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Novo modelo de desenvolvimento: precisa-se!

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Mensagem por Viriato Ter Abr 06, 2010 2:38 am

Novo modelo de desenvolvimento: precisa-se!

por MÁRIO SOARES

1 Muitas pessoas estão convencidas de que a crise global, que afligiu o planeta, a partir de 2008, está a passar e estamos outra vez numa boa. Na América, na União Europeia - e portanto em Portugal - nos países emergentes e nos países desenvolvidos. É uma ilusão. Não é possível vencer a crise, dizem - e bem - os economistas mais advertidos, os prémios Nobel, por exemplo, mas também as pessoas sensatas, sem fazer uma análise prévia objectiva dos factores que a provocaram e sem os remover. Ora isso não foi o que aconteceu, até agora.

Pelo contrário, os gestores continuam a receber vencimentos milionários; os provadamente responsáveis pela crise permanecem impunes; os banqueiros têm os mesmos - ou maiores - rendimentos do passado; os comentadores de serviço sabem bem que tudo permanece na mesma ou quase. À excepção dos desempregados, que aumentam; dos trabalhadores precários, que não têm condições de segurança; dos pobres abaixo do rendimento mínimo. Bem como são, cada vez maiores, as desigualdades sociais. O que põe em causa a coesão social e a tranquilidade política do País.

Ora, as mesmas causas, não removidas, produzem obviamente os mesmos efeitos. A globalização continua desregulada, as bolhas especulativas também, bem como os paraísos fiscais, com os seus "fiéis" especuladores que não desistem dos lucros ilegais. A ânsia do lucro pelo lucro ou mesmo a ganância pelo dinheiro, como supremo valor, levaram o capitalismo financeiro-especulativo à crise global. Alguns bancos e grandes empresas foram salvas pelas intervenções maciças do dinheiro público, isto é, dos contribuintes. Mas não aprenderam nada com o susto. Assim, se esta situação não for atalhada rapidamente, mudando o modelo financeiro e económico, é muito provável que sejamos conduzidos a um desastre ou, pior ainda, ao caos. Haverá manifestações, revoltas em série e, como é natural, conflitos de toda a ordem.

Notem os leitores: não é o capitalismo que está em causa - nem o mercado, que é essencial, para que haja liberdade, como o colapso da URSS demonstrou - mas tão-só a falta de regras éticas e a desregulação do sistema financeiro e das economias não virtuais. Como ensinava Max Weber, nos anos iniciais do desenvolvimento do capitalismo: "Sem regras éticas, o capitalismo tende a entrar em crise."

É certo que o sistema, nos Estados Unidos, graças às corajosas medidas tomadas pelo Presidente Obama, está a dar sinais de recuperação. Por exemplo, em Março, foram criados mais de 162 mil empregos. O que é importante, porque a crise partiu dos Estados Unidos e começou pelas bolhas financeiras e pela subida do desemprego.

Pelo contrário, a União Europeia, sem uma estratégia concertada de ataque à crise, entre os 27 Estados membros, continua a lutar em ordem dispersa. O que, além de ser pouco eficaz, em termos de recuperação, pelo menos para a Zona Euro, é o contrário do que as regras básicas da Comunidade estipulam: a unidade, a igualdade e a solidariedade de todos os Estados membros.

A Europa tem praticado, sem tino, a política do "salve-se quem puder", defendida sem pudor pelos maiores Estados europeus: a Alemanha, convertida, ao que parece, ao egoísmo nacionalista, extremamente perigoso; a França, sem rumo certo e a braços com problemas internos graves; o Reino Unido, com um pé dentro e outro fora da Europa, e com eleições à porta; a Itália, governada pelo imprevisível Berlusconi, segundo o seu livre alvedrio, teve eleições, que foram, pelo menos, controversas e não fiscalizadas.

Atenção! A União Europeia, a continuar assim, perderá qualquer lugar de destaque na cena internacional - como se impõe que tivesse - e caminha para uma inexorável decadência. Como Felipe González, no projecto de "relatório dos sábios", a que preside, sobre a Europa do futuro, adverte: "A Europa transformar-se-á numa ínfima extremidade da Ásia, pobre e sem influência." Claro, se não tomar consciência do perigo que está a correr.

É certo que, para além das instituições europeias, mais ou menos paralisadas, dos governantes dos Estados nacionais, sem grande capacidade de liderança, de momento, e do inefável Banco Central Europeu, com as suas discutíveis rotinas monetaristas, há quem queira debater a sério os problemas europeus, nos diferentes grupos ideológicos e partidários, e fora deles, entre os cidadãos comuns, com pensadores políticos e académicos independentes e responsáveis. Espero que o façam, com inteligência e civismo, e contribuam para influenciar uma mudança radical da política europeia, de modo a criar um novo paradigma económico que nos ajude a vencer a crise global.

2 A esquerda europeia. Tenho visto, pela leitura da imprensa estrangeira, que começa a haver um certo fervilhar intelectual que leva a esquerda europeia - e porventura o Partido Socialista Europeu (PSE) - a refutar para sempre a chamada terceira via, de Giddens e de Blair, "colonizada" pelo neoliberalismo americano, de George W. Bush e Dick Cheney, que, de algum modo, desacreditou os ideais tradicionais da esquerda, perante os trabalhadores e as massas populares. Foi a época em que a esquerda parecia não se distinguir da direita e, como disse Fukuyama, tínhamos chegado ao fim da história e bem assim das ideologias. Dois erros que a realidade se tem encarregado de desmentir!

