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Análises II

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Mensagem por Joao Ruiz Dom maio 16, 2010 10:08 am

Vale do Ave revisited

por PEDRO MARQUES LOPES
Hoje

Análises II Pedro-marques-lopes

1. Lembro-me dum "empresário" do Vale do Ave que no fim dos anos oitenta me dizia: "Não sei o que hei-de fazer a todo o dinheiro que me emprestam".

Para não decepcionar a gente que lhe queria, aparentemente a todo o custo, disponibilizar o dinheiro, ele lá o ia investindo. Uns Mercedes aqui, umas viagens às Caraíbas ali, uns apartamentos acolá, uns dinheiros para o clube de futebol da terra.

Entretanto, a sua fábrica laborava da mesma forma que há vinte ou trinta anos. As mesmas máquinas, os mesmos processos produtivos, o mesmo edifício, os mesmos mercados, a mesma publicidade, a mesma inexistente formação aos trabalhadores, a mesma estrutura de custos.

Passados uns anos, as encomendas começaram a escassear e, apesar de durante algum tempo os bancos ainda emprestarem algum dinheiro e de o Estado providenciar umas ajudas especiais , o nosso "empresário" viu-se em péssimos lençóis.

Claro está, a culpa era dos malditos bancos que o estavam a apertar e que ou lhe impunham certas medidas para sanear a empresa ou, pura e simplesmente, lhe fechavam a torneira.

É escusado referir que jamais lhe passou pela cabeça que a responsabilidade pela sua situação era dele e da sua gestão ruinosa. Além dos bancos, a culpa era dos mercados, dos chineses, dos impostos, do Estado que não o ajudava suficientemente, dos preguiçosos dos trabalhadores e até dum qualquer mau olhado.

Tenho-me lembrado deste senhor nos últimos tempos. Recordei-me dele na quinta-feira quando foram anunciadas as novas medidas contra a crise.

A empresa dele, como está bom de ver, faliu sem apelo nem agravo. Portugal não corre esse risco. Nem este é o pior momento da nossa história, nem a comparação entre uma qualquer empresa ou economia familiar se pode pôr ao mesmo nível dum país. Nós, como comunidade, temos, com mais ou menos sacrifícios, com mais avanços ou recuos, a possibilidade de começar tudo de novo. A nossa empresa comum não acaba.

2. A grande questão deste novo pacote contra a crise não é se era imprescindível subir os impostos ou se os cortes na despesa são ou não suficientes - temos de dar de barato, eu dou, que face à conjuntura não existiria outra solução. Como Silva Lopes - das pouquíssimas vozes lúcidas - referia na edição de sexta-feira deste jornal, se, neste momento, não tomássemos estas medidas, não seríamos capazes de obter financiamento externo e aí, sim, a catástrofe era garantida.

Mais uma vez, a pergunta fundamental é se, de uma vez por todas, conseguiremos aprender com os erros; se este enésimo sacrifício pedido mudará o que quer que seja; se passado este aperto tudo voltará a ser como dantes.

As medidas apresentadas de pouco ou nada servirão se não existir uma vontade convicta e expressa de mudar o paradigma em que vivemos, se as fulcrais e mil vezes repetidas reformas estruturais - justiça, competitividade, produtividade, educação, saúde, peso do Estado na economia, fiscalidade, reforma do Estado - não estiverem no cerne da estratégia política e do pacote de austeridade proposto.

No entanto, o actual estado das coisas tem responsáveis nacionais e não há crise internacional, ataque especulativo, egoísmo alemão ou colapso do sistema bancário que os ilibe.

Estamos a pagar, mais uma vez, décadas e décadas de políticas erradas, de opções estratégicas ruinosas, de discursos que, na essência, queriam dizer "depois logo se vê". Mas não podemos esquecer algo de básico: a maior responsabilidade é a próxima. Estando o diagnóstico há muitos anos feito, temos de perceber que quem conviveu com a situação, sabendo que estava a proceder de forma errada ou julgando que era a maneira acertada de agir, é o maior culpado.

O PS não pode fingir que não está no poder há quase quinze anos; que insistiu nos erros de sempre e os potenciou.

A pergunta já não é se os socialistas têm vontade ou se querem fazer as reformas fundamentais. O PS já mostrou que não conseguiu ou não quis transformar o País. A questão é se o PSD, cooperando nas medidas anticrise, tem como grande objectivo refundar todo o edifício económico, social e político. A paz social, a capacidade de a população suportar os sacrifícios depende, em grande parte, da esperança de que os sociais-democratas possam efectivamente mudar o País.

Do PS e deste primeiro-ministro já não esperam mais nada.

In DN

Análises II 0002041D


Última edição por Joao Ruiz em Sáb maio 19, 2012 3:51 pm, editado 1 vez(es)

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Análises II Empty Os que realmente contam

Mensagem por Joao Ruiz Dom maio 16, 2010 10:19 am

Os que realmente contam

por ALBERTO GONÇALVES
Hoje

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Para uns, o aval de Pedro Passos Coelho às medidas ditas antidéfice do Governo é uma abdicação face à irresponsabilidade do PS. Para outros, é a atitude adequada a um homem preocupado com a estabilidade política e o interesse nacional. Para um terceiro e exótico grupo, o aval é uma estratégia que compromete o eng. Sócrates no futuro imediato e prepara com calma o regresso do PSD ao poder em época de relativa bonança, momento em que o novel líder revelará a sua natureza liberal e nos salvará.

Compreendo que seja fascinante analisar as combustões químicas que ocorrem no cérebro do dr. Passos Coelho, ciência que convoca uma razoável parte da população. Sucede que a parte restante desta, naturalmente menos sofisticada, está mais interessada nos gestos do que nas intenções dos senhores que, directa ou indirectamente, nos tutelam. E os gestos consagrados no grotesco pacote de paliativos apontam todos na mesma direcção: a despesa desce umas migalhas e a receita sobe talvez o suficiente para adiar a bancarrota. A "austeridade" recai, quase inteirinha, nos contribuintes, fora uns "cortes" que não cortam no essencial peso do Estado.

O eng. Sócrates "sempre esteve convencido" de que não aumentaria os impostos. "Com tudo o que aconteceu nos últimos dias", convenceu-se do contrário. Brilhante, não fora o facto de que o que aconteceu nos últimos dias ser uma peculiar forma de desvario iniciado, se quisermos ilibar Cavaco, no momento em que Guterres, o Magnânimo, resolveu abençoar a pátria. Há quinze anos que a pátria assiste impávida à subida dos gastos públicos a título de "investimento" ou benesses "sociais", tendência assaz aprimorada na gestão (digamos) do actual primeiro-ministro. Quando o delírio socialista ameaçou ruir, culpou-se o neoliberalismo (?). Quando o delírio ruiu de vez, culpa-se as agências de rating. Na retórica oficial, a culpa nunca é nossa.

No mundo real, porém, a culpa é nossa, que engolimos felizes as patranhas que nos atiraram e que, através do voto, teimámos em legitimar um quadro partidário unânime na crença das virtudes estatais. Claro que, com variáveis ajudas do PSD, o PS é o principal autor do fosso em que nos encontramos. Mas no CDS a defesa da iniciativa privada é intermitente e, escusado acrescentar, nos dois partidos comunistas é nula. A alternativa ao "mata" é o "esfola", e é lícito supor que a alternativa não existe visto que jamais a desejámos. O Estado sufocante, falido e relapso de que dispomos é aquele com que a maioria sonhou e que a minoria terá, igual e infelizmente, de pagar. Desculpem o cliché e a generalização: temos os políticos e a penúria que merecemos.

Perante isto, o pedido de desculpas do dr. Passos Coelho à nação serve unicamente para fins de anedotário, a que acresce a sua proposta de criar uma entidade pública para avaliar os "cortes" públicos. Desde que chegou a líder da oposição, o dr. Passos Coelho pôde optar entre exercê-la ou, como se constata, alimentar as mentiras do Governo. A primeira escolha seria digna. Qualquer das duas seria inconsequente. Especular sobre se o conluio com o Governo maculou ou garantiu a carreira do dr. Passos Coelho conta pouco porque o dr. Passos Coelho não conta nada. No poço a que descemos, até o eng. Sócrates deixou de contar. Só os portugueses contam: o dinheiro que falta, os dias para o fim do mês e, nas horas vagas, a história de um país que se julgou imune à sua trágica vocação para a asneira.

Terça-feira, 11 de Maio

Manuel Alegre só desertou da inteligibilidade


Os que lamentam o vazio dos políticos "modernos" deviam pôr os olhos em Manuel Alegre. Alegre, que, pelo menos a julgar pela idade, não é "moderno", também não é um monumento à profundidade. De cada vez que abre a boca, e Deus sabe que o faz frequentemente e que conta sempre com a minha atenção, o resultado é uma girândola colorida de lugares-comuns.

Alegre, diz o próprio, é um humanista. Alegre é livre e frontal. Alegre é suprapartidário. Alegre não é neutro. Alegre é homem de causas e combates. Alegre não tem medo. Alegre não se rende. Alegre não recebe lições de democracia. Alegre quer alargar a cidadania. Alegre quer uma esquerda nova. Alegre quer um novo patriotismo. Alegre quer um novo idealismo. Alegre quer novos sonhos, esperanças e descobertas. Alegre quer reposicionar Portugal no mundo. Alegre quer ouvir a rua. Alegre quer ser aliado e companheiro de viagem de todos os portugueses. Alegre quer mobilizar energias. Alegre quer os jovens a dançar a vida.

Alegre, agora sou eu a falar, construiu uma carreira à custa de parlapatices cujo significado é nulo mas que, em terra de cegos, ou iletrados, criam uma espécie de aura. Alegre é isso: uma aura com voz bonita, um pastiche de Hemingway erguido à custa de touros, caçadas e discutível talento, mais o fado para dar tom indígena.

Foi por isso com espanto que li uma proclamação do homem com princípio, meio, fim e conteúdo. Trata-se do seu percurso militar, descrito factual e cronologicamente no site pessoal para desmentir os rumores que circulavam na Internet de que Alegre teria sido desertor. O texto desce à minúcia, desde a incorporação em 1961 até à prisão em 1963, passando pela evacuação por doença ("zona", esclarece com notável síntese) e por Nabuangongos e Muximas. Não sendo uma peça de grande fulgor estilístico, é pelo menos compreensível. O que não se compreende é a razão de Alegre processar os caluniadores sob o pressuposto de que desertar de um exército que servia uma ditadura constitui uma vergonha.

Mas, com Alegre, compreender alguma coisa é melhor do que nada. Já o "dançar a vida" e restantes alívios poético-ideológicos são piores do que nada.

Sexta-feira, 14 de Maio

Do segredo e do profano


Para início de conversa, esclareço que a visita de Bento XVI não me entusiasmou nem deprimiu. Por felicidade, não tive de frequentar os lugares sequestrados pelas medidas de segurança. Por hábito, não vejo os canais nacionais, os quais, segundo ouvi, transformaram a visita numa epopeia sem fim e, muitas vezes, sem assunto. Por falta de fé, a visita passou-me ao lado.

Dito isto, não me passou ao lado a página no Facebook das associações de "activistas" que distribuíram preservativos nas cerimónias pontifícias: dado que a prevenção da Sida só funciona com arraial, anunciaram a proeza na Internet. Estranhamente, para gente tão libertária, a página possui regras: "Não serão tolerados comentários racistas, homofóbicos, etc."

Ao que li, o "etc." não se destina a insultos ao catolicismo, à hierarquia católica ou aos católicos em geral. Excepção feita a umas afirmações de incentivo aos "activistas" ("Força!", "Estamos convosco!" e assim), a página é uma compilação de ofensas à crença e aos crentes, incluindo graçolas de fino gosto sobre o Papa que come crianças em vez do inverso. Pelos vistos, ofensas dessas toleram-se sem problemas. E não apenas pelo "activismo" em busca de notoriedade.

Em Abril passado, circulou entre os diplomatas britânicos um memorando com sugestões do que o Papa deveria fazer de "útil" na próxima viagem ao Reino Unido: abrir uma clínica de abortos, abençoar um casamento gay e, claro, lançar uma linha de contraceptivos. Não se percebeu se o memorando era uma brincadeira. Percebe-se que, nos vigiados tempos que correm, há brincadeiras interditas e brincadeiras recomendadas. Como distingui-las?

Fácil. A orientação sexual, por exemplo, pertence à esfera do sagrado. A orientação religiosa não pertence, embora seja no mínimo tão influente na definição da famosa "identidade". Mas, antes que um incauto decida sair por aí a blasfemar contra Maomé, convém notar que a liberdade de galhofa se limita ao cristianismo e sobretudo ao catolicismo. Difamar o budismo não cai nada bem e, a julgar pela história recente, difamar o Islão aumenta as hipóteses de se cair pior. O segredo, aliás pouco secreto, é restringir o nojo àquilo que nos é próximo e, dentro da proximidade, ao que é maioritário. O segredo é respeitar o "outro" e, por curiosa exclusão de partes, desrespeitarmo-nos. O segredo é ser-se absurdo.

O bom caminho

As razões do PCP não serão as melhores, mas a verdade é que o FMI não é de fiar. O Fundo Monetário Internacional acha que Portugal e Espanha estão, cito, no bom caminho. A sério? Ambas as economias encontram-se à beira da falência. Os principais responsáveis pela situação mantêm-se no poder. As respostas à situação consistem em planos de austeridade desesperados e insuficientes. Aparentemente, o "bom caminho" conduz ao fecho por insolvência. Pior que isto, só se os governos dos dois países insistissem em brincar aos comboios de alta velocidade e, por requinte suicida, apresentassem uma candidatura conjunta ao Mundial de futebol de 2018. E não é que insistem e apresentaram?


In DN

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Mensagem por Joao Ruiz Sáb maio 22, 2010 4:00 pm

Um homem livre

por JOÃO MARCELINO
Hoje

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1 Ao não deixar que o PSD, melhor dizendo: Pacheco Pereira, utilizasse na Comissão Parlamentar de Inquérito ao chamado caso PT/TVI escutas de um processo penal cuja investigação ainda decorre, Mota Amaral mostrou a diferença que vai entre um político populista e demagogo e um homem de Estado. Para o primeiro, vale tudo. Para o segundo, a defesa do Estado de direito tem prioridade, mesmo que isso colida de frente contra os interesses momentâneos da própria família política.

Ao longo da sua carreira, na qual já foi presidente do Governo dos Açores e mais recentemente da Assembleia da República, Mota Amaral sempre mostrou ser alguém que não se guia por instintos primários nem cede à facilidade. Ele poderia ter optado por ganhar, como Pacheco Pereira queria, os urros de apoio dos descamisados e de todos aqueles que apenas clamam por uma justiça independente e séria quando isso lhes interessa. Ao contrário, decidiu não fazer aos outros (neste caso a José Sócrates) o que não gostaria que lhe fizessem a ele nem a democracia merecia que o Parlamento fizesse aos direitos individuais de um qualquer cidadão.

Portugal tem leis e afinal tem pessoas que pensam e sabem resistir a ser peões no jogo da moda: os que gostam de Sócrates contra os que não gostam de Sócrates.


2 Eu não tenho dificuldade em conceder que as escutas, como diz Pacheco Pereira, que as leu, sejam "avassaladoras". Este processo já referendou a qualidade de algumas pessoas que o Estado às vezes escolhe para o representar.

O problema não é esse.

O problema está em saber até que ponto a política pode entrar pelos tribunais adentro, a partir da própria Assembleia da República, e condicionar um processo em curso. Não é admissível que escutas feitas com um propósito penal específico sejam utilizadas em processos políticos contra um outro cidadão (que nem sequer está sob suspeita criminal).

É apenas isto que está em causa - e é por isso que eu me congratulo por ainda haver na vida pública portuguesa homens com a qualidade de Mota Amaral.

Se alguma, ou algumas, outras pessoas merecem ou não a sua verticalidade e independência… isso já é outra conversa. Não me custa nada admitir que as não mereçam. Mas teria sido "avassalador" para a justiça portuguesa que o voyeurismo tivesse triunfado neste caso.

O TGV entre Poceirão e Madrid seria uma verdadeira estupidez de um país estúpido, de decisores estúpidos. Obviamente que quando se fizer, e far-se-á (espero eu que no momento melhor para as finanças de Portugal), o comboio de alta velocidade partirá de Lisboa por uma nova ponte. E partirá do Porto para Vigo. Partirá de onde há pessoas que precisam de mobilidade. Não percebo como isto pode ser discutido.

O regresso de Marcelo Rebelo de Sousa ao comentário na televisão, e logo na TVI, mostra como a liberdade existe. Como a "asfixia" não passou de uma ficção. Mas se alguém, alguma vez, pensou que podia redesenhar o panorama da comunicação social e escolher quem opina e quem fica calado, também tem aqui uma oportunidade para perceber que há maneiras mais inteligentes de brincar aos ditadores…

In DN

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Mensagem por Joao Ruiz Qui Jun 03, 2010 9:21 am

Alertas à Europa

por MÁRIO SOARES0
1 Junho

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1. O eminente filósofo e pensador alemão Jürgen Habermas escreveu no Die Zeit um "apelo à salvação da Europa", que foi traduzido no Courrier International (edição francesa), onde o li. Impressionou-me pela sua frontalidade nas críticas à sua compatriota a chanceler Angela Merkel, e à mediocridade dos actuais dirigentes europeus. Cita, aliás, uma frase de Durão Barroso, que é sintomática da situação que vivemos: "Se os Estados não querem uma união económica, então será melhor esquecer a União Monetária..."

Na realidade, os ataques especulativos ao euro estão a fazer grandes estragos no prestígio da União Europeia, o que é muito grave, não só para a Europa como para o mundo. Mas, ao mesmo tempo, obrigaram os cidadãos europeus e alguns dos dirigentes a pensar a sério nos riscos que correm, eles próprios e os respectivos Estados, se não houver uma estratégia comum, não direi dos 27 Estados membros da União - o que é impossível - mas dos 16 da Zona Euro.

