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Guiné 1970-1971 - Um testemunho

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Mensagem por Joao Ruiz Dom Fev 14, 2010 9:21 am

Guiné 1970-1971 - Um testemunho

por SERAFIM LOBATO*
Hoje

Guiné 1970-1971 - Um testemunho Ng1255284

Há 40 anos a guerra estava na decadência

Há 40 anos, cheguei à Guiné num petroleiro da Marinha de Guerra, o "S. Gabriel". Não seguia só, pertencia a uma unidade de fuzileiros especiais alojada nos depósitos vazios do combustível. Dois anos depois, retornámos da guerra que o regime português mantinha em três antigas colónias num navio mercante, o "Angra do Heroísmo". Castigados pelo general Spínola.

DFE 12

O "meu" DFE [Destacamento de Fuzileiros Especiais], com o n.º 12, foi uma força de combate, em diversificados cantos da ex-província ultramarina e mesmo no... Senegal.

Como os "veteranos" da unidade, decidiram comemorar, este ano, em Março, os 40 anos da sua chegada à Guiné, este é o momento para escrever sobre esse período histórico, que, para mim, foi uma data marcante na decadência da actividade político-militar portuguesa naquela antiga colónia. Como o Destacamento, 80 homens, "assistiu" aos acontecimentos desses dois anos, ou sentiu, os seus efeitos, decorrentes de incompetências de comando de alguns deles, este relato apresenta, também, uma outra versão histórica, sucinta, do que foi a guerra colonial.

O DFE 12 zarpou para a Guiné em duas levas, e este facto, em si, merece uma breve descrição: a primeira era de graduados. O comandante da unidade, um recém-promovido primeiro-tenente, de nome Mendes Fernandes, da Reserva Naval, quando foi indicado para o cargo, teve a perspicácia de, em meses, fazer uma escolha dos seus quadros veteranos.

A segunda leva rumou para a ex-colónia, dois meses depois, constituída por grumetes, acabados de fazer o curso de fuzileiros especiais.

A razão deste desfasamento: a falta de jovens voluntários para as tropas especiais.

A chegada dos primeiros ocorreu a 31 de Janeiro, ao largo do Caió. Seguiu depois na Lancha de Desembarque Grande "Montante". Aquela leva seguiu para a base de Ganturé, no rio Cacheu, a sul de Bigene, sede de Comando regional, o COP 3. Este superintendia, a norte, ainda quartéis do Exército, de Barro até Guidaje, a bacia ribeirinha da foz do rio Armada até Binta e, a sul, uma faixa de terra desde o Morés a Brufa, sem um quartel português.

Era, à nossa chegada, comandante do COP 3 um oficial superior da Armada, Alpoim Calvão, condecorado, em anterior comissão na Guiné, como comandante de um DFE, e promovido, antecipadamente, àquele posto.

Calvão era o único oficial superior da Armada a exercer um cargo operacional, fora de Bissau, com "relação privilegiada" junto do general Spínola. Uma situação de ódios e invejas, mas também admiração.

No primeiro contacto entre Calvão e o meu comandante, verifiquei uma frieza de relacionamento, que se aprofundou a seguir. A base, onde o DFE 12 permaneceu um ano, era um "campo de arame farpado", alojada num antigo entreposto da Casa Gouveia. Desde finais de 1969, estavam sediados 250 homens - três destacamentos especiais e um pelotão de fuzileiros normais, este em rotação, das companhias, sedeadas em Bissau.

À nossa chegada, um dos destacamentos seguiu para a vila do Cacheu para reforçar o"Chão Manjaco", onde se dizia que o general Spínola iria "desagregar o PAIGC". Meses depois, um outro foi para Teixeira Pinto, hoje, Canchungo, na mesma região, sede de um Comando alargado CAOP 1, supervisionado por um coronel, Rafael Durão. Esta transferência foi realizada após os acontecimentos trágicos de Abril de 1970. De tal, falaremos adiante.

