda da União Europeia poderá fazer que o Reino Unido repense a decisão da saída através de eleições legislativas ou de um novo referendo.
O que lhe pareceu a nomeação de Boris Johnson para ministro dos Negócios Estrangeiros?
Julgo que foi uma nomeação completamente ridícula. Conheço-o bem e gosto dele pessoalmente, mas não é a pessoa certa para o cargo. O Reino Unido precisa de alguém que inspire respeito e que fale com autoridade. Ter um ministro dos Negócios Estrangeiros que foi extraordinariamente rude naquilo que escreveu sobre líderes mundiais com os quais terá de trabalhar é algo que mina a confiança.