Claro que para salvar a moeda comum, não basta um fundo monetário europeu de emergência, que suporte o euro. É necessário um governo económico europeu, como a própria senhora Merkel e o Presidente Sarkozy reconheceram. E a seguir a ele, para o projecto europeu avançar, uma União Política, com um Governo responsável e não telecomandado por alguns Estados nacionais.

Puxar pela cidadania europeia

2. Talvez os cidadãos europeus compreendam isto, se organizem e venham a pressionar os Estados para que avancem.

Os eurocratas e os actuais dirigentes europeus, apegados ao statu quo, parece difícil que tenham coragem para tanto. Mas se houver um movimento de opinião europeia nesse sentido, quem sabe, se ajudados pela angústia da crise, não se resolverão a marchar nesse sentido? Ora, a Europa da Zona Euro é uma Europa a 16.

O Reino Unido está fora disso e a actual coligação que o governa já declarou que nos próximos cinco anos a adesão ao euro está fora de questão. Aliás, o ministro dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido, agora nomeado, é um antieuropeísta militante...

Helmut Schmidt e Valéry Giscard d'Estaing publicaram, na última semana, um apelo conjunto para "salvar o euro", respectivamente, no Die Zeit e no Le Point. Com a autoridade que lhes assiste, por terem sido dois europeístas convictos, que tanto fizeram para que o projecto europeu avançasse, enquanto governaram. Nesse apelo constatam que os Estados da União estão hoje divididos em três grupos: "a Grã-Bretanha, que é um caso à parte", com a qual não se deve contar; os Estados membros da União Europeia, que "preferem a cultura do antigo Mercado Comum e nunca manifestaram intenção de participar na defesa do euro"; e o grupo dos Estados da Zona Euro, a que chamam, curiosamente, a Euro-Europa. Por isso, dizem: "É a esses Estados que compete realizar as reformas acordadas no Conselho de 7 de Maio último. Entre as quais, a concertação das políticas orçamentais, que passará pela apresentação de um projecto, de cada Estado nacional, ao Conselho da Zona Euro, antes da respectiva discussão parlamentar." E ainda, "um calendário realista das reduções dos défices (...), de medidas visando a regulação dos mercados financeiros e da luta contra a especulação". Apesar do economista Stiglitz afirmar que não basta reduzir os défices, é preciso também criar novos empregos.

Assim, "o fundo de emergência constituiria o estímulo para uma Agência Europeia da Dívida". Pensam, aliás, que "se deveria reunir um Conselho de Chefes de Estado e de Governo da Zona Euro, antes do fim do corrente mês de Junho, que deveria ser distinto do Conselho da grande Europa a 27, para evitar manobras dilatórias".

Acrescentam que Merkel e Sarkozy devem garantir, em conjunto, a segurança do euro, porque "têm um dever de intimidade entre eles". Foram, realmente, o motor da integração europeia, com parelhas de líderes históricos, como: De Gaulle e Adenauer; Helmut Schmidt e Valéry Giscard d'Estaing; Kohl e Mitterrand; e mesmo Schröeder e Chirac. O apelo dirige--se, pois, aos actuais. Não se trata, portanto, apenas de salvar o euro mas de dar um novo impulso à construção europeia, para que possa continuar a ser a segunda potência monetária e económica do mundo e, simultaneamente, uma terra de liberdade, de justiça social e de maior bem-estar das populações, com a capacidade para desempenhar um papel relevante na cena internacional, em aliança, obviamente, com a América do humanista Barack Obama. Mas, atenção, essa Europa, cujo motor é a dupla franco-alemã, tem 14 outros membros, com voz própria, unidos na igualdade e na solidariedade.

Portugal europeu, mas não só

3. Será que os portugueses - e não excluo, com honrosas excepções, os políticos, os sindicalistas, os empresários, as mulheres e os homens de cultura e de negócios - têm consciência da confusão em que se encontra a União Europeia? E, ao mesmo tempo, das oportunidades que se lhes podem abrir ou não, se souberem superar a crise com que todos estão confrontados? Acredito que não. Mas a verdade é que não se lhes têm explicado, com verdade e sentido pedagógico, a situação de grande complexidade e hesitação, em que a União Europeia se encontra. Nem os Partidos - do Governo e da oposição - nem os sindicatos, nem a nossa tristíssima comunicação social, que só se ocupa - de novo, com honrosas excepções - de futebol, da intriga política, das desgraças, que todos os dias ocorrem, dos fait divers, da violência...

Na verdade, os partidos que, desde o momento da adesão ao Mercado Comum, foram convictamente europeístas têm nome: o PS, desde a Revolução dos Cravos ou mesmo antes, se recuarmos ao ano da sua fundação (1973); o PPD/ /PSD; o CDS/PP, também mas, reconheça-se, com altos e baixos. O PCP, pelo contrário, sempre foi mais ou menos contra: viu a CEE como a terra dos trusts, em contraste com o "paraíso" da União Soviética; e o Bloco de Esquerda que veio depois e se adaptou, com reservas... Contudo, o Povo português sempre foi em favor da Europa, sem hesitações, e da nossa adesão, à CEE e ao euro.

É verdade que não tem sido explicado, suficientemente, ao eleitorado em geral, o que está em jogo, no momento de crise que vivemos. Essa pedagogia faz falta e precisava de ser feita principalmente pelo Governo. Porque devia ter explicado qual a visão portuguesa do que queremos que a União Europeia venha a ser e de como devemos lutar para que o seja. Não o fez, até agora, com clareza.

Como tenho dito e repetido, não somos um país pequeno nem, muito menos, menor. Esqueçamos esse velho complexo de inferioridade. Temos uma voz que pode e deve ser ouvida. Para mais, quando estamos, talvez pela primeira vez na história, em convergência estratégica, com Espanha, com histórias paralelas que nos honram. Países atlânticos e mediterrânicos, com zonas económicas exclusivas, das maiores da Europa, tendo um espaço lusófono de 240 milhões de falantes, e hispânicos de 550 milhões, com elites culturais, artísticas, científicas e universitárias, entre as novas gerações, de grande nível. O que não é pequena coisa. Temos, pois, um peso na União Europeia que não devemos menosprezar.

Os portugueses estão descontentes

4. Talvez mais do isso: estão inseguros quanto ao seu futuro, zangados e a deixar-se invadir pelo pessimismo. De novo a comunicação social tem culpas no cartório. Tem alguns profetas da des- graça de serviço, comentadores amargos e frustrados que, todos os dias, aparecem nas televisões a descarregar uma bílis contagiante sobre os telespectadores.

É preciso reagir. Tendo em conta, obviamente, que a situação actual é muito difícil. E que a crise está a afectar duramente muitos portugueses, nas suas vidas de todos os dias. E pior: está a atingir os mais desfavorecidos, os pobres, os desempregados, os velhos, com pensões de miséria, os imigrantes marginalizados, os jovens, saídos aos milhares das universidades, que são obrigados a ir para o estrangeiro ou a aceitar empregos menores. Mas também as classes médias baixas, a chamada "pobreza envergonhada", os pequenos comerciantes, arruinados pelas "grandes superfícies", os pequenos industriais, sem sucesso.

Ao mesmo tempo, os poderosos não são tocados. A impunidade reina, no que respeita ao despesismo do Governo central, órgãos de soberania, partidos, assessores e conselheiros e tudo o que vive e prospera à custa do Estado, das regiões autónomas, das autarquias e das empresas públicas e semipúblicas. Em 2009, muitos especuladores continuaram a enviar, tranquilamente, os seus capitais a render para os "paraísos fiscais", como se sabe ninguém lhes tocou, embora sejam responsáveis, em parte, pelo agravamento da crise. Sem que houvesse qualquer intervenção dos poderes públicos. Os arguidos de crimes de especulação continuam impunes. E a ostentação das riquezas, nas grandes cidades, parece imparável, ao mesmo tempo que se pede aos restantes portugueses sacrifícios muito duros e que apertem os cintos...

Assim se tem criado um sentimento difuso de injustiça, que gera, naturalmente, revoltas, as quais, numa sociedade livre como a nossa, se expressam - e ainda bem - através da opinião pública e nas ruas, de diversas formas legais e não violentas. O Governo deve ouvir as queixas e dar-lhes satisfação, na medida do possível, sob pena de as manifestações se tornarem violentas, como na Grécia. Atenção! As últimas sondagens exprimem um crescente descontentamento relativamente ao Governo e ao Partido que o apoia. Seria grave que à erosão financeira e económica, de que ainda não saímos, se juntasse uma crise política, que viria complicar tudo, sem nada resolver...

Por isso, saudei o acordo entre os dois líderes dos maiores partidos portugueses - PS e PSD - que fez subir as bolsas e desanuviou o clima de pressão e de guerrilha política em que estávamos a cair. É preciso, com bom senso e prudência, mantê-lo e mesmo desenvolvê-lo.

Uma opção tardia e infeliz


5. Manuel Alegre declarou- -se candidato à Presidência por decisão própria e sem consultar o PS. O Bloco de Esquerda, logo a seguir, resolveu, pela boca do seu líder, apoiá-lo. Ao contrário do PCP, que, desde logo, deu a entender ter um candidato próprio. O PS ficou silencioso mas, a pouco e pouco, tornou-se claro que uma parte dos seus militantes e dos seus eleitores habituais não apoiavam Alegre. Eu fui um deles. Por razões exclusivamente políticas.

O secretário-geral do partido e primeiro-ministro entendeu que era cedo para decidir. Perante as dificuldades com que está confrontado e tantos opositores que o querem destruir, em lume brando, compreende-se. As eleições presidenciais serão daqui a seis meses e o actual Presidente não decidiu ainda, oficialmente, recandidatar-se.

No domingo passado, o secretário-geral do PS decidiu apoiar a candidatura Alegre, ao que disse porque é progressista, deixando ao candidato a liberdade de fazer a campanha.

No actual contexto político-partidário, julgo que Sócrates cometeu um erro grave, que porventura mesmo lhe poderá ser fatal e ao PS. Como socialista, e pensando como sempre e só pela minha cabeça, entendo ter a obrigação de dar a conhecer de novo aos meus camaradas e ao secretário-geral aquilo que penso.

In DN

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Mensagem por Joao Ruiz Dom Set 05, 2010 10:06 am

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Medo

Análises II Pedro-marques-lopes

Tal como a esmagadora maioria dos portugueses, não faço ideia se as sentenças do caso Casa Pia foram justas ou injustas. O mesmo podia dizer de qualquer processo judicial que por acaso tenha chegado ao fim no mesmo dia em que foi lida a deliberação dos juízes sobre este malfadado processo.

O que sei é que não confio na justiça portuguesa e este sentimento, que com certeza partilho com milhões de portugueses, destrói os mais básicos direitos que todo o cidadão deve ter numa democracia: o direito à segurança, o direito a um julgamento livre e imparcial, ao religioso cumprimento de todas as garantias processuais.

Um dos aspectos distintivos entre uma democracia e uma ditadura é a arbitrariedade. Os direitos, mesmo que instituídos, estão à mercê de quem exerce o poder executivo - não cabe aqui a análise da forma como a lei nasce.

Numa democracia existe a garantia de que a lei é cumprida exactamente como está enunciada e aos tribunais cabe garantir que ela é escrupulosamente respeitada - como é normal existe sempre a possibilidade do erro, mas com esse teremos sempre de conviver. Simplesmente, esta garantia não passa, muitas das vezes, duma percepção. Como é evidente, até mesmo nos casos judiciais em que estamos envolvidos, nós, ignorantes em matérias jurídicas, não temos a certeza de que foi feita justiça ou não.

O caso da justiça não é, por exemplo, como a segurança. Ouvimos muitas vezes que há um clima de insegurança provocado por um suposto aumento da criminalidade. Depois podemos ser informados pelos mais variados institutos públicos e privados, nacionais e internacionais que a percepção não corresponde à realidade.

Na justiça não é assim. Não há nenhum órgão que nos diga se os tribunais e demais operadores judiciais estão a cumprir bem o seu papel ou não. O que existe é um processo lento em que a soma das nossas experiências pessoais e do nosso conhecimento de outras situações vai aumentando ou diminuindo a nossa confiança.

Há quem diga que a percepção de que a nossa justiça não funciona tem origem nos circos mediáticos que rodearam e rodeiam processos como o da Casa Pia, Freeport e muitos outros. No fundo, a acusação tem por base uma acusação, infelizmente demasiadas vezes justa, de que há jornalistas e órgãos de comunicação que adulteram os factos em função de determinados interesses e que assim sendo criam as condições para que não respeitemos decisões dos tribunais.

Não se nega o possível enviesamento que muitos autênticos julgamentos na praça pública provocam. Mas, pondo nos pratos da balança o mal que por vezes os media provocam e a correcta divulgação dos vários problemas dos nossos tribunais, é muito provável que o saldo seja positivo.

Ainda esta semana soubemos, pelos jornais, que dezenas de milhares de processos de execução fiscal prescreveram, mas não seria preciso ler este tipo de notícias.

Não há um português que não tenha uma história sua ou dum compatriota que revele o estado a que a nossa justiça chegou: o empresário que faliu porque ficou anos à espera de que uma dívida fosse executada, o cidadão que fez uma queixa por ter sido assaltado e que passados cinco anos não vê o ladrão julgado, o senhorio que leva anos para ver o inquilino que não paga a renda despejado.

Ao ouvir a sentença do caso Casa Pia fiquei arrepiado. A possibilidade de ver negada justiça a quem foi vítima de tão hediondos crimes, como as crianças e rapazes que viram as suas vidas destruídas, é tão chocante como a possibilidade daqueles homens, ou alguns deles, terem sido condenados sem que de facto tenham praticado aquelas infâmias.

Repito, não sei se os arguidos são culpados ou inocentes, mas não consigo respeitar o sistema que condenou aqueles homens, e enquanto não voltarmos a ter confiança na justiça não vivemos de facto num Estado de direito.

Quer se queira quer não, o maior desafio que se coloca à nossa democracia é resolver os problemas da nossa justiça. Todos os outros, por muito graves que sejam, são secundários.

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Análises II Empty Voto de arrependimento

Mensagem por Joao Ruiz Dom Out 02, 2011 10:30 am

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Voto de arrependimentopor

ALBERTO GONÇALVES
Hoje

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Querem que me confesse arrependido de ter votado no prof. Cavaco? Ainda que não façam questão, confesso na mesma, ajoelhado com a corda ao pescoço e o folclore de contrição celebrizado por Egas Moniz - não o pioneiro da lobotomia mas talvez sério candidato a uma. Por estas e por aquelas, o ajoelhamento já vinha de trás. A corda (figurada, calma) irrompeu em cena após a entrevista do Presidente da República à TVI.

A entrevista assustou. Não falo da sucessão de banalidades facilmente corroboradas pelo cidadão comum no café ou na estação do metro: a crise é complicada; exportar é bom; o clima ameno é preferível à chuva; é preciso um "consenso alargado"; etc.. E não falo da cautela recomendada às privatizações, mero exercício de bom senso se não traduzisse o velho fervor pelo "interesse nacional" e a social-democrata desconfiança perante o encolhimento do Estado. E não falo da sua capacidade em lembrar que alertou para os desvarios do eng. Sócrates e em esquecer que deixou os desvarios prosseguirem em roda livre. E nem sequer falo da vigorosa defesa de um funcionalismo público que os governos do prof. Cavaco ajudaram a erguer até à insustentável dimensão actual. O que meteu medo foram as referências à Europa, justamente o que alguma esquerda, no sentido estrito ou no sentido português do termo, achou o melhor momento da entrevista.

Não brinco. O prof. Cavaco também não, quer quando chamou "infeliz" à sra. Merkel por afirmar que os países endividados deviam perder a soberania, quer quando sugeriu a "intervenção ilimitada do Banco Central Europeu" e a cedência de "liquidez ilimitada" aos pobrezinhos da União. Alberto João Jardim, cujas criatividade contabilística e mendicidade se vêem assim inadvertidamente legitimadas pelo próprio Chefe do Estado, costuma negar cada disparate proferido dez minutos antes, sob o argumento de que o disparate saíra a "quente". Tudo o que o prof. Cavaco diz vem gelado, ou seja, não há ali vestígio de palavra indesejada ou simplesmente fortuita. Logo, se o homem defende o direito de vivermos à custa da Europa ou, mais exactamente, da Alemanha, o homem deseja realmente que vivamos à custa da Europa ou, mais exactamente, da Alemanha.

Não importa que o financiamento do BCE ao Estado e aos bancos implique a emissão de dinheiro acima do crescimento do PIB indígena e dos demais pelintras. Não importa a inflação. Não importa a destruição das escassas poupanças que resistem por cá. Não importa o fim do euro. Importa é pedir (ou, nas horas de vertigem patriótica, exigir) à Europa e aos alemães que endoideçam e se desgracem em nosso benefício, patrocinando ilimitadamente a vocação nacional em gastar ilimitadamente.

No fundo, trata-se de condenar a loucura que nos trouxe aqui e prescrever, a título de paliativo, a perpetuação da loucura: uma insignificância na boca do cidadão comum e uma enormidade na do presidente de todos os portugueses, dos quais pelo menos um sente um embaraço que nem vos digo.