Voltemos ao COP 3. Na apresentação, ficámos a saber que, em Janeiro, o PAIGC atacara, fortemente, quartéis no Norte, desde S. Domingos a Guidage (Nos primeiros meses de 1970, grandes ataques caíram sobre quartéis fronteiriços próximos, de outras regiões militares, como Pirada, e do interior, Olossato e Bissum).

Bigene sofreu, em Março, forte ataque com armas pesadas, a norte, com uma tentativa de assalto do IN, tendo o comandante regional solicitado apoio do DFE 12. Este perseguiu as forças junto ao arame farpado.

Meses depois, à noite, Bigene foi o primeiro quartel do Norte a sofrer uma barragem de foguetões 122, alguns dos quais, sobrevoando a vila, caíram perto de Ganturé. Sentimos a impotência face à supremacia da nova artilharia da guerrilha. Este aumento da actividade IN estava em contradição com as declarações do general, que afirmara, em Abril, numa visita do então ministro Silva Cunha, que a guerrilha recuava. E contraditório com uma mensagem secreta, de dias antes, determinando que a capacidade operacional ficasse na defensiva, porque a guerra iria ser suspensa.

A 1 de Abril, o DFE 12 ficou completo, com os grumetes chegados.

Sem PTO (treino operacional dado por unidade mais antiga), Alpoim Calvão determinou que o destacamento fosse assaltar, a 3 de Abril, a principal base militar nortenha do PAIGC, Cumbamory, localizada no Senegal. As informações militares referiam que, na base, estavam 150 guerrilheiros.

Os oficiais de outros destacamentos, em Ganturé, torceram o nariz à decisão de Calvão, de enviar uma jovem unidade, sem apoio aéreo, ou de artilharia próxima, para uma acção no Senegal. As ordens foram cumpridas. Fez-se o plano da operação "Catanada". A aproximação fez-se pelo interior do Senegal. O destacamento chegou ao norte de Cumbamory, ao raiar do dia. Detectou sentinelas. Neutralizou-as. Quando entrou, rebentou uma feroz troca de fogo. O combate generalizou-se por horas, a unidade dispersou-se.

O IN enfrentou-nos em quase corpo a corpo. Era quase meio-dia e o tiroteio ainda atingia fortes proporções. As cubatas ardiam.

De repente, o silêncio da parte de lá. Foram dadas ordens para parar o fogo. Não tivemos mortos nem feridos. Foi dada ordem de retirada. Ao princípio da noite, entrámos em Bigene.

Dias depois, chegaram informações referindo que o PAIGC tivera 16 guerrilheiros mortos e 18 feridos.

Fiquei sempre intrigado com a teimosia da guerrilha, já que o IN fora apanhado de surpresa, sem saber a verdadeira razão por que o PAIGC resistiu tanto, em local fixo, alvo fácil para um ataque da aviação. Somente em 2002, quando falei com o falecido Presidente Luís Cabral, na sua casa de Miraflores, arredores de Lisboa, é que tive a noção da envergadura da mesma.

Conversávamos sobre as mudanças operacionais a que assistira em 1970/71. Cabral sublinhou que fora "debaixo de fogo" que a estrutura de comando da Frente Norte, que ele liderava, se modificara. O local: Cumbamory.

Contou-me ainda: "Naquela altura, estivemos muito apertados" com um ataque-surpresa da tropa portuguesa. Dados trocados. Concluímos que estivemos frente a frente. Na base, estavam os comandantes e comissários políticos da Frente Norte e dirigentes de outras regiões. Criaram um novo tipo de liderança, o Corpo de Comando.

Revelou-me que o episódio está relatado no seu livro Crónica da Libertação. "O balanço foi excepcionalmente duro para nós. Tivemos seis mortos e catorze feridos, muitos deles em estado grave", reconheceu. Uma falha no relato de Cabral: as baixas portuguesas não existiram.

No rescaldo, com informações de que a base de Cumbamory estava restaurada, o comandante do COP 3 decidiu que o DFE 12 ali regressaria. Dez dias depois, marchamos. Havia, agora, outra dinâmica. A unidade entrara de novo em combate num acampamento IN, perto do rio Talicó, com captura de material de guerra.

