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A minha civilização, herdeira de Deus...

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A minha civilização, herdeira de Deus... Empty A minha civilização, herdeira de Deus...

Mensagem por TheNightTrain Qua Set 30, 2009 11:09 am


A minha civilização, herdeira de Deus...




A minha civilização, herdeira de Deus... 29jun_Antoine%2520de%2520Saint_ExuperySaint-Exupéry (1900-1944) pertence,
no dizer de Michel de Saint-Pierre, à linhagem dos Maurras, Barrès,
Bernanos, Montherlant, Drieu La Rochelle, Brasilach, Jacques Ploncard
d´Assac, homens que souberam levantar a voz em defesa da condição
humana, ameaçada pela tecnocracia totalitária, e o fizeram anunciando
galhardamente verdades das mais necessárias para o homem do nosso
tempo. Note-se porém que a defesa da condição humana levantada por
homens da estirpe dos pensadores supraditos em tudo destoa do
"humanismo" entoado pela ONU e pelos marxismos de todos os matizes que
não passam de um arremedo de humanismo, mas assentada nas Verdades
eternas marcadas no coração do todos os homens.

È
muito cômodo basear a ordem de uma sociedade na submissão de cada um
dos seus componentes a regras fixas. É bastante cômodo formar um homem
que, além de cego, tolerasse sem protestar um mestre ou um Corão. Mas o
resultado a atingir é de uma transcendência tal que, para libertar o
homem, é preciso fazê-lo reinar sobre si próprio.
Mas o que é
libertar? Se eu libertar no deserto um homem que não sente nada, que
significa a sua liberdade? A única liberdade que há, é a de “alguém”
que vai a alguma parte. Só nessa altura se lhe ofereciam possibilidades
com alguma significação. Soltar uma pedra só tem sentido se existe
gravidade. Porque, caso contrário, soltamos a pedra e ela não a parte
alguma.
Ora, a minha civilização procurou basear as relações humanas
no culto do homem para além do indivíduo, para que o comportamento de
cada pessoa em relação a si própria ou a outrem deixasse de ser
conformismo cego com as práticas das térmitas, mas livre exercício do
amor.
O caminho invisível da gravidade liberta a pedra. As vertentes
insensíveis do amor libertam o homem. A minha civilização procurou
fazer de cada homem o embaixador de um príncipe. Considerou o individuo
como caminho ou mensagem maior do que ele próprio; ofereceu à liberdade
da sua ascensão direções magnetizadas.
Conheço perfeitamente a
origem desse polígono de forças. Durante séculos e séculos, a minha
civilização contemplou Deus através dos homens. O homem era criado à
imagem de Deus. Respeitava-se Deus no homem. Os homens eram irmãos em
Deus. Esse reflexo em Deus conferia uma dignidade inalienável a cada
homem. As relações do homem com Deus serviam de fundamento evidente aos
deveres de cada homem para consigo próprio ou para com os outros.
A
minha civilização é herdeira dos valores cristãos. Vou refletir um
pouco sobre a construção da catedral, para melhor compreender sua
arquitetura.
A contemplação de Deus instituía os homens iguais,
porque eram iguais em Deus. E esta igualdade tinha uma significação
clara. Porque só se pode ser igual em alguma coisa. O soldado e o
capitão são iguais na nação. A igualdade passa a ser simples palavra
vazia de sentido, se não há em que estabelecer essa igualdade.
Compreendo nitidamente o motivo por que esta igualdade, que era
igualdade dos direitos de Deus através dos indivíduos, proibia que se
limitasse a ascensão do individuo. Deus podia muito bem decidir toma-lo
pelo caminho. Mas, como se tratava de igualdade dos direitos de Deus
“sobre” os indivíduos, compreendo por que razão os indivíduos, fossem
eles que fossem, estavam sujeitos aos mesmos deveres e ao mesmo
respeito pelas leis. Como exprimiam Deus, eram iguais nos seus
direitos. Como serviam Deus, eram iguais nos seus deveres.
Compreendo
a que se devia que uma igualdade estabelecida em Deus não acarretasse
contradição nem desordem. A demagogia aparece quando, na falta de uma
medida comum, o princípio da igualdade abastarda em princípio de
identidade. Nessa altura, o soldado recusa-se a fazer a continência ao
capitão, por que, ao saudar o capitão, estaria a honra um individuo e
não a nação.

A minha civilização, herdeira de Deus, tornou os homens iguais ao “Homem”.