Domingo, 25 de Setembro: Chegar à Madeira

Leio no DN que, na campanha eleitoral madeirense, Alberto João Jardim e José Manuel Coelho se cruzaram durante a visita das respectivas comitivas a um arraial. Leio que os dois concorrentes trocaram um "cumprimento amistoso", que o sr. Coelho prometeu "tirar votos" ao dr. Jardim e que, bem-disposto (continuo a citar), o dr. Jardim respondeu: "Faça o seu trabalho que eu faço o meu." Leio ainda que, "momentos antes" do encontro, o sr. Coelho chamara ao dr. Jardim ""advogado vigarista, reles e falso". E se não leio o que o dr. Jardim, nesse ou noutro dia, já se fartou de chamar ao sr. Coelho, não custa imaginar.

Nelson Rodrigues garantia que se soubéssemos o que os nossos semelhantes fazem em privado, ninguém apertaria a mão de ninguém. O escritor, que só saiu do Rio de Janeiro numa viagem a Brasília, obviamente não conhecia a Madeira: ali, a desvergonha acontece à vista de quem calha e, mesmo assim, nenhuma mão deixa de ser estendida.

A questão é apurar se este tipo de comportamento constitui uma excentricidade local. Acho que não. É facto que, do lado de cá do Atlântico, o líder da oposição ainda não acusa o primeiro-ministro de violar criancinhas e de se despir em frente aos sogros para, cinco minutos depois, o abraçar cerimoniosamente. Mas trata-se de uma diferença de intensidade, não de estilo: a radical hipocrisia ou, se preferirem, a radical civilidade vigente na classe política da Madeira é apenas uma versão extrovertida das regras de cortesia do "Continente". Aliás como sucede com a dependência do dinheiro alheio e a trafulhice nas contas, métodos que "eles" assumem com orgulho e "nós" com relativo pudor. Um pudor que de resto se vai perdendo. Não chegamos à Madeira, mas falta pouco.

Sexta-feira, 30 de Setembro: Oxford em Algés

Oeiras vangloria-se de ser o município nacional com maior percentagem de licenciados e doutorados. Na prática, isso vale o quê? Vale as declarações dos munícipes questionados a propósito da prisão de Isaltino Morais, que essencialmente afirmaram às televisões duas coisas: a primeira é que o dr. Isaltino é responsável por uma obra sem paralelo ("Sem ele, o concelho não seria o que é!"); a segunda é que não se importam que o dr. Isaltino tenha cometido ilegalidades ("E os outros não roubam?"). Em suma, foi um desfile de submissão face aos poderosos, a quem compete velar pela ralé e que, talvez em troca, merecem cirandar impunemente.

Na sua radical irresponsabilidade, os licenciados e doutorados de Oeiras não se distinguem em nada do português médio. Isto se não incluirmos o juiz do tribunal local, que deteve o dr. Isaltino para o libertar 24 horas depois e que, portanto, se distingue por ser ainda pior.

Sábado, 1 de Outubro: Sua Entidade, a ERC

A Entidade Reguladora da Comunicação Social, que desde já saúdo com veneração, serve para quê? O vulgo tende a responder: "Para nada." Infelizmente, o vulgo desconhece que, na ausência da ERC, ninguém teria por exemplo aberto um "processo de averiguações" ao semanário Sol por publicar a fotografia de um cadáver. Ninguém teria analisado (e renovado) a licença da Rádio Sabugal. Ninguém teria tomado uma "decisão de sensibilização da TVI" para "acautelar situações susceptíveis de ferirem a sensibilidade de terceiros". Ninguém teria dado provimento ao recurso de um cidadão contra o Jornal de Vila do Conde "por denegação do direito de resposta". Ninguém teria multado a SIC Mulher por violar uma regra publicitária qualquer. E, pasme-se, refiro-me só à actividade da instituição nos últimos dias e a uma pequena parte, ainda que não a menos relevante, dessa actividade.

Não é à toa que a ERC, à qual faço prolongada vénia, dispõe de um Conselho Regulador (inclui Gabinete de Apoio), um Conselho Consultivo, uma Direcção Executiva (inclui outro Gabinete de Apoio), um Departamento de Gestão, um Departamento Jurídico, quatro "unidades" (Fiscalização, Registos, Monitorização e Estatística, Análise dos Media e Sondagens) e dois "núcleos" (Biblioteca e Documentação, Informática), num total de cinco directores e sessenta funcionários.

Pensar que a ERC, a que lanço daqui um sentido "Viva!", é inútil ou mesmo nefasta é pensar que a revoada de gente que a preenche chegou lá apenas por escolha política e para exercer controlo político, e não pela competência e para suprir carências gritantes do nosso jornalismo. No mínimo, é absurdo. Quase tão absurdo quanto desejar que os "cortes" em vigor erradicassem a ERC. Ou quanto supor que, em tempo de renovação da ERC, a escolha dos novos responsáveis resultou, suponhamos, da distribuição de camaradas cozinhada em encontros entre o dr. Seguro e o ministro Relvas, em vez de, evidentemente, obedecer aos portentosos currículos dos respectivos elementos, cujos nomes anseio ver divulgados a fim de beijar o chão que pisam.

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Mensagem por Joao Ruiz Dom Out 02, 2011 10:38 am

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Diga adeus à sua reforma

por PAULO BALDAIA
Hoje

Análises II Paulobaldaia

Andamos habituados a más notícias e já nada parece surpreender. A notícia de que o défice está muito acima do previsto vale tanto como a notícia de que vai chover num dia de Inverno. Aprendemos a encolher os ombros, mesmo quando nos dizem que um novo fundo de pensões, neste caso o do Banco de Portugal, poderá servir para reduzir o défice.

O Eurostat aceita como receita uma coisa que é claramente uma despesa futura, com a agravante de ser uma despesa não controlável, porque não há como saber durante quanto tempo essas reformas vão ter de ser pagas. A passagem de fundos de pensões privados para a esfera pública é um empréstimo com juros altos e prazos indefinidos. Em matéria de fundos de pensões, privados e público, são já uns milhares de milhões de euros utilizados para pagar o desacerto das contas públicas. Olhando para a presente austeridade, é fácil de ver que, continuando neste caminho, no futuro não haverá reformas.

Há poucos anos, era Vieira da Silva ministro da Segurança Social, fez-se uma grande reforma do sector. Novas formas de contagem dos descontos e idade da reforma indexada à esperança média de vida significam menos dinheiro e entrada na reforma mais tarde. Era a única forma de garantir a sustentabilidade do sistema por mais uns anos. Já com o anterior Governo começou a trabalhar-se para arrasar com esta sustentabilidade, e o caminho segue com o actual Executivo. O dinheiro dos fundos de pensões desaparece, mas ficam a cargo mais uns largos milhares de actuais e futuros pensionistas.

Mais cedo que tarde, vão dizer--nos que o nosso sistema de Segurança Social já não é sustentável e explicar-nos que, por mais descontos que tenhamos feito, o Estado não poderá dar-nos mais do que um rendimento mínimo. A prazo seremos todos pobres pensionistas, a não ser que façamos um plano de poupança reforma. O Estado já não nos merece o mínimo de confiança e empurra-nos para as mãos dos privados. Empurra-nos para fundos de pensões multinacionais que enriquecem a emprestar dinheiro com juros proibidos a países como Portugal.

E tudo isto acontece por causa do monstro de que falava há uns anos Cavaco Silva. A despesa pública imparável e insaciável leva- -nos os impostos extras no consumo, vai levar-nos metade do subsídio de Natal e prepara-se para comer mais um fundo de pensões. Não há ninguém a lembrar-se de que aos monstros quanto mais se dá de comer mais difícil se torna dominá-los. Neste fim-de-semana convenci-me. Tenho 47 anos, 20 e muitos de descontos, estou a 20 da idade da reforma, mas quando lá chegar o Estado não vai ter para me devolver o dinheiro que eu lhe confiei. Adeus reforma.

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Mensagem por Joao Ruiz Qua Out 05, 2011 3:57 am

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O telefone do dr. Macedo

por BAPTISTA-BASTOS
Hoje

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Miguel Macedo, ministro da Administração Interna, disse ao Correio da Manhã que, todos os dias, o seu telefone escorre sangue. A metáfora é perturbadora, mas revela o estado de espírito do governante em relação ao crescendo de violência que assola o País. Pena é que ele não experimente desenvolver as causas, sobretudo sociais, determinantes deste fenómeno. Portugal não é caso único. Parece que o mundo entrou nos domínios da loucura, nos quais o respeito pelo humano e a preservação dos velhos laços relacionais são espezinhados sem clemência.

Mas há uma pergunta que se impõe: o mundo alguma vez foi diferente? O conflito entre o poder e a moral não resulta de os homens, a priori, serem ou não bons ou maus. A reconhecermos a afirmação de Ortega, o homem é o homem e a sua circunstância; quer dizer: o homem é o homem, a sua formação, e o ambiente político, social, ético, cultural em que se desenvolveu - talvez possamos admitir que esse homem só se responsabiliza consigo e com a sua família.

No actual estado das coisas, Miguel Macedo pouco mais pode fazer do que servir-se de metáforas. Ou demitir-se, acaso a sua indignação não se coadune com o sistema. A contradição reside no facto de ele defender esse sistema, o qual expõe, cada vez mais, situações totalitárias, através de uma democracia de superfície.

Uma sociedade de violência produz a violência na sociedade. É evidente que ninguém sabe para onde caminha a realidade, embora as pistas de que dispomos sejam suficientemente claras e permitam que tenhamos facilidade em as decifrar. Contudo, este arquétipo parece subtraído à discussão, e admitido como insubstituível. Há outras alternativas; e a liberdade e a violência são incompatíveis, conquanto nos queiram fazer acreditar o contrário. A humanidade e a solidariedade continuam a ser ideias reguladoras, independentemente das amolgadelas consentidas pelos partidos que as ignoram.

A declaração de Miguel Macedo não representa, apenas, uma demonstração de impotência: é a verificação de um facto, que ele irá (ou não) gerir com as contrariedades inerentes às funções e à política em que acredita. O telefone do ministro escorre sangue todos os dias. A declaração não coexiste com a nossa tranquilidade. E confirma que a decomposição da sociedade portuguesa é acentuada. Será irreversível? Temos de nos habituar a viver neste ambiente, com o crime e a barbárie associados ao novo paradigma. Temos?

A crise de valores e a alteração de padrões a que nos habituámos também não são de agora. Embora a globalização e o avanço das tecnologias tivessem criado nova cupidez. A insegurança em que vivemos provoca fracturas no próprio sistema que as criou. Saberemos enfrentar estas diferentes concepções? O telefone de Miguel Macedo continua a escorrer sangue.

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Análises II Empty O Parlamento: que futuro?

Mensagem por Joao Ruiz Qui Jan 12, 2012 7:42 am

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O Parlamento: que futuro?

por Celeste Cardona
Hoje

Análises II Celestecardona

As discussões em torno do sistema eleitoral português aparecem e desaparecem ao sabor das notícias que são dadas sobre o funcionamento, os custos ou o número de deputados que compõem o Parlamento, bem como, em ocasiões de revisão constitucional, os temas relativos à introdução de círculos uninominais

Em Portugal na segunda metade do século XIX foi adoptado o modelo de círculos uninominais que, após várias alterações, entrou em vigor com Fontes Pereira de Melo em 1865, tendo este sistema funcionado, com maior ou menor grau de fiabilidade, até 1896.

Na verdade, no início da década de 1890, com o País em colapso, João Franco pretendeu introduzir alterações ao regime eleitoral para adoptar um novo sistema de listas com base em circunscrições. Durou pouco esta "vontade política". Durou até 1896, quando foi aprovada legislação que consagrava de novo o modelo de círculo uninominal.

A Republica eliminou aquele sistema e voltou ao regime maioritário de lista com círculo único até 1945, e círculos distritais a partir dessa data. Depois desse período não se pode falar verdadeiramente de eleições.

Com o 25 de Abril o regime adoptado foi o de representação proporcional, segundo o método de Hondt. Foi política e juridicamente considerado que de entre os possíveis métodos era este o que melhor assegurava e traduzia a vontade dos eleitores.

Este modelo, apesar das sucessivas revisões constitucionais e das diversas manifestações dos partidos políticos, é ainda o que se mantém na nossa ordem jurídico--política.

Como se vê, em Portugal, e julgo que não somos caso único, os sistemas eleitorais estiveram sempre dependentes de factores internos. Maior ou menor "caciquismo" maior ou menor "receio" do poder executivo face ao poder legislativo e fiscalizador, natureza das próprias formações políticas criadas ou emergentes de factores históricos.

Pela primeira vez na nossa história, julgo que importa discutir seriamente a reforma do sistema de eleição, de funcionamento e de relação do Parlamento nacional, justamente, porque devem ser sobrevalorizados e tidos em conta factores externos de que não podemos alhear-nos.

Refiro-me às reformas institucionais que estão em curso na União, nomeadamente, o semestre europeu, o governo económico, o direito de "vista" prévio dos orçamentos nacionais e as regras resultantes de acordos de assistência financeira internacional celebrados com alguns dos países membros da União, nos quais nos incluímos.

Não estou aqui e agora a discutir se o caminho encetado e em curso na União é o mais adequado ao momento histórico que se vive. O que pretendo referir é que estas ou outras mudanças que vierem a ocorrer vão ter inevitáveis consequências nos sistemas políticos internos de cada país.

E, naturalmente que tais consequências vão ocorrer também ao nível do funcionamento do Parlamento.

Se vier a ser consagrado o "droit de regard" à Comissão relativamente às propostas de Orçamento, que papel fica reservado ao Parlamento nacional?

Como sabemos, os Parlamentos são parte fundamental da construção dos regimes democráticos e a sua ratio radica no princípio nuclear de que o povo aceita a imposição de tributos desde que por ele votados através dos seus representantes eleitos.

Por outro lado, se a definição das políticas orçamentais e a respectiva execução passar a ser comunitária, qual vai ser o feixe de competências soberanas de cada um dos Parlamentos nacionais, nomeadamente, dos que se integram em países que estão ao abrigo de regimes de assistência financeira?

Com a previsível modificação do modelo institucional da União, exigida pela "crise sistémica" em que se vive, julgo que a discussão a fazer não se deve centrar nos temas que, como se tem visto, geram paixões populistas.

Como deve ser organizado o Parlamento para responder a exigências, imposições, directivas ou recomendações oriundas de órgãos que, pelo menos no tempo actual, não são democráticos?

A perturbadora perplexidade que hoje se nos coloca é a de tentar compatibilizar soberania e partilha voluntária de soberania!

Talvez valha a pena pensar nisto!...

In DN

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Mensagem por Joao Ruiz Sex Jan 13, 2012 9:47 am

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A guerra de volta

por José Manuel Pureza
Hoje

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A vertigem da guerra preventiva está aí de novo. Os seus mentores não aprenderam nada com o que fizeram no Iraque. E, ponto por ponto, repetem agora a fórmula no Irão. Também em Portugal, o coro dos guerreiros volta a entoar cânticos de defesa da civilização contra os bárbaros. Esquecem-se da barbaridade que foi a guerra contra o Iraque que apoiaram com tanto entusiasmo quanta a velocidade com que negaram que isso alguma vez tenha acontecido...

É óbvio que a sua preocupação não é com a capacidade destruidora de uma arma nuclear (as de Israel são igualmente destruidoras e não consta que sejam alvo de contestação dos nossos falcões). Tão-pouco podem invocar uma suposta "irracionalidade" do Estado iraniano: a estratégia de Teerão é clara, consequente e pensada com a mais fria das racionalidades. Não, o que verdadeiramente os preocupa é o redesenho dos equilíbrios políticos na região. Com a ajuda dos Estados Unidos - que afastaram os seus dois principais inimigos: os talibãs e Saddam Hussein - o Irão tem vindo a construir uma sólida rede de influências com xiitas e com sunitas e tornou-se uma peça incontornável para os dossiers palestino e libanês. A irreversibilidade de uma alteração no xadrez do Médio Oriente, potenciada pelas alterações democráticas nos países árabes e pelo efeito de boomerang de guerras alucinadas no Iraque, no Afeganistão e na Líbia, é algo insuportável para os defensores da ordem económica e política prevalecentes. E, tal como inventaram as armas de destruição em massa escondidas nos palácios de Bagdad, encontrarão um motivo "sério e consistente" em Teerão para fazer contra isso uma guerra preventiva.

É ver a excitação com que os media norte-americanos reagiram ao relatório de 8 de novembro da Agência Internacional de Energia Atómica sobre o programa nuclear iraniano. Estava ali a prova de que a bomba vinha a caminho! E, no entanto, especialistas norte-americanos como Robert Kelley, ex-diretor da AIEA, ou Greg Thielmann, ex-analista do Departamento de Estado e do Comité de Informação do Senado, dizem com serenidade o que precisa de ser dito com serenidade. Este relatório limitou-se a reforçar o que a comunidade internacional já sabia desde 2003: "Um Irão com armas nucleares ainda não é iminente nem é inevitável. Aqueles que querem angariar apoio para um ataque ao Irão deturpam agressivamente o relatório". Há nove anos, no Iraque, passou-se exatamente o mesmo.

A guerra preventiva não será declarada. Ela já aí está, aliás. O assassinato de cientistas envolvidos no programa nuclear de Teerão tem assinatura clara. Como lembrou o The Guardian após o primeiro desses homicídios, "Ahmadinejad culpa sempre os mesmos pelos reveses iranianos, mas neste caso não houve reações de chacota por parte dos analistas de segurança e dos especialistas de espionagem do Ocidente, antes murmúrios de assentimento". O alvo desta guerra preventiva não é pois nem a central de enriquecimento de Natanz, nem as grutas de Qom, nem as bases onde se testam os mísseis. Ele está nas universidades, nos subúrbios ricos do Norte de Teerão, onde a elite académica tem as suas casas, e nas ruas por onde passam os seus carros.

Em março ocorrerão no Irão eleições parlamentares num clima interno e externo de crescente militarização. É óbvio que quanto mais intensa for a tensão mais ela beneficiará os extremistas do regime. Os falcões de Teerão têm nos falcões americanos e europeus os seus melhores aliados. Seria bom que os Estados Unidos e a Europa declinassem o convite desses extremistas para serem objetivamente apoiantes da sua reeleição.