Ao princípio da manhã, o DFE, já em Cumbamory (entrámos pelo Sul) detectou um grupo de guerrilheiros, gerando-se confronto. Dez minutos de fogo cerrado. A frente separou-se do resto do pessoal. Uns largos minutos de espera. Apareceu um deles a refazer a ligação. Vinha exultante. Gritou: "Encontrámos armas."

Quando cheguei ao local, foi a surpresa: armas de vários modelos - metralhadoras ligeiras e pesadas, caçadeiras, e milhares de granadas de canhão sem recuo, de bazucas, de morteiros, granadas de mão, minas e munições, incontáveis. Chamados meios aéreos, o PAIGC arremeteu contra os fuzileiros. Os helicópteros que estavam a recolher as armas tiveram de, por vezes, levantar voo para não serem atingidos. O fogo IN durou até a meio da tarde. Foram recolhidas 10 toneladas de armas. O resto, destruído ou, em maioria, deixado no local. O armamento exposto em Bigene.

Durante os anos de guerra na Guiné, nenhuma outra força militar entrou, ocupou (ainda que provisoriamente) e recolheu tal quantidade de armamento naquela base do PAIGC. Sem baixas.

O pessoal do DFE foi recebido, em Bigene, pelos seus camaradas do Exército. Apenas faltou à chamada o comandante do COP 3. Seguiu para Bissau. Sem uma simples saudação.

Do relatório da Repartição de Operações do Comando-Chefe, existe apenas um comentário: "De salientar a grande quantidade de material apreendido." Evidente!

Percebemos que o "desaguisado" entre o nosso comandante e o comandante Calvão se relacionava com "as honrarias de combatente".

Da vitória à desilusão

A 21 de Abril, tomámos conhecimento que três majores - Passos Ramos, Magalhães Osório e Pereira da Silva -, o Estado-Maior do CAOP 1, foram assassinados pelo PAIGC em Jolmete/Pelundo, com quem estariam em negociações. Desabou a concepção vitoriosa da guerra na Guiné, na óptica do general Spínola.

Pensar que os chefes da guerrilha estariam a leste de um processo negocial, de meses, com a rendição de uma frente de combate, dois bi-grupos, era de bradar aos céus.

Luís Cabral garantiu-me que Amílcar Cabral esteve "sempre a par das manobras de Spínola".

O general Spínola era para estar presente na " rendição". À última hora, faltou, substituído pelos majores. Ele era para ser o capturado, segundo Cabral. "A sua ausência baralhou-nos", explicou-me, acrescentando: "Desconfiámos que poderia ser uma armadilha. Isso determinou a decisão de executar os majores. Tivemos receio de sermos bombardeados pela aviação." Perguntei-lhe como sabia de todos estes pormenores. "Não estávamos muito longe", foi a resposta enigmática.

No CAOP 1, instalou-se o desânimo. Afinal, a guerra recrudescia. O PAIGC avançava.

Perante esta realidade, o general Spínola embrenhou-se, na organização de uma acção extraterritorial: a invasão da Guiné-Conacri. Chamou-lhe "Mar Verde". Foi efectivada, sem sucesso, em Novembro de 1970.

Esta operação, que certos sectores militares procuram "endeusar", como modelo de audácia, deve ser vista, apesar de um bom planeamento, em primeiro lugar, pelos seus resultados face aos objectivos definidos. Além do mais, mobilizou a estrutura operacional da Marinha na Guiné, empenhou muitas tropas especiais e foi montada com informações deficientes. Não foi um desastre total, porque o Exército de SekuTuré era de "opereta".

Para o DFE12, os seus efeitos foram mínimos - mas graves. Em poucas linhas: Nela participou o DFE 21, constituído por praças negras e por oficiais e outros quadros brancos. Os instrutores eram graduados dos outros destacamentos, incluindo o 12. Dois deles foram a Conacri, sem nosso conhecimento. Todos seriam considerados "desertores", em caso de serem mortos, feridos ou capturados.

Dias depois da "Mar Verde", soubemos que um dos feridos era nosso camarada. Ficou "fora da estrutura militar", com um trauma grave. A sua reintegração na Marinha só ocorreu depois do 25 de Abril. O trauma agravou-se. Suicidou-se.