O Ocidente, deslumbrado com o colapso do comunismo, aparentemente tão fácil e pacífico, concentrou-se no dinheiro, como valor supremo, e esqueceu a sua velha paixão pela democracia - e pelas regras que esta impõe - entronizando, sem entraves, a modernidade, as tecnologias de informação, e imaginando o futuro como um caminho fácil que consagraria a hegemonia, para todo o sempre, da potência dominante, sem paralelo no mundo, em virtude do seu poder económico, financeiro e militar. O pior, contudo, foi que a União Europeia, com outra experiência histórica e objectivos políticos e sociais diferentes, acreditou e seguiu a hegemonia americana, deixando-se "colonizar" por ela.

Porém, tudo se transformou rapidamente. Em 11 de Setembro de 2001, manifestou-se o terror em estado puro, em nome da Al-Qaeda e de Ussama ben Laden: os atentados às Torres Gémeas de Nova Iorque e ao Pentágono, em que fanáticos islâmicos aceitaram morrer para matar outros seres humanos completamente inocentes. A vulnerabilidade da potência dominante tornou-se evidente. E, menos de uma década depois, são os próprios Estados Unidos que entram em crise global e contaminam com ela o sistema financeiro-económico (ou seja, o capitalismo de casino) por todo o mundo desenvolvido.

A esquerda europeia, socialista e democrática, agrupada no Partido Socialista Europeu, parece ter começado, agora, a compreender o que se tem passado nestes tempos conturbados e quer, julgo eu, mudar de comportamento, reabilitando antigas e generosas posições perdidas. É visível em França, na Alemanha, onde a "cura da oposição" está a fazer bem ao SPD, e mesmo nos trabalhistas ingleses, de Gordon Brown. Em França, depois das eleições regionais, o PS tentou uma aliança com Os Verdes, de Cohn-Bendit, e a Frente Ampla, de uma certa esquerda radical. Veremos…

3 E a esquerda portuguesa? Num partido que está no Governo, como o PS, é difícil fugir a um certo pragmatismo, mormente em tempo de crise global, como é o caso. Há que tapar os buracos que surgem, acudir às dificuldades prementes e dar resposta, no dia- -a-dia, aos eventos e às críticas que vão aparecendo, com ou sem razão, com o estímulo acutilante dos meios mediáticos, que têm os olhos sempre postos na venda de mais papel ou na subida das audiências. Mas, para além do pragmatismo, é necessário também uma estratégia de médio e longo prazo - com objectivos claros, valores e princípios - discutida e aprovada pelos militantes, simpatizantes e transparente para a opinião pública, para poderem ser facilmente mobilizáveis e que sirva de contraponto necessário ao excesso de pragmatismo ou a desvios neoliberais sugeridos pelo Banco Central Europeu. É isto possível? Creio que sim, se houver vontade política, habilidade e ideias arejadas para o fazer…

A Espanha - e o PSOE - está numa situação idêntica à nossa. Embora com maiores dificuldades institucionais, políticas e económicas do que as nossas. Como diz o povo: "Grande nau, grande tormenta…" As dificuldades dos nacionalismos, o que resta do terrorismo da ETA - sem desculpa numa democracia -, uma Igreja fechada à modernidade, arrogante perante o poder político, e uma direita PP com laivos do saudosismo franquista, em conjunto, pesam muito mais do que as nossas. Mas, pelo contrário, a esquerda radical quase não existe em Espanha - o que faz a diferença em relação a Portugal - e parece não ter esquecido os trágicos ensinamentos que colheu da Guerra Civil espanhola.

Em Portugal, a esquerda radical - Bloco de Esquerda e PCP - são partidos de mero protesto, que não se entendem entre si. Até aí, tudo bem. O pior é que elegeram o PS seu inimigo principal - mais talvez o Bloco de Esquerda do que o PCP - e querem derrubá-lo do poder, a qualquer preço, ignorando os resultados eleitorais das últimas eleições legislativas e autárquicas. Não recuam nesse objectivo e, quando necessário, aliam-se objectivamente com a direita, por mais calceteira que seja. Onde querem chegar? Têm alguma estratégia alternativa a apresentar? As respostas são difíceis.

O PCP é talvez um pouco mais moderado que o Bloco. Mas nunca fez a autocrítica dos longos anos de estalinismo militante - como se nada se tivesse passado no "paraíso vermelho" dos gulags... Álvaro Cunhal continua a ser a sua referência principal, embora tentem esquecer a sua flexibilidade táctica e estratégica. Contudo, os discípulos estão muito longe do mestre, não lhe chegam aos calcanhares e não passam de simples epígonos. Continuam no seu bunker, sem qualquer estratégia de poder, com a filosofia de que "atrás do tempo, tempo vem". Por agora parece que o protesto é tudo quanto desejam…

E o Bloco que parecia ser um partido com a ambição de ser a esquerda do PS... Paulatinamente, tem vindo a tornar-se, com a sua agressividade verbal, num partido também de mero protesto, sem alternativa de poder a oferecer aos portugueses e com laivos suspeitos de trotskismo. Parece ter querido roubar uma fatia do eleitorado ao PS - uma ilusão que está a desfazer-se, como as últimas eleições demonstraram - e que, se continuar com a agressividade que nos últimos tempos tem demonstrado, pode vir a ser o contrário que suceda. Não deixa de ser irónico. Talvez se lembrem os mais velhos que o PS gritava nas ruas, no tempo do PREC: "Quanto mais a luta aquece, mais força tem o PS…" Pensem nisso. Os portugueses - e o povo de esquerda, em especial - não costumam deixar-se enganar nos momentos cruciais.
Viriato
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