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Análises II Empty O teste à coragem de Jardim

Mensagem por Joao Ruiz Sáb Jan 14, 2012 11:43 am

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O teste à coragem de Jardim

por João Marcelino
Hoje

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1Pela primeira vez na sua longa carreira política, Alberto João Jardim está perante um problema sério: deixou de haver dinheiro para continuar a estimular o desenvolvimento da Madeira acima das possibilidades, quer da região quer do País.

A história tem 34 anos e várias dezenas de eleições ganhas, quase todas por maioria absoluta.

Ao longo desse tempo, o presidente do Governo Regional da Madeira utilizou a sua combatividade política para retirar a ilha de um estado de desenvolvimento ancestral.

Pode dizer-se muita coisa do homem - sobretudo que é o mais acabado exemplo de demagogo, na linha de Hugo Chávez, por exemplo - mas não se pode dizer que o político não tenha feito obra, lutando contra a insularidade e o velho centralismo da capital.

Qualquer português que conheça a região sabe que a paisagem madeirense era, em 1974, equivalente à de Trás-os-Montes e passou, na atualidade, a poder comparar-se a qualquer uma logo a seguir a Lisboa. O Funchal demonstra um cuidado, e uma qualidade de vida para quem tem dinheiro, equivalente a Sintra ou Cascais.

Aquilo que Jardim podia ter feito melhor, e aí falhou, teria sido construir menos piscinas e pavilhões e ter combatido de forma mais tenaz a pobreza rural e do interior. Essa é tão visível quanto o desenvolvimento citadino.

2O ciclo em que o presidente do Governo Regional promoveu um desenvolvimento assente nas obras públicas, que foram a felicidade de muita gente, terminou agora perante o descalabro do endividamento geral do País que a Madeira conseguiu, infelizmente, vencer aos pontos.

Depois do aeroporto, das vias rápidas, dos túneis e pontes que rasgaram a direito por entre a orografia da região, fica a impossibilidade de prosseguir essa estratégia porque agora já não há crédito externo capaz de fazer surgir o milagroso dinheiro.

Nesta encruzilhada, pode dizer-se que a fria convicção de Vítor Gaspar, o técnico, abateu o homem habituado a insultar presidentes da República e primeiros-ministros, até ao limite de ganhar o estatuto de inimputável político.

3Alberto João Jardim está numa encruzilhada, e daí que, como sempre no passado em alturas de aflição, que nunca foram tantas, comecem a surgir as vozes que advogam o separatismo da região, como desafio à necessidade de austeridade.

Esta é a oportunidade para o governante fazer prova de vida.

O melhor serviço que ele neste momento pode prestar à região não é bater-se por um tempo que tão cedo não volta - será reconhecer os limites, falar verdade aos madeirenses sem subterfúgios e ser ele o agente da mudança.

Coragem, neste momento, é resistir a ser um instrumento de todos aqueles que durante três décadas aproveitaram as suas políticas para retirar benefícios próprios.

Alberto João Jardim pode optar, pela enésima vez, pelo caminho da chantagem perante o Continente, abrigando-se atrás da ignorância, do medo ou da ganância nunca satisfeita; mas também tem ao seu alcance promover-se à condição do estadista à altura da História que sabe reconhecer os limites e ajudar o País. Só tem de escolher.

A polémica sobre algumas nomeações do Governo é um sinal de amadurecimento democrático. Há, hoje, mais atenção da cidadania e mais necessidade de ouvir explicações. Ainda bem.

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Análises II Empty Dois elogios, outras tantas críticas

Mensagem por Joao Ruiz Seg Jan 30, 2012 7:42 am

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Dois elogios, outras tantas críticas

por FILOMENA MARTINS
28 Janeiro 2012

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Como é fácil "manietar" Jardim

É muito mais fácil criticar do que elogiar. Por isso é que às vezes importa fazê-lo. A negociação do, chamemos-lhe sem pruridos, "resgate da Madeira" é até agora o maior êxito deste Governo. Não só do ponto de vista económico, porque aí o que tem de ser tem muita força, mas sobretudo do político. Em mais de três décadas no poder, Alberto João Jardim, versão líder do Governo Regional da Madeira - que é diferente da pessoal -, criou um "boneco" e ganhou com ele um poder tal que a partir de um determinado momento a criatura tomou conta do criador. Daí aos excessos intoleráveis foi um passo. Boçal, incontinente nas palavras, ofendeu, às vezes de forma absolutamente grosseira, tudo e todos. A culpa, além da do próprio, foi também dos sucessivos líderes do Continente, presidentes e primeiros-ministros, que lhe foram em fila beijar a mão e legitimar os atos sempre que se aproximavam umas eleiçõezitas. E que nunca tiveram coragem de fechar a torneira do dinheiro do Estado por causa dos votos madeirenses que ele dominava à conta das obras pagas com esse mesmo dinheiro, num ciclo imparável. Até agora. É verdade que não sabemos se seria assim se não fossem as obrigações para com a troika. Mas a verdade é que Passos Coelho não apareceu no boneco ao lado do líder madeirense nas últimas eleições regionais e fechou esta terça-feira um acordo "sem espinhas". Alberto João Jardim ainda esperneou, ameaçou e fez o espetáculo do costume. Terá até pedido ajuda a Cavaco. Mas foi batido pelo silêncio, uma das mais válidas armas. Ficou sempre sem resposta. E também sem dinheiro. Com a dignidade de não ver ninguém cantar vitória e de lhe ser dada a oportunidade de ser o único a falar e na sua terra. "Sinto-me manietado", disse ontem aos madeirenses. Aleluia!

Quem travará a agitação social

Apesar de fazer questão de ficar de fora dos grandes acordos, os 25 anos de Carvalho da Silva à frente da CGTP foram sempre de concertação. O líder que este fim de semana deixa a Intersindical tornou-se relevante exatamente pela forma como foi capaz de gerir equilíbrios, quer no interior do maior agregador de sindicatos do País quer na sociedade em geral. Porque, além de comunista, soube ser muito mais do que simplesmente isso. O momento da sua saída não podia ser pois pior. Com os portugueses agrilhoados a uma crise que lhes retira salários, direitos e benefícios sem parar, a contestação não se vai fazer esperar. E, como se tem visto e ouvido, ela preocupa quer os políticos quer as forças de segurança. Carvalho da Silva era o líder sindical sereno e conciliador que inspirava confiança. Que liderava protestos pacíficos. Arménio Carlos, o seu provável sucessor, é ainda um "desconhecido" para muitos trabalhadores, vai necessitar de um período de transição e vai querer afir- mar-se. É verdade que não é um provocador nato como Mário Nogueira, o que já é muito bom. Mas será decisivo assim que a Concertação Social se tornar em agitação social?

Onde para a informação confidencial

Outra questão igualmente muito preocupante. O que resulta da guerra empresarial que está na base do chamado "caso das secretas" é assustador: por onde anda informação supostamente confidencial?; que informação é essa?; quem a possui?; e, sobretudo, quem controla tudo isto? Há muitos "casos", livros e filmes - e ainda bem que o meu realizador preferido, Clint Eastwood, me traz agora, ainda que através de um dos atores que menos aprecio, DiCaprio, a história do fundador do FBI, J. Edgar Hoover - que perdi a ingenuidade neste capítulo. Talvez por isso nem sequer tenha achado estranho o que esteve na base da famosa desnomeação de Bernardo Bairrão para secretário de Estado. Mais: acho até que muita dessa compilação de informação não só tem de ser feita como se justifica. O problema é quem a faz, como a faz e com que propósito. E, logo depois, quem tem acesso a ela e para que fins a usa. Só que todas estas dúvidas ficaram sem resposta na autópsia deste caso em concreto. Parece mesmo que poucos quererão saber as causas do mesmo. Estão somente a tentar enterrá-lo o mais rapidamente possível para evitar que espalhe ainda mais mau cheiro. O essencial ficará por fazer.

Para quê tanto bruá

A tática está farta de ser usada e é dos livros. Começa-se por um bruá tremendo, ameaça-se com o apocalipse, e depois tudo acaba num sussurro e numa brisa de uma noite de verão. A frase é poética, mas o assunto não é para tanto. Ou melhor, os assuntos. De um lado a privatização da RTP, as sucessivas intenções, os anúncios, a comissão de estudo e o diabo a sete, mas faltando sempre o essencial: quando e como? E é mesmo para ser feito? Do outro a tão necessária reforma autárquica, as sucessivas intenções, os anúncios, os estudos e afins, mas faltando sempre a concretização: vai mesmo haver mais do que uma extinçãozita de freguesias cuja existência é já por si inexplicável? Vão mesmo ser fundidos municípios? Então quais? E o que vai mudar no maior cancro local, as empresas municipais

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Mensagem por Joao Ruiz Qua Fev 15, 2012 5:03 am

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A Grécia entre a austeridade e a rua

por MÁRIO SOARES
Ontem

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1. Em meados da semana passada os líderes europeus reuniram-se em Bruxelas para discutir, mais uma vez, o caso grego. O problema que se punha era em si mesmo simples: continuará a Grécia a pertencer à União Europeia e em especial à Zona Euro, recebendo dinheiro fresco da União: cerca de 130 milhões de euros, para impedir a bancarrota e pagar a colossal dívida que tem (juros incluídos)? Ou será obrigada a sair da União, com as consequências gravíssimas, que daí adviriam para a Grécia e os países que se lhe seguiriam e, sobretudo, para o futuro da União Europeia, uma vez perdido um dos seus fundamentos essenciais: a solidariedade, entre os Estados membros?

O debate de Bruxelas foi cerrado, mas sabe-se pouco do que se passou e ainda não terminou. Porque a Grécia está entalada entre as exigências humilhantes da troika e as revoltas de rua, cada vez mais agressivas. Como se viu, com uma violência inaudita no passado domingo.

Situação que, aliás, se põe, embora em menor escala, a outros países europeus, como Portugal, Itália e Espanha, os dois últimos nada menos do que a quarta e a quinta potências europeias. Só isso deveria servir para pôr um travão à austeridade. Mas não. A chanceler Merkel continua a impor medidas de austeridade, extremamente duras, inaceitáveis pelas populações, que conduzem, necessariamente, como hoje já quase ninguém duvida, a mais recessão e maior desemprego, porque recusa mudar de paradigma de desenvolvimento, para sair da crise, que está a afetar gravemente não só o Ocidente (Estados Unidos e União Europeia) mas também os Estados emergentes, o mundo islâmico e, mais ou menos, todos os continentes. Com consequências que podem pôr em causa as nossas Democracias e os Estados de Direito e, porventura, suscitarão novos conflitos armados de extrema gravidade.

A verdade é que a crise que vivemos há quatro anos, 2008-2012, tem uma dimensão porventura maior do que a crise de 1929-33, com as terríveis consequências que teve, com a desgraçada aventura do nazismo, responsável por milhões de mortos que provocou e pelas destruições maciças de uma boa parte da Europa e da Ásia.

As pessoas sensatas começam a compreender o perigo em que estamos e como é indispensável reagir, quanto mais depressa melhor. Só a chanceler Merkel parece não querer ver a realidade e continua a forçar a sua obsessão de quanto mais austeridade melhor. Formada no Leste Comunista alemão e filha de um Pastor protestante, lembra a figura bíblica que dizia: "o pior cego é o que não quer ver"...

A semana que ontem se iniciou vai ocupar-se a tentar diluir o dilema ou, como tem sido costume, a adiar mais uma vez o que interessa fazer. Contudo, o que estamos a ver é que a União Europeia todos os dias está a perder prestígio e a aprofundar a sua decadência. Situação perigosíssima! Como escreveu Jacques Attali na sua coluna do L'Express: "O domínio da Alemanha sobre a Europa não é bom para a Europa nem para a Alemanha." É verdade!

2. A CPLP fezquinze anos.Na passada semana celebrou-se, com pompa e circunstância, o décimo quinto aniversário da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, que conta com oito países de fala portuguesa: Brasil, Portugal, Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau, Cabo Verde e Timor; e ainda dois países observadores: a Guiné Equatorial e o Senegal.

Foi inaugurada a Sede, em Lisboa, da CPLP, no Palácio do Conde de Penafiel e, no dia seguinte, Cavaco Silva ofereceu um almoço aos participantes, em que estiveram antigos Chefes de Estado, primeiros-ministros e ministros em exercício dos Estados membros, na Cidadela de Cascais, cujas instalações, agora muito modernas e atraentes, também foram totalmente remodeladas. No terceiro dia, realizou-se um colóquio, muito participado, no salão nobre do Hotel Ritz, intitulado "CPLP - Uma Oportunidade Histórica".

Note-se que a CPLP não é só uma organização de defesa da Língua Portuguesa, falada com sotaques na diversidade e riqueza dos diferentes idiomas. É também uma Comunidade de afetos, de solidariedade, de educação, de intercâmbio das respetivas economias, culturas, saúde e de cooperação entre as diferentes universidades. Não é também apenas - e é importante sublinhá-lo - uma Comunidade de Estados e muito menos de Governos. Pretende ser igualmente - e cada vez mais - uma Comunidade de Povos irmãos, com uma especial atenção dada às pessoas.

É, de resto, um dos aspetos que distingue a CPLP da Common- wealth e da Francofonia. Na Com- monwealth nunca entrou a América do Norte, que é o país onde mais se fala o inglês. Porquê? Porque nas duas Comunidades, inglesa e francesa, houve sempre dois Estados dominantes - o Reino Unido e a França -, enquanto que na CPLP todos os Estados membros são iguais, independentemente da importância das suas populações, do seu tamanho geográfico e riqueza. Do Brasil a Timor.

Aliás, nesse aspeto, importa referir que a colonização portuguesa sempre foi muito diferente das colonizações inglesa, francesa e mesmo espanhola. Porque na colonização portuguesa sempre houve miscigenação entre as diferentes etnias, o que foi, seguramente, uma das nossas riquezas. Lembremo-nos que no início do século XIX, com a fuga para o Brasil de D. João VI - e da Corte -, a capital do império passou a ser no Rio de Janeiro. E quando o rei D. João VI foi forçado pelas Cortes de Lisboa a regressar a Portugal, uma vez expulsos os franceses, foi o seu filho primogénito, D. Pedro I, que ficou no Brasil e proclamou a independência do Brasil, sem disparar um tiro... Nesse particular também há que reconhecer que a independência do Brasil, hoje um dos Estados emergentes dos mais poderosos, foi muito diferente das independências, por vezes sangrentas, dos outros Estados ibero-americanos, de língua espanhola.

Num momento particularmente crítico - em termos nacionais, europeus e globais - a importância da CPLP é particularmente relevante, não só para Portugal como para todos os outros Estados membros. A crise global vai progredindo e não abre exceções. A participação em força de Angola, cuja delegação foi presidida pelo Vice-Presidente, Fernando Piedade Dias dos Santos, e dos antigos Presidentes de Moçambique, Joaquim Chissano, e de Cabo Verde, Pedro Pires, foi muito significativa. Tive pena que o Brasil - que foi no tempo do Presidente Lula da Silva o campeão da CPLP - tivesse, desta vez, primado por uma certa ausência, sendo representado tão-só pelos atuais embaixadores brasileiros em Lisboa, Mário Vilalva e Pedro Motta Pinto Coelho, e pelo nosso querido amigo, ex-embaixador, Lauro Moreira.

Não quero terminar esta breve nota sobre a CPLP sem referir a alma desta cerimónia histórica no décimo quinto aniversário da sua criação: o secretário executivo, Domingos Simões Pereira, que foi o seu incansável e lúcido organizador. No mundo de hoje, tão inseguro e agressivo, a CPLP tem um peso e uma relevância que todos devemos compreender e devem ser salientados, no plano internacional.

3. Duas manifestações significativas.No mesmo dia de sábado passado, houve duas manifestações organizadas pelas respetivas centrais sindicais, em Portugal e Espanha, pelos mesmos motivos: contra o desemprego, que está a tomar proporções devastadoras, nos dois países, e contra os cortes sociais, que os dois Governos de Direita estão a realizar para agradar às instituições, que acreditam nas medidas de austeridade, sem pensar na recessão nem no desemprego. Isto é: sem crescimento económico possível. Em Lisboa, segundo diz a CGTP/IN, manifestaram-se 300 mil trabalhadores, ordeira e pacificamente, vindos de todos os pontos de Portugal. Em Madrid, onde ocorreu uma manifestação semelhante, foi reprimida com bastante violência. Dois estilos, sem dúvida, que revelam o mesmo insuportável mal-estar que, a não ser corrigido, acabará mal para ambos os Estados. Os políticos responsáveis que se cuidem. O desespero é mau conselheiro...

4. Dois pintoresde génio. Faleceram na semana passada, quase despercebidos, dois extraordinários pintores ibéricos - e simultaneamente homens de excecional cultura - Fernando Lanhas e Antoni Tàpies, um português do Porto e o outro catalão de Barcelona. Tive o privilégio de conhecer ambos, homens da minha geração, embora com graus de intimidade diferentes.

Júlio Pomar, outro pintor e homem de cultura de invulgar dimensão, foi salvo erro quem me apresentou o seu amigo e colega Fernando Lanhas, no pós-guerra, quando se fundou o MUD Juvenil e todos tínhamos, nos nossos jovens espíritos, um assanhado anti-salazarismo. Depois, Lanhas vivendo no Porto e eu em Lisboa, fomo-nos encontrando espaçadamente, tendo-nos visto e conversado, com mais frequência, depois do 25 de Abril. Foi um homem da Renascença que sempre me espantou pela pluralidade dos seus múltiplos interesses e pela originalidade da sua pintura. Arquiteto, pintor, escultor, foi um curioso da Astrologia, poeta, arqueólogo, melómano, etc. Foi um espírito de exceção e de uma curiosidade insaciável. O seu falecimento representa uma perda imensa para Portugal e para todos os que o conheciam além-fronteiras.