A 25 de Julho de 1970, ocorreu a queda de um helicóptero na Região de Teixeira Pinto, no rio Mansoa, com quatro deputados da Assembleia Nacional, incluindo José Pedro Pinto Leite, líder da Ala Liberal, contestadora da guerra. O corpo de Pinto Leite nunca apareceu.

Por esta época, a actividade do DFE 12 em terra era intensa, a norte e a sul, com patrulhamento no Cacheu. As acções eram feitas a partir do rio, com penetração através do tarrafo (tipo mangal). Havia uma descoordenação a nível do COP 3. Desde a saída de Calvão até Janeiro de 1971, conhecemos, em sete/oito meses, quatro majores, que exerceram o cargo de comando. Alguns desconheciam a guerra de guerrilha. Até seguirmos, em Janeiro 71, para Teixeira Pinto, quatro casos devo salientar, relacionados com a evolução do PAIGC no COP 3.

Em Setembro, o DFE planeou um ataque a outra grande base de retaguarda do PAIGC, recém-formada, situada em Sanou, no Senegal. Entrámos no seu perímetro. A sentinela acordou quando sentiu, em cima de si, o destacamento. Dormia descalço. Deixou as botas. Iniciou uma correria. Deu uns tiros. Estabeleceu-se, então, um confronto quase corpo a corpo. Os guerrilheiros deixaram uns quantos mortos e recuaram. Abandonaram o maior depósito de fardamento que vi na Guiné: camuflados, botas, bornais e muitas granadas.

O outro foi o último combate do DFE 12 na região, em Janeiro de 1971, que enfrentou um grupo, na zona de Brufa, perto dos rios Armada e Cacheu. Foi morto o seu comandante, de nome Encudja, portador de uma AK-47 chinesa e capturado, ferido, o apontador da metralhadora Degteryev e a arma. Foi um combate duro - o IN era superior, nós éramos 20.

Dos negativos, o primeiro atingiu-nos a nós. A 20 de Outubro, efectuámos uma operação no Sambuiá. O IN emboscou-nos e resistiu num frente-a-frente quase clássico. Sofremos o único morto da comissão. Era telegrafista. Ulisses Pereira Correia, de alcunha o Max Mine
A outra actividade negativa foi ataque, que sofreu, em Agosto de 1970, a lancha Sagitário, perto de Ganturé. O navio ficou inoperacional e à deriva.

Marcados para morrer

Nos finais de Janeiro, o DFE12 seguiu para Teixeira Pinto. Substituiu o DFE 8. Naquele mês, o PAIGC fez ataques com os foguetões a vários quartéis (Pirada, Aldeia Formosa - actual Gabu- e Catió). Aportámos ao fim da tarde. Quando desembarcámos, assistimos a um facto caricato: um branco, apenas vestido com uns calções, tocava cornetim. Sem qualquer formação militar, nem a bandeira. Um alferes da Companhia de Comandos ali estacionado justificou a rir: "É o nosso capitão, está passado."

Não era a primeira vez que ouvíamos falar dos que "fechavam a guerra". Em Ganturé, o telegrafista veio ter comigo um dia e confidenciou-me: "O comandante do Olossato deve estar pirado. O telegrafista de lá contou--me que ele, à tarde, manda fechar a guerra." Esse capitão, hoje coronel, confirmou-me a versão telegrafada.

Após a chegada, os responsáveis dos dois destacamentos fizeram "a passagem". O comandante do 8 avisou-nos: "Isto aqui está de cortar à faca." O comandante do CAOP 1 disse-nos, que, no final do ano, uma companhia da província, "Companhia Manjaca", se amotinara. À noite, aparece, na messe dos oficiais, uma praça a informar que um grumete do DFE 8 chegara ao quartel, atingido a tiro. Pensou-se em atentado.

A ferida era grave. Estava lúcido. Sabia quem o atingiu, sem referenciar. Foi evacuado para Bissau. Faleceu.