Compreendo
agora a origem do respeito que os homens têm uns pelos outros. O sábio
devia respeito ao próprio paioleiro, porque através do paioleiro ele
estava a respirar Deus, de quem o paioleiro era também embaixador.
Quaisquer que fossem o valor de um e a mediocridade do outro, nenhum
homem podia por isso pretender reduzir o outro à escravatura. Não se
humilha um embaixador. Mas esse respeito pelo homem não levava a uma
prosternação degradante diante da mediocridade, da estupidez ou da
ignorância de um indivíduo, porque o que de maneira particular se
honrava, era essa qualidade de embaixador de Deus.
Era assim que o
amor de Deus fundamentava entre os homens relações nobres, porque todos
os assuntos se tratavam de Embaixador para Embaixador, para além da
qualidade dos indivíduos.
A minha civilização, herdeira de Deus, fundou o respeito do homem através dos indivíduos.

Compreendo
agora a origem da fraternidade dos homens. Os homens eram irmãos em
Deus. Só se pode ser irmão em alguma coisa. Se não há laço que o uma,
os homens encontram-se justapostos e não ligados.
Não se pode ser irmão sem mais nada. Os meus companheiros e eu somos irmãos no Grupo 2/33. Os Franceses na França.

A minha civilização, herdeira de Deus, tornou os homens irmãos do Homem.

Compreendo
agora o que significavam os deveres de caridade que me pregavam. A
caridade servia deus por intermédio do individuo. Era devida a Deus,
por muito grande que fosse a mediocridade do individuo. Essa caridade
não humilhava o beneficiário, nem o amarrava com as cadeias da
gratidão, porque não era a ela, mas a Deus que a dádiva era dirigida.
Por sua vez, o exercício desta caridade nunca era homenagem prestada à
mediocridade, à estupidez ou à ignorância.
O médico devia
comprometer a vida nos cuidados a prestar ao empestado mais vulgar.
Porque ele servia Deus. Não ficava diminuído por passar uma noite em
branco à cabeceira dum ladrão.

A minha civilização, herdeira de Deus, fez assim da caridade uma dádiva ao Homem através do individuo.

Compreendo
agora a significação profunda da humildade que se exige ao indivíduo.
Não vinha rebaixá-lo, mas elevá-lo. Vinha esclarecer-lhe o seu papel de
Embaixador. Da mesma maneira que o obrigava a respeitar Deus na pessoa
dos outros, obrigava-o também a respeitá-lo em si próprio, a
converter-se em mensageiro de Deus, em caminho de Deus. Impunha-lhe a
obrigação de se esquecer de si próprio para se tornar maior porque, se
o indivíduo se exalta na própria importância, em breve o caminho se
converte em parede.

A minha civilização, herdeira de Deus,
pregou também o respeito de si próprio, isto é, o respeito do homem
através da própria pessoa.


Compreendo finalmente o motivo
que levou o amor de Deus a instruir os homens responsáveis uns para com
os outros e a impor-lhes a esperança como uma virtude.
Uma vez que
erigia cada um deles em Embaixador do próprio Deus, nas mãos de cada um
deles repousava a salvação de todos. Ninguém tinha o direito de
desesperar porque era um mensageiro superior a si mesmo. O desespero
significa renegar Deus em si mesmo. O dever da esperança poderia
traduzir-se por: “Julgas-te assim tão importante? Que fatuidade se
desprende do teu desespero!”.

A minha civilização, herdeira de
Deus, tornou cada homem responsável por todos os homens e todos os
homens responsáveis por cada homem. Um indivíduo tem o dever de se
sacrificar para salvar uma coletividade, mas não estamos perante uma
aritmética imbecil. Temos diante de nós o respeito do Homem através do
indivíduo. Realmente, a grandeza da minha civilização reside em que cem
mineiros têm o dever de arriscar a vida para salvar um único mineiro
que ficou sepultado. Estão a salvar o homem.

Compreendo
nitidamente, a esta luz, o que a liberdade significa. É a liberdade de
uma árvore que cresce no polígono de forças da sua semente. É clima da
ascensão do Homem. É semelhante a um vento favorável. Só graças ao
vento os veleiros são livres no alto mar.

Um homem construído
desta maneira disporia do poder da árvore. Que espaço não cobriria com
as suas raízes! Que massa humana não absorveria para fazer desabrochar
o sol.



SAINT EXUPÉRY, Antoine de. Piloto de Guerra, Trad.Ruy Belo, Lisboa: Editorial Áster. p.197-203.

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