Tàpies foi um pintor dos maiores de Espanha, terra de pintores célebres, no século vinte e nos anteriores. Sem exagero. Um homem também de grande cultura e originalidade, que se pode ver no Museu que tem o seu nome, em Barcelona. Tive o privilégio de visitar o museu numa visita guiada pelo próprio e de participar num inesquecível jantar oferecido por Jordi Pujol, na Generalitat, em que esteve presente Tàpies e também o grande escritor mexicano, prémio Nobel, Octavio Paz. Três grandes personalidades que naquela longa noite me deixaram estupefacto. O seu inesperado falecimento foi uma grande perda para Espanha.

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Mensagem por Joao Ruiz Sáb Fev 25, 2012 10:56 am

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Apontamentos da semana

por JOÃO MARCELINO
Hoje

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1 - Não contesto a venda de empresas como a Tobis. Sem esse novo capital, a empresa seria dissolvida e os trabalhadores acabariam, todos, sem emprego. A questão que tem de estar salvaguardada neste caso, como futuramente no da RTP, é que os arquivos permaneçam nas mãos do Estado. As empresas salvaguardam-se, a economia dinamiza-se, o desemprego combate-se, mas a memória conserva-se. Era isso que o Governo deveria provar, no Parlamento, aos portugueses que felizmente ainda se preocupam com estas questões.

2 - Pedro Santana Lopes aparece a defender, no semanário Sol, a tese de que a "limitação dos mandatos [dos autarcas] é perversa". O ex-autarca, ex-primeiro-ministro, entende que deveriam ser os eleitores a mandar e que, "a haver limites, deviam ser quatro mandatos", ou seja, mais um do que atualmente a lei permite. Com todo o respeito pela opinião de Santana Lopes, ainda bem que o legislador fez a lei que temos. Por duas razões: porque não permite a perpetuação no poder e porque, também, a maioria dos autarcas nessa situação, como se pode facilmente perceber, em vez de desistirem, desgostosos com o sistema, estão disponíveis para irem fazer o bem às populações vizinhas. Ou seja, não os vamos perder, eles só vão mudar de sítio...

3 - Cavaco Silva saiu, finalmente, do palácio onde estava em retiro há tempo demais. Programou meticulosamente o seu Roteiro para a Juventude e anda durante dia e meio (até hoje à tarde) entre fábricas, estúdios, ateliês, associações e comidas com plateias selecionadas. É uma forma tímida de aparecer, mas é o recomeço de uma vida normal, em que o País, se não o vê, pelo menos ouve-o. O PS ajuda. Veremos se o Presidente, que já ouve a ironia governamental que também fez por merecer com declarações inconsequentes, consegue recuperar a confiança das pessoas. Não vai ser nada fácil.

4 - Durante quase dois anos, o PS de Sócrates tentou retirar das mãos de Francisco Louçã os temas fraturantes. O espaço mediático encheu-se de discussões sobre a interrupção voluntária da gravidez, os casamentos homossexuais e outras que esvaziaram o espaço de intervenção do Bloco de Esquerda. Mas eis que, com o PS devolvido à tranquilidade das causas comuns, Louçã e "Os Verdes" atacam de novo com a adoção de crianças por casais homossexuais. Desta vez, o projeto não passou na Assembleia, mesmo com a liberdade de voto dada por todos os grupos parlamentares, mas o ativistas, que dizem representar o interesse das crianças (?), já aí estão a esmagar todos aqueles que acreditam que o natural é que as crianças tenham um pai e uma mãe. Guerra perdida a médio prazo, com certeza, em nome da modernidade, seja lá o que isso for neste caso.

5 - Esta semana li, em artigo "de opinião", que o coletivo de juízes que absolveu Afonso Dias no chamado "caso Rui Pedro" tinha "defraudado as legítimas expectativas da mãe". É espantoso como se escreve uma coisa destas sem vergonha, e como elas se publicam sem tino nem inquietações visíveis nos órgãos deontológicos, dando razão às pessoas que, tomando a parte pelo todo, desconfiam do jornalismo. Melhor está a justiça, que ao menos julga sem medo da demagogia, do populismo e dos gritos da turba, ao qual um ou outro escrevedor, além de vender a caneta, ainda sacrifica a inteligência.

6 - Ao menos desta vez a decisão é comunicada com tempo: para o ano também não haverá tolerância de ponto no Carnaval para os trabalhadores do Estado. O Governo talvez arrisque uma desobediência em algumas localidades, mas nada que não pudesse resolver com inteligência: era só deixar que os trabalhadores pudessem descontar um dia de férias. Salvava-se o princípio, assegurava-se a produtividade e não se defraudariam as vontades das pessoas que há décadas se "divertem" naqueles desfiles, que ao menos têm uma virtude: a de animar a economia local. Porque de resto, na verdade...

A 'troika' atesta, de novo, que Portugal está a cumprir. Um dia perceber-se-á o que este facto significa para a credibilidade do Estado português. Uma boa notícia, sem dúvida.

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Mensagem por Joao Ruiz Qua Fev 29, 2012 7:23 am

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Um risco a correr

por VASCO GRAÇA MOURA
Hoje

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Todos os dias nos chegam notícias sobre a crise e as suas causas. E também sobre os remédios a adoptar para lhes fazer face. Mas parece que ninguém se entende, nem quanto às causas, nem quanto aos remédios.

As sucessivas tomadas de medidas são, diariamente ou quase, ultrapassadas por resultados negativos. Ou por serem insuficientes, ou por não serem bem pensadas, ou por serem viciosamente executadas, ou porque lá está sempre uma agência de rating à espreita, as coisas acabam por correr mal, no plano nacional dos países em dificuldades e no plano internacional de que eles esperam uma solução.

Entretanto, o cidadão comum, o homem médio, o bonus paterfamilias, vê-se cada vez mais a braços com as consequências de uma situação que não consegue compreender, nem em extensão, nem em profundidade. E custa-lhe quase sempre a aceitar que provavelmente contribuiu para ela. Aperta o cinto porque não tem outra solução ao seu alcance e, se tiver menos sorte na vida, engrossa o caudal dos desempregados que atinge valores apavorantes.

A própria questão da qualificação escolar e da formação profissional coloca os jovens ante uma interrogação angustiada e que é talvez a mais trágica dos tempos que correm, porque põe directamente em causa a construção do futuro: para quê? para quê tanto esforço, tanto trabalho e tanta competição, se são quase inevitáveis o desemprego e a desesperança à saída do currículo? E por sua vez, todos, novos e idosos, empregados e desempregados, sãos e doentes, enfrentam espectros temíveis de escassez, abandono e desamparo que não se teria concebido fossem possíveis há uma década.

Mesmo os que acreditam na Europa e na construção europeia começam a descrer da racionalidade, da pertinência histórica e da bondade dessa convicção, ante as intermináveis pantominas e hesitações a que se vai assistindo, num quadro em que a intergovernamentalização a várias velocidades parece ter assumido plenos poderes, ultrapassando o correcto funcionamento do Conselho e relegando as outras autoridades europeias para um segundo plano de eficácia mais do que problemática.

O problema não é apenas eleitoral, por muito que, nessa perspectiva, haja governantes que se sintam na necessidade de explicar às respectivas opiniões públicas por que razões hão-de ajudar a suportar défices alheios. Considerada a União Europeia como um todo solidário, parece que as coisas não seriam assim tão difíceis de explicar e que as vantagens de uma interdependência saudavelmente construída acabariam por beneficiar toda a gente.

O problema é que o espírito da construção europeia não foi suficientemente integrado na consciência colectiva das sociedades de cada Estado membro e se, porventura, isso alguma vez aconteceu, não o foi em termos duradouros. Talvez tenha acontecido, embora de modo imperfeito, até ao último alargamento. Depois dele, é muito duvidoso que assim seja.

Mas já antes era discutível. Desde o seu início, a construção apareceu a quase toda a gente na perspectiva de vantagens imediatas para o seu próprio país, mesmo que à custa dos restantes e mesmo que à custa do futuro. A partir de certa altura, o caso da política agrícola comum tornou-se um exemplo evidente. O mesmo se diga da exportação de máquinas para o Extremo Oriente ou de certas deslocalizações industriais.

Em nome de alguns princípios estruturantes em si mesmos correctos, como o da livre circulação de pessoas, bens e capitais, ou o da concorrência, a Europa não conseguiu evitar declínios de produção, cessações de actividade e falências, nem uma série de buracos financeiros em cascata, que se revelaram desestruturantes, primeiro nalgum dos Estados membros, e depois alastrando ao conjunto deles todos, com consequências que estão à vista. Não houve políticas moduladoras e correctoras da aplicação desses princípios, quando se começou a ver melhor o que ia acontecer.

O relançamento da economia em vários países implica repensar muitos destes aspectos. Ter em conta a Europa e as suas relações empresariais com o resto do mundo. Desenvolver uma cultura de aprofundamento da ligação dos cidadãos à União e de exigência quanto ao papel das instituições europeias. Manter a austeridade dentro da sensatez. E trabalhar, trabalhar duramente e sem descanso, mesmo sem certezas absolutas quanto ao resultado. É o risco que se tem de correr.

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Mensagem por Joao Ruiz Sex Mar 09, 2012 10:32 am

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Eu sou feminista

por JOSÉ MANUEL PUREZA
Hoje

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Sempre me causaram grande incómodo os depoimentos de mulheres que afirmam "eu cá não sou feminista porque nunca me senti discriminada". Reduzir a História a uma condição pessoal é um malabarismo que confunde as coisas. Martin Luther King não precisou de ser escravo para saber que os negros eram efetivamente discriminados e de assumir a luta contra essa discriminação como a causa da sua vida. O conhecimento da realidade obriga-nos a escolhas. Isso basta.

Mais incómodo me causam aquelas expressões tão triviais de homens que dizem: "Feminismo? Deve haver engano: isso é com elas." O feminismo não é coisa de mulheres. É coisa da democracia. São feministas - mulheres e homens - aquelas/es que olham para a sociedade e veem nela o apoucamento das mulheres por serem mulheres. E que diagnosticam nessa discriminação a presença de relações de poder antigas, culturalmente entranhadas, que aberta ou subtilmente reservam para as mulheres um lugar subalterno no terreno social.

Há quem ainda o faça à bruta - as 14 700 queixas de violência doméstica apresentadas à polícia só no primeiro semestre do ano passado atestam-no bem. Mas o tempo e a denúncia desses atavismos encarregaram-se de revestir a discriminação das mulheres de invólucros sofisticados. Hoje, mais do que justificar a discriminação, desqualifica-se o discurso que a denuncia. É o que se passa desde logo com a absolutização dos casos de sucesso ("ela tornou--se respeitada no local de trabalho, contra todos os preconceitos, estão a ver?" ou "discriminação das mulheres era dantes, agora 65% dos licenciados são mulheres"). O caminho feito nunca justifica a cegueira do caminho por andar. E se há hoje condições sociais e culturais em que a dignidade das mulheres é equacionada em termos diferentes dos que existiam há meio século, o mínimo que apetece dizer é que mal seria se assim não fosse. Mas isso não é, não pode ser, álibi para que não reconheçamos a persistência de uma cultura de disponibilidade para menorizar as mulheres como seres humanos plenamente autodeterminados.

Que a crise financeira que nos dilacera esteja a ter impactos diferenciados sobre mulheres e homens, com o fosso salarial médio na União Europeia a atingir os 16% e com as pensões de velhice das mulheres a serem 59% das pagas a homens, que em Portugal uma mulher tenha em média de trabalhar mais quatro meses do que um homem para atingir o salário anual dele em idênticas funções - são razões de sobra para a consciência de que o feminismo é um dos discursos mais cruciais da democracia no nosso tempo.

Não tanto pela denúncia, em si mesma, destas aberrações. Mas pela denúncia da cultura funda que as torna socialmente aceites. Essa cultura foi expressa, há pouco tempo, pelo novo cardeal Monteiro de Castro. Dizia o dignitário de Roma que "a mulher perdeu muito do valor que tinha. Tem muito valor num sentido, mas noutro..." Para logo concretizar: "Um país depende muito, muito das mães, pois é ela que forma os filhos. Não há melhor educadora que a mãe. [...] A mulher deve poder ficar em casa, ou, se trabalhar fora, num horário reduzido, de maneira que possa aplicar-se naquilo em que a sua função é essencial, que é a educação dos filhos."

Esta forma de pensar, em que o valor da mulher é superlativo em casa (e não no espaço público) e em que é nela - e não nele - que se pensa espontaneamente quando se equaciona a possibilidade (residual diante da aflição económica da esmagadora maioria das famílias) de um dos pais se dedicar por inteiro à educação dos filhos, pois é aí "que a sua função é essencial", mostra como se engana quem pensa que o feminismo é coisa de mulheres e coisa do passado. Não, é mesmo da democracia e agora. E é por isso que eu sou feminista.

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Mensagem por Joao Ruiz Ter Mar 13, 2012 9:45 am

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Essa palavra austeridade

por MÁRIO SOARES
Hoje

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1 A ideologia neoliberal desenvolvida pelos Estados Unidos, após o colapso do comunismo, no final do século passado, teve o seu momento de glória - na América e depois na União Europeia -, mas parece estar a esgotar-se. O seu grande trunfo cifrou-se numa palavra horrível: austeridade. Para engordar os mercados, valer aos bancos e para tornar mais ricos os magnatas, a austeridade está, com as medidas propostas, a destruir as classes médias, a aumentar em flecha os desempregados e a criar mais pobreza, paralisando a economia real, tornando inevitáveis a recessão e, portanto, atirando cada vez mais trabalhadores para o desemprego.

Os países da Zona Euro estão a perder o sentido do crescimento económico, dos valores éticos, da solidariedade e a pôr em perigo o contrato social, responsável por quatro décadas de paz, de bem- -estar, de democracia pluralista e de progresso. Tudo isso está em causa, uma vez que os dirigentes europeus aceitaram pôr os Estados ao serviço dos mercados e dos seus serventuários principais, as empresas de rating, que têm por função atemorizar os governantes e manipular os Estados...

A União Europeia, de Cimeira em Cimeira, tem dado pequenos passos para tentar emendar a mão - com a resistência persistente da chanceler Merkel -, embora o FMI, seguramente por influência dos Estados Unidos, e o Banco Central Europeu, desde que tem à frente um italiano de grande gabarito, Mario Draghi, tenham finalmente compreendido que a austeridade, por si só, levará a um desastre, que aliás está à vista. A Comissão Europeia também tem procurado expressar algumas preocupações que vão no mesmo sentido, mas entalada como está entre a chanceler Merkel e o ainda Presidente Sarkozy, a poucas semanas das eleições presidenciais, hesita e não tem dado nenhum contributo favorável.

O Tratado que há duas semanas foi subscrito por líderes de 25 Estados europeus e está ainda na fase de ratificação pelos Parlamentos nacionais parece já estar ultrapassado, havendo Estados que querem ir mais além. É evidente!

Sem um Governo europeu, financeiro e económico (e mais tarde político), não há austeridade que, por si só, valha à União, à beira do abismo. É, portanto, imprescindível para vencer a crise mudar de paradigma e ter uma estratégia política, financeira e social concertada e solidária. Não se trata só da Grécia, que acaba de receber uma ajuda financeira importante, nem da Irlanda e de Portugal. Hoje, há dois Estados, dos mais importantes da União - Espanha e Itália -, que estão a ser atacados pelos mercados e a esses a solidariedade europeia não lhes pode faltar, se quisermos que a União não sucumba, como projecto de paz, de democracia social e de bem-estar.

Para além dos que já estão em lista de espera, como a França, a Bélgica, a Holanda e a Áustria. Para não falar dos Estados de Leste. O Governo alemão não compreende que está a ficar isolado e que não pode - nem deve - germanizar a União Europeia. Abra os olhos, Senhora Merkel, que já não é sem tempo.

2 Portugal não vai bem. Infelizmente, é o que sinto todos os dias, pensando no que vejo nas televisões, no que leio nos jornais e no que oiço às pessoas com quem falo, por todo o País. A crise global está a fazer estragos imensos que se repercutem em Portugal. Mas há também causas próprias, que vêm de longe. Contudo, o passado pertence aos historiadores e o que conta, na atual emergência, é o presente e o futuro para onde caminhamos. É o que interessa aos portugueses.

O actual Governo, como se sabe, é adepto do neoliberalismo. Não o esconde e está no seu direito. Daí o tratamento respeitoso que tem com a troika, nalguns casos querendo ir além dela. Daí alguns cortes cegos e precipitados que tem feito e depois alguns recuos que as circunstâncias o obrigam a fazer. Os exemplos recentes da TAP e da Caixa Geral de Depósitos, entre outros, são a prova disso.

As políticas de austeridade paralisam a economia e estimulam a recessão. O desemprego cresce sem conta como o trabalho precário e a pobreza. As pequenas e médias empresas estão a falir todos os dias. Todavia, a procissão vai ainda no adro...

As privatizações já efetivadas não tiveram, até agora, a transparência que se impunha. E as que estão para vir, ainda são mais preocupantes, como a RTP 1, as Águas de Portugal, a TAP, entre outras. Há quem ganhe com essas operações, mas isso não está claro. O Serviço Nacional de Saúde, com os cortes já feitos - e os que estão para vir -, está a ser destruído, com o Estado Social, conquista maior dos Partidos de Esquerda, dos Sindicatos e dos trabalhadores.