Até 16 de Fevereiro, o DFE 12 foi escalado para efectuar operações especiais. De repente, foi "reorientado", como tropa de quadrícula, para patrulhar a construção da estrada entre Teixeira Pinto e Cacheu.

O CAOP 1 comportava, em Teixeira Pinto, além das forças especiais e companhias de naturais, um Batalhão Territorial. Aparentemente, havia tropas suficientes de quadrícula.

Ora, o coronel obrigou o destacamento a efectuar patrulhas diárias, de 30/40 quilómetros, sendo substituído, na zona de actuação, por uma companhia de comandos, num desgaste, que se prolongava, sem resolver o problema de colocar a tropa de quadrícula em patrulhamento.

Usar as forças especiais para assegurar a utilização de estradas era um recuo. O indicado era combater o IN nas suas bases, tal como ele o fazia contra as nossas tropas. Estávamos num ponto em que defendíamos as estradas, mas não o território em ofensiva. Era um retrocesso técnico-militar, acentuado com o salto tecnológico que essa mesma guerrilha deu com a artilharia. Agigantado, depois, com a introdução de mísseis. Ora, este indício de incapacidade de resposta agravou-se com o abate de dois aviões FIAT, em 1972.

Ao fim de três semanas, 50% do pessoal do destacamento tinha mazelas físicas. O problema era idêntico para os Comandos, mas os chefes silenciavam.

O comando do DFE fez saber, primeiro, verbalmente, ao superior, que tal planeamento era contraditório para as tropas especiais. Aquele ripostou que só poderia contar com os comandos e fuzos para patrulhar a estrada. Comando-Chefe dixit. Aconselhou a escrever uma exposição, que ele levaria a Bissau. Dias depois, Teixeira Pinto assiste a um corrupio de altas entidades, até o general Spínola.

A situação, no entanto, agravava-se. Crescia a hostilização da população para com as tropas especiais, quando saíam em licença.

Em Maio, de noite, foi lançada, na Avenida Principal de Teixeira Pinto, uma granada para junto de militares brancos. Ficaram feridos soldados de várias unidades, mas os fuzos reagiram e perseguiram os indivíduos, soldados negros. Um deles foi atingido por um sabre. Alertados os responsáveis das unidades, estes conseguiram, em pouco tempo, levar os subordinados para as casernas. O comandante do DFE 12 estava de férias.

O coronel estava excitadíssimo. O imediato do DFE, interinamente no comando, avisou-o que a rixa visava atingir os fuzileiros.

O comandante do CAOP fez o seu relato para Bissau. Os fuzileiros, segundo ele, não queriam cumprir as ordens do Comandante-Chefe. Este decidiu, sem consultar o comando do DFE, enviar um oficial da sua confiança, para "supervisionar" a unidade.

Mas, o general quis castigar o DFE "rebelde" incumpridor "das suas orientações". Mandou uma LDG buscar a unidade, que zarpou "com destino incerto": quatro dias "de quarentena", ao largo de Bissau, no poço da Lancha, à torreira do sol, guardado ao longe por uma corveta. Depois enviou-a para Porto Gole, onde mal cabia a Companhia do Exército ali colocada.

Dali, saiu o DFE em acções aerotransportadas em "zonas libertadas" na Ponta do Inglês e em Ganpará, sem apoio "para ver se aguentavam".

Apesar de actuarem, desamparados, com a guerrilha dominante, numa das operações, o DFE 12 entrou no hospital de Tumaná, um hospital de campanha, disfarçado na floresta, após um combate com um grupo do PAIGC. Apesar do desejo do comandante-chefe, o DFE não teve qualquer baixa.

Todavia, Spínola, desde então, colocou o ferrete no DFE , com um despacho "confidencial": "O comportamento do DFE 12 inibe este Destacamento de ter qualquer cerimónia de despedida se até lá não der provas de total recuperação."

Não foi a primeira vez que o general Spínola enviou unidades de fuzileiros de castigo.

Em Dezembro de 1969, após uma rixa, o DFE 7 desembarcou, sozinho, na ilha do Como, ocupada pelo PAIGC, com os aviões a sobrevoar. A recomendação de Spínola: as aeronaves "tanto poderiam atacar o IN como atirar contra os fuzileiros se se revoltassem".