Assiste-se assim a um recuo civilizacional imenso. Porquê? Porque não há dinheiro, dizem-nos. É caso para, legitimamente, perguntar: onde está o dinheiro que resulta dos cortes? Temos ao menos a esperança de que em dois ou três anos a situação vai mudar para melhor? Não creio. Os próprios economistas que aconselham a austeridade não dão qualquer certeza a esse respeito.

O descontentamento está a crescer muito, o que é perigoso. A criminalidade também, bem como a emigração forçada e os suicídios. Há que reagir, patrioticamente. A União Europeia vai ser obri-gada a fazê-lo, como se viu com o caso grego: foram-lhe perdoados cem mil milhões de euros, pela banca europeia. Foi um sinal importante. Com a Espanha e a Itália no estado em que se encontram - sem ignorar a França -, talvez seja o momento de o Governo português rene-gociar com a troika e deixar-se de complexos. Não devemos deixar degradar mais a situação!

Começa a haver medo na sociedade portuguesa. As pessoas não têm suficientes explicações do que está a acontecer, todos os dias. Há tremendos "buracos", sem que a população perceba quem foram os responsáveis. O enriquecimento ilícito não foi, até agora, punido. Os portugueses estão a perder a confiança na política e nos políticos. E desesperam: para onde vamos? Como e quando vamos sair da crise? Ora, o desespero é mau conselheiro. Os responsáveis do poder, eleito democraticamente, têm de, com humildade, dialogar com as pessoas e explicar-lhes como sair da crise. Não o têm feito.

A austeridade, com limites claros, é necessária. Mas é igualmente imprescindível reduzir o desemprego e aumentar o crescimento económico. Sem isso, a austeridade não serve para nada. E os portugueses sabem-no.

3 A erosão democrática. Assistimos, na União Europeia - e também em Portugal -, a uma certa e perigosa erosão democrática. Aproxima-se a data simbólica do 38.º aniversário da Revolução dos Cravos. É um bom momento para os portugueses refletirem com civismo - e os Partidos, no poder e na Oposição, os Sindicatos e as Associações Patronais - bem como a sociedade civil, saírem das rotinas, renovarem as suas estruturas e pensarem nos riscos que a erosão democrática nos pode causar. É importante reagir e não só atirar as culpas para os outros. No período de emergência que vivemos é indispensável reforçar a coesão nacional, defender a nossa Pátria, com quase nove séculos de uma história gloriosa e não permitir que o niilismo e o pessimismo nos invadam e inferiorizem.

Temos problemas muito sérios - um deles e dos mais importantes - é a maneira como a Justiça tem vindo a deixar-se desprestigiar. A corrupção é outro e tem a ver com o primeiro. Há outros conhecidos. Mas de momento não valerá a pena enumerá-los. O fundamental é recuperar a confiança em nós próprios, nas nossas elites intelectuais, científicas e artísticas - e sobretudo no nosso Povo, que tem bom senso -, ouvindo as novas gerações, tão inventivas e preparadas, como se tem visto em todos os domínios.

4Vieira da Silva. Passaram, há poucos dias, quase despercebidos, os 20 da morte de Maria Helena Vieira da Silva, a mais excecional e mundialmente conhecida pintora portuguesa de todos os tempos. Embora haja um Museu, em Lisboa, Arpad Szenes-Vieira da Silva, bem localizado, tem infelizmente poucos quadros do casal. Por falta de apoios e de dinheiro, como sucede, tantas vezes, com o nosso tão rico património cultural.

Conheci Vieira da Silva e Arpad Szenes quando estava no exílio, em França, pela mão do pintor, amigo do casal, Cargaleiro. Visitei-os e fiquei admirador rendido de ambos. Relação que, com o tempo e a convivência, se tornou uma sólida amizade. Vieira era uma pessoa humana extraordinária, com uma enorme cultura e simpatia.Ofereceu-me alguns quadros e bastantes litografias. Viveu o 25 de Abril com paixão, fez o célebre cartaz com dizeres da sua grande amiga e poetisa Sophia de Mello Breyner. Conquistada a democracia, o casal veio, várias vezes, a Lisboa. Depois da morte do seu marido, húngaro, de origem judaica, de uma bondade e simpatia irradiantes e também um pintor excecional, espaçou as suas viagens.

Trata-se de um casal que não pode ser esquecido nem o Museu que tem o nome de ambos abandonado. Salazar negou-lhes, durante a guerra, a nacionalidade portuguesa. Mas tiveram, no pós-guerra, a francesa... Em ditadura tivemos desses deslizes imperdoáveis.

5 Coimbra veio a Lisboa. Na sala principal do São Jorge, Coimbra, "a encantada e quase fantástica Coimbra", no dizer de Eça, veio a Lisboa, na noite de 8 de março, oferecer um espetáculo único, "as guitarras, o canto e a poesia", dirigido por Carlos Carranca. Quando o fado de Lisboa acaba de ser reconhecido pela UNESCO, como património universal, Coimbra cantou, dançou e recitou poemas lindíssimos, quis demonstrar a sua solidariedade e apreço por Lisboa. A sala estava repleta e entusiástica, com pessoas de meia idade e para cima - algumas mesmo idosas - que cantaram, tocaram e dançaram como verdadeiros profissionais, sem o serem, porque quase todos são professores doutores ilustres. Faltaram talvez os jovens, à exceção da vice-reitora e reputada cientista Helena Freitas, que representava a Universidade e falou no início.

Zeca Afonso esteve sempre presente, com as suas canções e poemas e alguns outros, do tempo da resistência, como Adriano Correia de Oliveira, os poetas neorrealistas do Novo Cancioneiro, que a minha mulher recitou, entre outros ausentes mas presentes, como António Portugal e Manuel Alegre.

Sempre tive um grande fascínio por Coimbra, apesar de lisboeta dos sete costados. Vem isso desde a geração de 70 do divino Eça, que sempre tanto admirei. Permito-me por isso citar Eça: "Em Coimbra, uma noite, noite macia de Abril ou Maio, atravessava (...) o Largo da Feira, avistei sobre as escadarias da Sé Nova, romanticamente batidas pela lua, que nesses tempos ainda era romântica, um homem, de pé, que improvisava (...). Então, perante este céu onde os escravos eram mais gloriosamente acolhidos que os doutores, destracei a capa, também me sentei num degrau, quase aos pés de Antero que improvisava, a escutar, num enlevo, como um discípulo. E para sempre assim me considerei na vida." Antero, "um génio que era um santo"...

Este é o fascínio de Coimbra que marcou sucessivas gerações: o Mondego, o choupal, a lua, a velha novíssima Universidade, construída em cima de ruínas romanas, hoje quase ocupada por estudantes do sexo feminino, que ajudam a dar uma vida nova à velhíssima instituição. Foi essa Coimbra, com as suas capas e canções, que veio a Lisboa. Foi uma noite gloriosa. Adorei o espetáculo, que se prolongou pela noite fora. Obrigado, Coimbra!

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Análises II Empty Corruptos os alemães? Então imagine o resto

Mensagem por Joao Ruiz Seg Mar 19, 2012 4:13 am

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Corruptos os alemães? Então imagine o resto

por LEONÍDIO PAULO FERREIRA
Hoje

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A Alemanha vai ficar 250 mil milhões de euros mais pobre este ano por causa da corrupção. O alerta é do economista Friedrich Schneider, em artigo no Die Welt. Uma quantia astronómica, mesmo para a quarta economia mundial. É que 250 mil milhões são qualquer coisa como um décimo do PIB alemão e até mais do que a riqueza produzida em metade dos países da União Europeia, entre os quais Portugal.

O número envergonha um país que gosta de dar lições. Nos últimos tempos, vimos a chanceler Angela Merkel ir ao Quénia e alertar contra a corrupção, ir ao Kosovo e alertar contra a corrupção e ir ao Afeganistão e alertar contra a corrupção. Assim, num estilo que uns dirão repetitivo, mas que outros identificarão com a cadência maquinal tão associada à eficácia germânica.

E as más-línguas - há quem lhes chame antes antialemães primários - vão apressar-se a relembrar que ainda há um mês Christian Wulff teve de se demitir da Presidência da República para poder ser investigado por um caso de corrupção quando governava a Baixa Saxónia. Como se afinal a corrupção fosse um endémico problema alemão até agora bem escondido.

Sim, é um problema para a Alemanha. A Der Spiegel dedicou já um dossiê ao tema, com casos internos e até internacionais, como a Deutsche-Bahn a ser suspeita de ter pago em 2004 a políticos gregos para ganhar o concurso para o metro de Atenas. E a rádio oficial, Deustche Welle, também se interessou pelo assunto, citando uma porta-voz da polícia a alertar que menos de um décimo dos casos chega a tribunal.

Mas está longe de ser um problema só alemão. No índice global de corrupção construído pela Transparência Internacional, há um grupinho de países que se destaca pela positiva: são da Europa do Norte ou da Oceânia e ainda o Canadá e o Japão. Têm pelo menos oito pontos num máximo de dez. A Nova Zelândia lidera, a Alemanha surge em 14.º a par do Japão.

O que significa que se a economia germânica anda a ser pilhada, imagine-se o resto do mundo. A título comparativo, Portugal é o 32.º menos mau (e para quem duvide que não somos a Grécia, a nossa companheira de infortúnio nesta crise da dívida surge num péssimo 80.º lugar) numa lista de quase 200 países que fecha com a Birmânia, a Coreia do Norte e a Somália.

Para combater a corrupção, o académico Schneider recomenda que se aumente os salários ou se agravem as punições. E que em vez de multas, se apliquem penas de prisão. A primeira solução vale para quem se vende por uns tostões. Mas para os corruptos a sério, os dos milhões, só mesmo a ameaça das grades. Senão, eles ficam ricos, todos os outros mais pobres.

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Mensagem por Joao Ruiz Seg Mar 19, 2012 4:25 am

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por JOÃO CÉSAR DAS NEVES
Hoje

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O Governo está empenhado em profundas reformas. Como os anteriores. Fazemos reformas estruturais e definitivas há décadas e as coisas só pioram. Um exemplo simples do sector mais reformado, a educação, mostra o que falta.

Pode aprender-se com o irmão do vilão? Não há país mais odiado que os EUA e ninguém mais detestado que George W. Bush. Mas o seu irmão John Ellis ("Jeb"), governador da Florida de 1999 a 2007, tem a seu favor uma excelente reforma educativa. Em poucos anos conseguiu, quase sem gastar mais dinheiro, passar as escolas do estado das piores para as melhores do país.

O método seguiu cinco passos: "Primeiro, a Florida começou a classificar as escolas de A a F, segundo a capacidade e progresso dos alunos em testes anuais de leitura, escrita, matemática e ciência. O estado dá dinheiro adicional às escolas que têm A ou melhoram a sua classificação, e os alunos das escolas que tenham dois Fs em quatro anos podem transferir-se para escolas melhores. Segundo, a Florida deixou de permitir que os alunos do terceiro ano que mal consigam ler passem para o quarto (prática comum em toda a América, chamada "promoção social"). Terceiro, criou um sistema de pagamento de mérito, no qual os professores cujos alunos passem certos exames recebem bónus. Quarto, dá aos pais muito mais escolha, com cheques estaduais, entre escolas públicas, convencionadas, privadas e até online. Quinto, a Florida criou novos métodos de certificação para atrair pessoas mais talentosas para a profissão, mesmo que essas pessoas não tenham um grau académico específico em educação" (The Economist, 25/Fev, p. 41; ver o site da fundação do ex- -governador, www.excelined.org).

Este é um caso entre vários, não muito original, mas mostra o essencial. Tem coisas parecidas com o que por cá tenta o senhor Ministro da Educação, mas uma diferença essencial: confiança nas pessoas. Na Florida acha-se que alunos, pais e professores sabem o que é melhor, e o Estado apenas os ajuda nesse esforço. Note-se que esta não é uma solução liberal. Continua a haver escolas públicas e o Estado tem enorme intervenção, classificando, subsidiando, bonificando. Mas a atitude de fundo é subsidiária, dando primazia à sociedade como agente e finalidade, não à genialidade do especialista que julga saber. Por exemplo, em Portugal avaliam-se professores, na Florida avalia-se o seu trabalho. Cá criamos exames para promoção na carreira, lá usam-se os testes dos alunos para premiar os docentes.

O problema entre nós é que eleitores, jornais, partidos e os própios ministros acham mesmo que a questão se resolve com políticas. É esta atitude de partida, cheia de ingénua boa vontade, que as condena à irrelevância. O papel essencial do Estado na sociedade é ser Estado, não sociedade. Governar, não fazer ou mandar fazer. A sua função é deixar fazer. O Governo não promove crescimento, cria emprego, educa crianças, trata doentes ou julga criminosos. Isso fazem os cidadãos nas profissões. O Estado apenas gere uma estrutura que apoia a sociedade nessas actividades. Mas tem de começar por compreender que quem sabe é o povo.

Faz parte da tradição nacional ver o Governo como salvador. Depois segue-se o calvário habitual. Começam com estudos, que se empilham em cima de centenas de anteriores. Vêm então as comissões pensar maduramente e descobrir ideias geniais, que os antecessores já tinham tido. Passa-se então à acção com medidas sobre o povo, por hipótese boçal e ignaro, que deveria esperar atenta e ansiosamente a solução milagrosa. No final corre tudo mal, a reforma revolucionária fica capturada pelos interesses instalados de sempre e muda-se o ministro por outro, que será o salvador. Até agora ainda não tivemos um governo que à partida soubesse o mais importante da política: que ele e as suas reformas são parte do problema.

O Estado põe-se à frente e depois o país não anda, porque ele não sai da frente. Neste tempo tão nebuloso há apenas duas previsões seguras: haverá muitas reformas e vão quase todas falhar.

naohaalmocosgratis@ucp.pt

Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.

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Mensagem por Joao Ruiz Sáb Mar 24, 2012 9:36 am

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A razão do frenesim

por JOÃO MARCELINO
Hoje

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1 E de repente só se fala das próximas eleições presidenciais, que estão, imagine-se, a "apenas" quatro anos de distância! À Direita, Marcelo Rebelo de Sousa martela no tema todas as semanas no seu programa da TVI. Pedro Santana Lopes, em entrevista ao Expresso, aparece fotografado junto a um piano e dizem que toca o My way, de Sinatra. As sondagens já realizadas integram ainda duas mulheres - Assunção Esteves, a atual segunda figura do Estado, e Leonor Beleza, presidente da Fundação Champalimaud.

À Esquerda, ainda assim mais calma, António Costa já dissera na semana anterior (quando lançou o livro Caminho Aberto...) que não descarta qualquer responsabilidade futura; percebe-se que José Sócrates, desde o exílio filosófico em Paris, não acredita estar fora desta corrida, e imagina-se que Manuel Carvalho da Silva ande a estudar como pode um comunista abrir caminho para uma candidatura tipo Lula, hipótese que de resto ele não afastou quando há poucas semanas deixou de ser secretário-geral da CGTP. Curiosamente, Jaime Gama consegue, na sua opção de sempre pelas águas profundas, escapar a este frenesim de candidatos e de estudos de opinião.

Enquanto tudo isto acontece, os dois únicos candidatos naturais a Belém também marcam terreno.

António Guterres, calado há três anos e meio no que a Portugal dizia respeito, fez-se ouvir em entrevista à Rádio Renascença.

José Manuel Durão Barroso, sempre omnipresente e, de todos, o candidato mais forte, veio cá cinco vezes desde dezembro para conferências e outras cerimónias públicas.

E a pergunta só pode ser uma: além do nervosismo aspiracional que motiva algumas destas personalidades (sobretudo Marcelo e Santana, que se sabem reféns da vontade de Durão Barroso e sem prioridade na de Pedro Passos Coelho), que sentido faz andar a falar das próximas eleições presidenciais a quatro anos de distância? O que significa este frenesim de livros e declarações quando pelo meio o País tem uma crise para resolver e outras duas eleições para fazer (autárquicas e ainda umas legislativas)?

2 A resposta está na imagem decadente e fragilizada de Cavaco Silva, minado por sucessivos erros de comunicação. Um ano depois de reeleito num painel de candidatos que não tinha escolha alternativa, o Presidente da República está na pior fase de sempre da sua vida pública.

Cavaco Silva já havia visto a sua cotação ser minada pelos estilhaços do BPN. Lidara com dificuldade com a alegada acusação de espionagem (da Presidência pelo gabinete de José Sócrates) que o seu assessor Fernando Lima tentara vender ao jornal Público.

E agora, depois de ter trabalhado para dar um outro governo a Portugal, quando pareciam estar reunidas as condições para um mandato com um período sereno, embirrou rapidamente com as medidas de austeridade de Vítor Gaspar (na alegada falta de equidade do Orçamento do Estado para 2012, que lhe saiu nas palavras mas que depois não teve qualquer consequência na ação...). Atingiu o auge da inabilidade política com a gafe sobre o valor das suas reformas e evidenciou falta de coragem na renúncia à visita a uma escola e, sobretudo, no prefácio do livro sobre o seu ano de 2011, no qual atacou violentamente José Sócrates sem perceber o boomerang das suas palavras: se o anterior primeiro-ministro foi politicamente desleal - ao não o informar das medidas contidas no chamado PEC IV -, porque não o assinalou na altura e não agiu logo em conformidade?

É a fragilidade política de Cavaco Silva, visivelmente temeroso de voltar ao contacto na rua com os portugueses, que motiva as várias ambições presidenciais, manifestadas fora de tempo. Mau sinal para o País, que ainda precisa de quatro anos da vida deste Presidente.

O TGV seria uma obra importante para o País - e é uma pena que as circunstâncias económicas e financeiras a não permitam agora. Era isto que o PSD, que em tempos queria cinco linhas de TGV, devia dizer sem subterfúgios. De resto, o parecer do Tribunal de Contas mostra a qualidade com que José Sócrates lidou com este processo...

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Análises II Empty O 'Caminho Aberto' de Costa e as encruzilhadas de Seguro

Mensagem por Joao Ruiz Sáb Mar 24, 2012 9:48 am

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O 'Caminho Aberto' de Costa e as encruzilhadas de Seguro

por FILOMENA MARTINS
Hoje

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António Costa está para o PS como Durão Barroso para o PSD. Pode ser o que ele quiser. E o que eles quiserem condicionará os seus partidos. No caso de Durão, a opção é apenas entre a Presidência - que arrumará as pretensões de outros candidatos - e o capitalizar do seu prestígio internacional. Já o presidente da Câmara de Lisboa avisa o PS, dizendo claramente que não rejeita qualquer possibilidade e escolhendo um elucidativo título para o seu livro: ele tanto tem o Caminho Aberto para a liderança socialista como pode fazer o trajeto de Jorge Sampaio e seguir direto dos Paços do Concelho para Belém. Resta-lhe esperar apenas pelo rumo de António José Seguro para escolher a forma como lhe pagará o roubo de protagonismo de que foi vítima no último congresso, com a célebre e nada inocente interrupção de uma intervenção televisiva. Já não há dúvida de que os dois seguem trilhos distintos: enquanto Costa esteve ladeado de toda a "família socialista" e de muitas figuras das várias oposições no hapenning de apresentação da sua compilação de crónicas, Seguro andava lá longe, pelo Algarve. Seguem--se encruzilhadas sem fim: as próximas diretas serão a meio de 2013 e refletirão seguramente um PS metade preso ao socratismo e a outra metade dividida pelas mil correntes do partido; depois haverá autárquicas; e, depois ainda, legislativas. Costa estará sempre no retrovisor de Seguro e só terá de esperar que este esbarre numa derrota para traçar o seu destino.

Uma primeira má impressão de Arménio Carlos

Arménio Carlos começou mal. Ao apressar-se a fazer um teste à sua liderança e à capacidade de mobilização da maior central sindical do País, não fez bem as contas, que saíram furadas, e ainda pode ter comprometido uma importante arma de protesto. Ao convocar para a última quinta-feira a terceira greve geral em três meses, sem UGT, banalizou um recurso que deve ser a última instância de combate, o fim da linha quando se esgotam todas as alternativas. Cometeu dois grandes erros: fazer que um direito inalienável dos trabalhadores, a greve, possa começar a deixar de ser levado a sério e permitir que todos fizessem a leitura de que estava apenas a marcar a sua afirmação política. Resultados: por um lado viu o Governo criar-lhe um enorme engulho, porque, ao não entrar na habitual guerra de números, deixou-o sem referencial, levando a que, pela primeira vez, a CGTP não arriscasse contabilizar as percentagens da adesão; e, por outro, teve de ouvir o seu carismático antecessor, e putativo candidato presidencial da esquerda, Carvalho da Silva, avisar que o movimento sindical terá de reequacionar e repensar as suas formas de luta. Devia ter escutado uma velha máxima de António Guterres: não há segundas hipóteses para se causar uma boa primeira impressão.

Os cumprimentos grátis de Teixeira dos Santos

Não há almoços grátis. Nem cumprimentos. E o que Teixeira dos Santos foi dar a Cavaco Silva, algures em Trás-os-Montes, dias depois de o Presidente da República, num ato de política baixa, ter resolvido ajustar contas com José Sócrates através do prefácio dos seus VI Roteiros, foi também um gesto de vingança para com a ingratidão de que foi vítima. O ex-primeiro-ministro nunca lhe perdoou a "traição" que o forçou a pedir a óbvia e inevitável ajuda internacional e ignorou imediatamente a lealdade de meses sem a qual não se teria mantido no poder. Mas este último prego para a já estraçalhada credibilidade de Sócrates, a quem o próprio Mário Soares apelidou de teimoso, tinha afinal um alcance que só ontem foi conhecido. Teixeira dos Santos estava a caminho da administração da PT, por proposta do acionista CGD, o banco público, e com o aval do seu sucessor, Vítor Gaspar. Mas entre um prémio que iria irritar ainda mais José Sócrates, e o incómodo que era apoiar alguém que o Governo tem responsabilizado pela situação financeira do País, desta vez Passos Coelho deu ouvidos ao político experimentado que é Paulo Portas e não à opinião técnica do já todo-poderoso ministro das Finanças. O cumprimento a Cavaco ficou a custo zero e Teixeira dos Santos vai ter de esperar mais algum tempo para se vingar seriamente. Pode é já não restar nada do alvo a vingar.

Notas

Em Portugal, os combustíveis sobem, sobem, sobem sempre os mesmos cêntimos sejam quais forem as marcas. E a Autoridade da Concorrência estuda, estuda, estuda e nunca encontra nada de anormal.

Sem soluções para os 1,2 milhões que estão sem trabalho, o Governo oferece-lhes entradas à borla nos museus: perdemos em emprego, mas ganhamos em erudição. E ficamos com os desempregados mais cultos da Europa.

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Mensagem por Joao Ruiz Seg Abr 02, 2012 4:26 pm

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Que venha essa gasolina dos sauditas mais barata

por LEONÍDIO PAULO FERREIRA
Hoje

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Se nunca ouviu falar de Ali Naimi, fique já a saber que é o homem que mais manda no preço que paga quando vai a uma gasolineira. Não admira que a Forbes o inclua entre as 70 figuras mais poderosas do mundo, uma lista que inclui Barack Obama, Vladimir Putin, Hu Jintao, Bill Gates e Bento XVI. Por isso, se ele promete baixar a cotação do barril de crude é mesmo coisa para acontecer.

Mas o homem que é ministro saudita do Petróleo desde 1995 não está nada preocupado com o bolso vazio dos portugueses. E, para ser justo com Naimi, nem com o dos franceses, o dos britânicos ou mesmo o dos americanos.

Quando há dias proclamou no Financial Times que "a Arábia Saudita vai agir para baixar os altos preços do petróleo", Naimi pensava apenas como manter cheios os cofres do reino. É que uma recessão na Europa gerará quebra na procura, tanto mais grave quanto a economia americana tarda a arrancar (previsão otimista de 3%) e a chinesa crescerá só 7,5%, o valor mais baixo em oito anos.

A gasolina vendia-se ontem em Portugal a 1,7 euros. E o gasóleo a 1,5. Já a cotação do Brent, o petróleo do mar do Norte que serve de referência, andava nos 123 dólares (92 euros). O ministro saudita não se compromete com o alcance da baixa. Diz apenas que o seu país - com uma capacidade de produção de 12,5 milhões de barris por dia - responderá a quaisquer necessidades extras.

Percebe-se bem que se está a oferecer para substituir o Irão nas importações europeias, quando as sanções por causa do nuclear se tornarem efetivas a 1 de julho. Afinal, relembra Naimi, os sauditas não forneceram os mercados quando houve a guerra do Iraque? Ou quando a petrolífera venezuelana esteve em greve? Ou quando o furacão Katrina afetou as plataformas no Golfo do México?

O compromisso assumido é trazer "os preços para um nível mais razoável". Assim todos ganhariam: países importadores e Arábia Saudita. Com o barril de crude mais barato (abaixo dos cem dólares?), a economia mundial agradeceria aliviada e os sauditas continuariam ricos vendendo quantidades maiores de crude. E que jeito lhes dá os petrodólares: têm sido uma eficaz vacina contra a Primavera Árabe, financiando prestações sociais que calam as críticas à família real.

Há outras razões para a generosidade de Naimi: com as presidenciais à porta, Obama pode dar um presente aos americanos e libertar algumas das suas reservas de petróleo (os Estados Unidos são o terceiro produtor mundial); por outro lado, se o crude continuar a estes níveis recorde, o incentivo para apostar nas energias renováveis será fortíssimo, para mal dos interesses da dinastia Saud.

Para os portugueses, a promessa de Naimi vale ouro. Em 2011 a nossa fatura petrolífera atingiu o recorde de 7,4 mil milhões de euros, uns 692 euros por pessoa. Seriam as finanças do País e o bolso do cidadão que ficariam a perder menos. Mas, a médio prazo, ou temos a sorte de descobrir petróleo - uma empresa encontrou crude há uns anos, mas dava só uma produção miserável de cinco a dez barris por dia - ou temos de investir a sério nas renováveis.

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Mensagem por Joao Ruiz Dom Abr 15, 2012 5:00 pm

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Uma semana de notícias

por JOÃO MARCELINO
Ontem

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Caso Portucale. Mais um falhanço do Ministério Público (MP). Depois da polémica, que deu notícias na comunicação social, e da acusação, que mexeu com a honorabilidade das pessoas, as provas produzidas não foram, sete anos depois, suficientes para os juízes condenarem o polémico abate de sobreiros. O passado recente da investigação do MP está repleto de situações destas que, no final, produzem sempre o mesmo resultado: desconfiança. A maioria das pessoas, que consumiram a informação, julgam ficar com a certeza de que a Justiça não funciona (pelo menos contra "os poderosos"); e muitas das que viveram as situações, sendo atingidas, entendem que essa mesma investigação é capaz de perseguir.

A nova lei do tabaco e o limite à dívida e ao défice. Se os homens fossem todos bons e conscientes, o mundo não precisaria de ter leis. Ninguém conduziria a muito mais de 120 km/h numa autoestrada, por exemplo, ou deixaria até que o seu motorista o fizesse... Não sendo esse manifestamente o caso, quer a nova Lei do Tabaco (no que concerne à proibição de os pais fumarem dentro do automóvel quando viajem com crianças) quer os limites autoimpostos pelos países da Zona Euro no que respeita à capacidade para gerarem défice e acumularem dívida fazem parte das boas iniciativas com que o homem se autocontrola tanto a nível social como político e económico. É assim que se constroem as sociedades responsáveis: com regras. Sem isso, resta a utopia e o abuso.

Mais um golpe na Guiné-Bissau. Já se perdeu a conta aos golpes militares nesta antiga colónia portuguesa. Mortes muitas, e entre elas as dos líderes Nino Vieira e Ansumane Mané. Cavaco Silva, em nome do Estado português, mais uma vez, condenou "energicamente". Coisa estéril. O que os guineenses certamente apreciariam é que Portugal, atual membro do Conselho das Nações Unidas, utilizasse a sua posição para denunciar internacionalmente as causas do drama guineense: o País tornou-se uma plataforma de distribuição de droga entre a América Latina e a Europa. É este miserável negócio que alimenta ambições, distribui dinheiro, fabrica golpes, mata pessoas e não deixa espaço para a Liberdade e a Democracia. Se os políticos portugueses não querem assumir a verdade, ao menos calem-se com os lugares-comuns.

A 'armadilha' a José Cardinal. Um vice-presidente do Sporting acusado de ter tentado inventar um caso de corrupção na arbitragem já seria algo de estranho e lamentável. Que a dúvida (ainda não certificada por um tribunal...) tenha caído sobre um homem, hoje dirigente desportivo, que já foi investigador da mesma Polícia Judiciária que sobre ele agora se abate é que torna este caso verdadeiramente sensível. Haverá mais "inspetores" com este curso?

Brisa e Cimpor. Economia é uma coisa, negócios são outra. E as oportunidades acontecem, apesar da crise, com mais ou menos Caixa Geral dos Depósitos.

O regresso aos mercados. Pedro Passos Coelho e Vítor Gaspar vão dizendo lá fora o que evitam dizer cá dentro. O caminho faz-se em direção a outubro de 2013 com uma certeza cada vez mais evidente: os mercados não vão recuperar a confiança na nossa dívida neste espaço tão curto. A tarefa é demasiado pesada para um espaço tão curto de tempo. Portanto, os credores que se preparem.

Tratados Europeus. Aprovados por PS, PSD e CDS no Parlamento. Mais uma vez, a esquerda fica à margem de um vasto consenso que existe de facto na sociedade portuguesa. Mas é uma pena, e uma fragilidade terrível, que os deputados da maioria mais os do PS continuem a achar perigoso que os cidadãos se pronunciem em referendo sobre a construção europeia e tudo aquilo que com ela se relacione.

Espanha (e Itália...) à beira da crise. Como se vê, a crise é para todos. Não é, não era, específica de um governo, ou de um país. Quando muito, é um traço, infelizmente distintivo, das nações do Sul (dando de barato que a crise irlandesa tem uma natureza - bancária - completamente diferente). E não tenhamos dúvidas: se a Espanha precisar de recorrer à ajuda financeira internacional, a situação portuguesa vai piorar, e muito, como já admitiu Miguel Relvas. E a da Zona Euro, sobretudo se a Itália se seguir, essa, nem se fala.

Cavaco Silva não fala nem sobre o fim das reformas antecipadas nem sobre o corte dos subsídios de Natal e de férias agora estendido até ao final de 2014. Depois das críticas à falta de equidade do Orçamento do Estado para 2012, o Presidente parece cada vez mais refém das suas "gafes". Ou mudou de pensamento?

In DN

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Análises II Empty A mentira e a força política de Passos

Mensagem por Joao Ruiz Qua Abr 18, 2012 7:30 am

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A mentira e a força política de Passos

por PEDRO TADEU
Ontem

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Uma das razões que explicam a conquista do poder por Passos Coelho foi, no período de campanha eleitoral, o tipo de discurso feito ao eleitorado que enaltecia o valor da honestidade das suas palavras, suportadas numa mensagem política segundo a qual os anos seguintes seriam de inevitável austeridade, pois, dados os erros do Governo precedente, nada a poderia evitar. Deu frutos.

O pressuposto do contrato que Passos assinou com os portugueses era não mentir, era falar verdade mesmo quando tivesse de tomar medidas difíceis. Acredito que o contraste desta promessa eleitoral face à prática dos Governos de Sócrates tenha sido fundamental para decidir o voto de muitos eleitores que ainda acreditam só existirem duas opções úteis nas urnas eleitorais: o PS ou o PSD.

Esse contrato parecia estar a ser cumprido. Passos Coelho e Vítor Gaspar começaram por dar, à vez, a cara pelas medidas mais violentas que a receita da troika impunha sobre os rendimentos da chamada classe média, explicando o seu alcance e garantindo a universalidade dos sacrifícios.

Mesmo nos momentos confusos, com uma evidente falta de explicação séria para a aceitação de uma lista cada vez maior de exceções a cortes, reduções ou outros sacrifícios, tem prevalecido, eficaz, esse tom do "nós falamos verdade aos portugueses", "não vale a pena enganarmo-nos com ilusões" ou "só estamos a fazer o estritamente necessário para vencer a crise".

Dois incidentes deram um rombo neste couraçado de aparente sinceridade: uma decisão "secreta" que proíbe as reformas antecipadas e o "lapso" sobre o ano em que os subsídios de férias e de Natal voltam aos salários da função pública. Quer Passos Coelho quer Vítor Gaspar perceberam que os portugueses se sentem enganados.

Houve um momento em que sobre José Sócrates a opinião pública dava tanta importância às suas políticas como aos seus supostos problemas de carácter. Passos Coelho, apanhado nas redes da falsidade do seu discurso, violou o contrato que celebrou com o eleitorado e está, pela primeira vez, a ser julgado pelo seu carácter.

É natural que desta vez os portugueses lhe perdoem, aceitando as circunstâncias políticas que determinaram estes episódios. No entanto, cansados de todos os dias acordarem ao som de mais uma má notícia, mais um corte de rendimentos, mais um aumento de preços, mais uma subida de impostos, outra redução no apoio social do Estado ou de alguém que, sem explicação, escapa aos sacrifícios, é natural que a próxima mentira de Passos Coelho seja o início do seu ocaso político.

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Análises II Empty A primavera árabe

Mensagem por Joao Ruiz Ter Abr 24, 2012 10:40 am

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A primavera árabe

por ADRIANO MOREIRA
Hoje

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A preocupação orçamental que absorve as atenções e desacordos dos governantes ocidentais não tem permitido avaliar se a chamada primavera árabe pode não apenas aumentar, com natureza diferente, as exigências que a União Europeia enfrenta, como por exemplo redefinir o conteúdo do conceito do direito- -dever de intervenção. Este teve uma demonstração eficaz no caso da Líbia com o resultado final da liquidação do regime Kadhafi, mas não levando até agora à conclusão de que a situação iemenita e síria se encontram abrangidas pela mesma premissa.

De facto, a evolução internacional em relação ao movimento que a semântica logo apelidou de democracia em movimento teve como primeira resposta, de acordo com a prudência tradicional, uma política de acompanhamento, evidente no discurso que Obama, em 19 de maio de 2011, dedicou à situação do Egito, longamente considerado um apoio estável dos interesses ocidentais.

Mas um discurso que admitia, e sem muito cuidado com as entrelinhas, uma adaptação que acompanhasse a mudança, já considerada portanto eventual.

Esta atitude, não privativa, de expectativa, passou a ser de intervenção casuística quando as ameaças de Kadhafi, em termos de repressão contra a população insurgente, levou o Conselho de Segurança, em 17 de março de 2011, pela Resolução de 1973, a estabelecer a zona de exclusão aérea sobre a Líbia, autorizando o uso de todos os meios, exceto as tropas terrestres.

Acontece que a Rússia, a China, a Índia, o Brasil e a Alemanha se abstiveram. É evidente que os interesses relacionados com as fontes de energias não renováveis, o risco de se agudizarem as migrações que ameaçam fazer do Mediterrâneo um cemitério, a segurança ameaçada desse mar podem ser facilmente motivos presentes na deliberação, quer dos que votaram, até dos que se abstiveram, esta uma atitude que abre caminho a afirmar, no resultado final, que este foi sempre o da simpatia dos prudentes.

Mas talvez seja possível não ignorar duas componentes deste movimento, que já é um turbilhão, da chamada primavera árabe, a começar por um traço habitual de muitas revoluções ocidentais.