Em 1972, também em Gampará, o general castigou o DFE 8, obrigando a atravessar a "zona libertada" do rio Corubal até Buba. O então CDMG comodoro Moura da Fonseca colocou reticências. Mais tarde, expressou a sua solidariedade, enviando uma missiva ao comandante do DFE, o hoje capitão de mar-e-guerra Ferreira da Silva.

A dupla face de Spínola

Em Julho de 1971, o DFE regressou a Ganturé, onde, em três meses, veio a conhecer novos comandantes do COP 3.

Em discursos, Spínola dava loas às populações, mas as Ordens de Operações do Comando-Chefe eram explícitas: fazer razias sobre os naturais e os seus meios de vida. Estas directivas iam contra a maneira de actuar dos oficiais do DFE. Confronto com os guerrilheiros, humanidade com as populações.

Mas o comandante-chefe sentia a guerrilha a crescer, e ele, que se julgava um vencedor, via os seus desejos a desmoronar-se. Em Junho de 1971, a guerrilha introduziu na ilha de Bissau vários grupos, com artilharia pesada e foguetões, e bombardeou a capital. Sem qualquer resposta das tropas portuguesas.

Em Julho, o general Spínola mandou realizar uma operação de vários dias no Tiligi, com forças especiais (3 DFE, incluindo o 12, duas companhias de pára-quedistas, uma companhia de comandos), três companhias de infantaria e uma unidade de cavalaria. A operação "Larga Agora" foi dirigida pelo coronel Rafael Durão, que estivera no CAOP 1, fidelíssimo ao general. Aparentemente, aquele pretendia desarticular a guerrilha, que controlava a população e lhe dava apoio.

Na prática, apenas o DFE 12 entrou em confronto com o IN, tendo capturado dois guerrilheiros, um dos quais o número dois do bigrupo do Tiligi e apreendido várias armas.

O coronel Durão, nos dias da operação, sobrevoou a região e exigia uma destruição das aldeias e habitantes.

Dissemos-lhe que não efectuaríamos massacres. Insistiu. Ameaçou. Novamente, lhe fizemos sentir que uma coisa eram combates, por mais duros que eles fossem, e a eles não fugiríamos. E assim sucedeu.

Não insistiu. Quando terminou a operação, cumprimentou-nos pelos "resultados obtidos". Na realidade, para evitar um massacre, além dos guerrilheiros capturados, "recuperámos" cerca de 20 residentes numa aldeia que o coronel queria que fosse "arrasada". Deu-nos um louvor pelo papel desem- penhado na missão.

Cerca de 30 anos depois, em documentos consultados, verifiquei que Durão fez uma outra apreciação para o general, revelando, além do seu cinismo, a cobertura de "crimes de guerra". E cito: "Aponta-se a falta de empenhamento na destruição dos meios de vida, dentro do espírito da missão que lhe fora atribuída, do AGR 1 que deixou para trás, no seu eixo de progressão e zona de acção, tabancas semidestruídas e até celeiros e aldeamentos incólumes."

Até Outubro de 1971, o DFE 12 cumpriu missões na área do COP 3.

Com a ameaça de novos ataques a Bissau, o DFE foi integrado, a 16 de Novembro, na defesa da capital. Em Dezembro, embarcou para a Metrópole.

Das unidades de fuzileiros, que combateram, naquele período, na Guiné, foi o DFE 12 o que mais resultados operacionais conseguiu, em quantidade e qualidade. Todavia, para o general Spínola, isso não contava. Não lhe foi subserviente.

*Antigo oficial do DFE 12, licenciado em História e mestre em Estudos Portugueses

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Mensagem por Vagueante Ter Set 07, 2010 9:26 am

É esta a triste sina dos militares.
Matar quando os mandarem matar.
Morrer quando os mandarem morrer.
Escapar à morte se puderem.
Para grande parte dos políticos os militares não passam de objectos à sua disposição para, com palavras bonitas, atingirem fins nem sempre confessáveis.

Vagueante

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