Em primeiro lugar o facto de ter sido um movimento popular que desafiou as estruturas políticas, algumas apoiadas num poder militar evidente, e garante da estabilidade que interessava às dependências ocidentais. Se o movimento das populações mudou a estabilidade política, não mudou os interesses nem as necessidades ocidentais, em primeiro lugar europeias, aconselhando a unidade, sem a necessidade de minorar os valores frequentemente esquecidos pelo relativismo agora em vigor, e pelo pragmatismo de sempre.

Uma perceção logo evidenciada pela intervenção francesa, na data em que os EUA precisam de moderar a sua convicção de superpotência.

Facto que parece ter estado ausente, não obstante a abertura do Conselho de Segurança para a intervenção Líbia, na circunstância de a situação equivalente noutros países, como a Sérvia e o Iémen, não ter desencadeado a mesma evolução da diplomacia de acompanhamento para o exercício do direito de intervenção, porque as exigências da desordem, em que se traduzem os movimentos populares contra os poderes instalados, conduzem a própria comunidade internacional a reconhecer--se na situação de exiguidade de meios.

E particularmente os EUA a reconsiderarem a função de gendarmes do mundo, uma maneira menos suave de moderar, mas não a perder, a convicção de nação indispensável.

Esta última fórmula corresponde melhor ao que hoje se espera dos EUA no mundo, portanto não necessariamente com o unilateralismo de superpotência que vai perdendo atualidade para todos os países.

Sobretudo, a crise mundial, incluindo a falta de recursos, que se reflete na falta de vontade das sociedades civis para intervenções armadas, longas, custosas, e até hoje pouco eficazes, não aconselha a deixar desviar as políticas preventivas e repressivas, baseadas na proteção das populações e dos seus direitos, para a imagem de ser uma defesa de hegemonias, o que fatalmente incluirá a perigosa conclusão de que a intervenção é a favor de interesses puramente ocidentais

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Mensagem por Joao Ruiz Seg Abr 30, 2012 9:52 am

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A insólita inversão

por JOÃO CÉSAR DAS NEVES
Hoje

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A relevância da homossexualidade na nossa sociedade é surpreendente. Um assunto do foro privado, igual ao que sempre foi, saltou para o centro da actualidade. Mais estranha ainda a inversão de atitude. De prática condenada e repudiada passou a algo que todos se esforçam por considerar normal. Aliás, qualquer outra avaliação é inaceitável.

É verdade que, apesar dos importantes avanços na tolerância, ainda se encontram aí casos graves de discriminação e violência que devem ser denunciados e resolvidos. Mas no meio de tantos problemas sociais, económicos e políticos, vivendo-se fortes conflitos de muitos tipos, é inusitada a atenção e a inversão.

Um paralelo resolve a estranheza. O horror nazi ensinou ao Ocidente a suprema injustiça do racismo. Alguém que é desprezado por ser judeu, mulher ou negro sofre por algo inevitável, que não depende da sua escolha. Mas isso é muito diferente da crítica contra atitudes pessoais, como cristão, comunista ou engenheiro. Em ambos os casos, a injustiça é comparável, mas no primeiro existe pura arbitrariedade, enquanto o segundo visa actos da responsabilidade da pessoa, que deve assumir as suas escolhas. Como diz o velho provérbio jurídico, "ninguém é preso por ser ladrão, mas por ser apanhado a roubar".

A chamada "ideologia do género" tem feito o impossível para conseguir que a opção sexual seja classificada como congénita, identificando assim a homofobia com o racismo. No entanto, nesse campo, a única coisa demonstrável é a existência de uma tendência. Todos temos múltiplas inclinações pessoais, que o nosso comportamento depois promove ou contraria. Não existe no acto sexual uma necessidade inelutável. Cada um continua senhor das suas escolhas e nunca pode atribuir o seu estilo de vida a uma predeterminação genética.

Aqui surge uma segunda confusão entre discriminação e opinião. Existe realmente o crime grave de homofobia, que consiste no tratamento injusto, ou pior a agressão, a alguém por opção sexual. Isso é muito diferente da opinião que cada um possa ter sobre essa actividade. Chamando "homófobo" a quem quer que, sem prejudicar ninguém, considere a prática uma perversão, confundem-se as coisas e comete-se uma outra discriminação, aqui por delito de opinião. Também existem no mundo graves perseguições contra católicos, que não podem ser confundidas com o repúdio particular por essa religião, manifestado de forma civilizada. A fúria actual contra qualquer pessoa que não alinhe com a visão dominante da naturalidade e equivalência de todas as opções sexuais é, ela sim, uma forma grave de totalitarismo cultural.

Ultimamente, esta ideologia tornou-se institucional. Aquilo de que tratam os jornais não é sexualidade, mas decretos. O problema não é erótico, é jurídico. Esta terceira confusão vem de deduzir do repúdio da homofobia a exigência de leis que concedam a esses casais uma paridade com as famílias. O erro abandona o campo especulativo e torna-se político.

O Estado não regula amor e paixão. Se assim fosse, teria de criar muitos contratos para além do casamento. O motivo por que instituiu apenas este tem razões político-sociais, não sentimentais. De facto, a família é a célula base da sociedade, e convém que a lei a estatua, regulamentando os direitos básicos. Fora disso há múltiplas formas de amizade e relação que seguem as partes genéricas do Código Civil.

A razão do interesse jurídico está na paternidade, nascimento e educação de futuros cidadãos, que apenas a família estável realiza com qualidade. Isso não significa que o casamento só se aplique a casais férteis; também o contrato de sociedade é dirigido à produção e lucros, mas uma empresa não deixa de o ser se estiver inactiva. Estas considerações são óbvias, mas a lógica cede num tempo em que as questões da sexualidade têm impetuosidade doentia. O prazer venéreo adquiriu estatuto absoluto, e a regra suprema é "vida sexual e reprodutiva saudável, gratificante e responsável". Que significa gozo sem regras. Esta é a verdadeira causa das confusões.

naohaalmocosgratis@ucp.pt

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Análises II Empty Política, crime e sexo num mau filme chinês

Mensagem por Joao Ruiz Seg Abr 30, 2012 9:57 am

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Política, crime e sexo num mau filme chinês

por LEONÍDIO PAULO FERREIRA
Hoje

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Ele é suspeito de ter feito escutas telefónicas até ao Presidente chinês. Ela está a ser investigada pela morte de um homem de negócios britânico, talvez seu amante. O filho mais novo faz notícia na América por multas ao volante de um Porsche, enquanto o mais velho emite comunicados a distanciar-se do pai em desgraça.

Não se admire que o caso Bo Xilai dê um dia destes um filme. Sugestões para título: "Ascensão e Queda de Um Político Poderoso e da Sua Mulher Cheia de Ambição" ou "O Homem Que Queria Ser Mao".

É provável que a película fosse censurada na China por envergonhar o Partido Comunista. Ou talvez não. Podia ser exibida para mostrar que a ninguém se tolera que ponha em causa a honestidade do regime. Nem sequer a um aristocrata vermelho, com pedigree revolucionário, como é o caso de Bo Xilai, chefe do PC em Chongqing e ex- -ministro do Comércio.

Filho de Bo Yibo, um veterano da guerrilha comunista, o homem agora em desgraça destacou-se pela mão dura contra o crime organizado na cidade de sete milhões de habitantes, capital provisória da China nos tempos da invasão japonesa. Também impressionava o seu revivalismo revolucionário, com comícios onde se cantavam as velhas canções comunistas, homenagem a esse Mao Tsé-tung que refez a unidade chinesa mas cuja morte foi o ponto de partida para o renascimento económico do país.

Se tudo estava lançado para Bo Xilai brilhar na mudança de geração no poder, agendada para o final do ano, ninguém podia prever que o seu braço direito pediria em fevereiro proteção no consulado americano, revelando os podres do patrão. Sabe-se agora, iam desde meios ilegais para impor a ordem, até escutas aos dirigentes que visitassem Chongqing. Estava obcecado em saber o que pensavam dele.

"Graves violações da disciplina" são o pretexto para a investigação. Costuma acabar em acusação por corrupção, pesadíssima pois o regime assenta hoje a legitimidade no ideal de honestidade combinado com o êxito económico.

E não ajuda Bo Xilai que a sua mulher advogada esteja também a contas com a justiça, até porque a morte do amigo estrangeiro de ambos alimenta especulações de infidelidade e assassínio encomendado. Também filha de um herói comunista, Gu Kailai impressionou tanto quando visitou a América que há quem a descreva como uma "Jackie Kennedy chinesa". E é com o dinheiro por ela ganho em tribunal e a escrever livros que o filho estudante tenta explicar o estilo luxuoso de vida em Harvard, mal visto por quem na China se choca com o fosso entre ricos e pobres.

Um dia se saberá se Bo Xilai foi vítima das suas ambições desmesuradas ou se caiu porque incomodava outras figuras destinadas a altos voos. Caberá ao argumentista antecipar um final. Mas é óbvio que este é um filme que o regime chinês preferiria que nunca tivesse existido. Está cheio de cenas a negro.

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Análises II Empty Sobre a (in)dignidade de certos anúncios menos convencionais

Mensagem por Joao Ruiz Sáb maio 19, 2012 2:31 pm

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Sobre a (in)dignidade de certos anúncios menos convencionais

por ÓSCAR MASCARENHAS
Hoje

Análises II Oscar_mascarenhas

O leitor JM manifestou-me a sua indignação porque no DN "existem páginas de anúncios vergonhosos e verdadeiros atentados ao pudor, à cultura, à educação e à liberdade individual". "O dinheiro não é tudo", afirma. Segundo o leitor, "os pais, os avós e outros compram o conceituado DN para se informarem e se cultivarem, pois é esse o dever da informação, e após a primeira leitura pelo jornal deixam-no no sofá ou em cima de uma mesa. Entretanto, os filhos, os netos ou outras crianças menores pegam no jornal e também chegam às páginas onde estudantes (dizem que pela primeira vez), trintonas, quarentonas e outras dão os seus contactos e dizem das suas habilidades: que lambem, chupam e deixam lamber e mostram em pequenas fotografias as suas formas corporais e em certas posições a chamar a atenção dos interessados".

JM descreve depois, com alguma crueza, o que teme que "com a evolução do tempo", possa aparecer no jornal, a ilustrar os anúncios "das trabalhadoras da mais velha profissão do mundo". "Chamo a atenção para este perigo existente, certamente, que é as meninas com 16 e menos anos que se servirão das amigas adultas, vintonas, trintonas e de mais idade para mandarem inserir os respetivos anúncios dizendo que é a primeira vez, e como os pais, com as dificuldades da vida presente derivadas do desemprego no país, não lhes podem dar o que estão habituadas, procurem trabalho como iniciadas da profissão mais velha do mundo", acrescenta.

O leitor adverte que "não é nenhum puritano, nem se considera um exemplo de ser humano diferente dos outros, nem exemplo para todos os que o conhecem", mas observa que "para os empresários o dinheiro é tudo, sejam os do Pingo Doce ou os da Controlinveste".

Termina JM dando uma sugestão: "Porque não estudar uma revista especializada com as características desejadas e dirigidas às prestadoras de serviços desta profissão? Assim, ninguém teria de se queixar e até criariam mais postos de trabalho, o que o Governo agradeceria. Porque assim só comprava e anunciava quem estivesse interessado."

Perguntei à Direção do DN qual a sua justificação para a publicação de tais anúncios no segundo caderno do jornal. Respondeu-me o diretor, João Marcelino: "Estas páginas existem há uma década no DN, com cinco diretores diferentes. O meu entendimento profissional é que cumprem a lei e resultam em informação que é pretendida por pessoas: as que colocam os anúncios e aquelas que certamente os consultam. Existem, com o mesmo critério, em muitos jornais de referência, sobretudo na Europa. Neste caso, e em consequência, respeito a decisão do negócio que cabe ao Conselho de Administração."

Assunto embaraçoso, este, mas há que enfrentá-lo. Como critério, recuso fazer juízos morais. Entendo que a moral é uma coisa muito boa para cada um guardar para si e cumprir, não para escrutinar comportamentos dos outros. As ações de outros podem e devem ser perspetivadas pela ética, isto é, pela lealdade, e pela lei.

Cada um reage a esses anúncios segundo a sua própria sensibilidade, mas, racionalmente, é indiscutível que o mercado erótico preenche um espaço social. Se esses anúncios proliferam na imprensa, significa que quem os coloca sabe que há interessados. Gostaria de conhecer estudos sociológicos e de criminologia sobre os efeitos que tal comércio às claras tem na sociedade. Consigo imaginar que, para certas pessoas, essa via discreta tem sido a solução para a resolução de pulsões, apetites ou necessidades que, de outro modo, poderiam gerar traumas e frustrações, quando não violências.

Os Estados hesitam, em termos legislativos, em definir "a mais velha profissão do mundo", mas a regra dominante, na civilização ocidental é, no mínimo, a tolerância com exigência de discrição: só o assédio ostensivo na rua é reprimido em alguns países. Noutros, a profissão está formalmente legalizada, mas não se pense que, com isso, fica resolvida a situação, antes se geram novos problemas: chegaram-me ecos de um debate na Alemanha, onde a prostituição foi legalizada, em que há quem tema que os serviços oficiais de combate ao desemprego forcem pessoas a aceitar postos de trabalho em casas de passe sob pena de perderem o subsídio por recusa da "oportunidade"... (Espero bem que tal receio seja meramente académico!)

Dei uma vista de olhos ao código português da publicidade e o único artigo que, a meu ver, poderia ser vagamente aplicável a esta situação, proibindo tais anúncios, é o que se refere à publicidade que "atente contra a dignidade da pessoa humana". Mas seria forçar a nota. Se, como vimos, tal atividade é legal em algumas ordens jurídicas que comungam do mesmo conjunto de valores fundamentais que a nossa, difícil seria afirmar perentoriamente que estamos perante um atentado à dignidade da pessoa humana.

E sobre a questão da dignidade, ocorreu-me uma história contada por Juca Chaves, o mais ácido, corrosivo e implacável dos humoristas. Fazendo-se protagonista, relata que se sentou num avião ao lado de uma bela senhora e a interpelou sem rodeios: "Por cinquenta mil dólares, a senhora faria amor comigo?" Após breve hesitação, ela respondeu: "Bem, por cinquenta mil dólares... acho que sim." "E por cinquenta dólares, faria amor comigo?" Empertigou-se a senhora: "Mas o que é que o senhor está pensando, que eu sou alguma prostituta?" Replicou Juca Chaves: "Bem, a essa questão a senhora já tinha respondido na primeira pergunta. Agora só estávamos discutindo o preço..."

Também a nossa capacidade de indignação é capaz de andar anestesiada pelo preço. Há quem escarmente a publicação de pequeninos anúncios pagos por pessoas que oferecem - provavelmente a contragosto e em estado de necessidade - os seus préstimos em carícias e contorções a quem deles precise ou apeteça. Alugam o corpo e têm de dar o seu melhor para manter a clientela, ou seja, têm de se esforçar por cumprir o caderno de encargos a que se comprometeram.

Mas ninguém discute a (in)dignidade de figurões da nossa sociedade que, pagos a peso de ouro, aceitam alugar o seu nome e o seu prestígio para enganar o público de todas as idades, em anúncios nada escondidos nem discretos, promovendo produtos e serviços que nunca experimentaram nem desejam fazê--lo, que podem causar danos irreparáveis à saúde ou à carteira de milhões de pessoas.

Não me refiro a atores que desempenham papéis fictícios em anúncios, no exercício da sua profissão, nem a figuras públicas que participam - calculo que gratuitamente - em campanhas cívicas ou de solidariedade. Refiro-me a personalidades de relevo na sociedade, políticos, desportistas, apresentadores de televisão (felizmente os jornalistas estão proibidos, em Portugal, de o fazerem), artistas que se apresentam com o seu próprio nome a recomendar serviços bancários, aparelhos auditivos, produtos para o emagrecimento, cosméticos, comidas de plástico e quejandos. Não há um código de ética para essas personalidades? Como é que se permitem mentir a milhões? E se um dia forem abordados na rua por alguém que lhes diga que se arruinou por ter investido como lhe foi proposto, ou deu cabo da saúde por ter feito a dieta sugerida, como vai responder tal "personalidade": que não, que não era para ser levada a sério, era só um anúncio bem pago?

Curiosamente, o nosso Código da Publicidade é mais exigente com esta "publicidade testemunhal" que "deve integrar depoimentos personalizados, genuínos e comprováveis, ligados à experiência do depoente ou de quem ele represente". Isto significa - ou pelo menos parece significar, até que um rábula venha demonstrar o contrário - que a "personalidade" que propõe um produto ou serviço o experimentou e como tal o recomenda, assumindo a responsabilidade pelo que diz. Alguém, alguma vez, já lhes exigiu essa responsabilidade? Quem os contratou, advertiu-os quanto a esta exigência da lei - já que, de ética, estamos conversados?

Enquanto os pequenos anúncios de carácter erótico estiverem dentro das baias da lei e da liberdade de expressão, por muito que nos arrepiem, têm o direito a ser publicados. Quanto aos pais e avós, de que fala o leitor JM, a solução é não deixarem o segundo caderno ao alcance das crianças. Pelo menos isso. Mas não vão conseguir impedir que elas se intoxiquem muito mais gravemente com a perfumada e invejada exibição das "personalidades" que hão de aparecer no primeiro caderno, nos outdoors e nos horários nobres das televisões a vender a sua desvergonha. Escondem-se as prostitutas, ficam à vista as cortesãs.

Afinal, de que prostituição é que estamos a falar quando falamos de prostituição?

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Análises II Empty Guiné-Bissau: golpismo ou democracia

Mensagem por Joao Ruiz Sex Jun 01, 2012 9:49 am

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Guiné-Bissau: golpismo ou democracia

por JOSÉ MANUEL PUREZA
Hoje

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Há uma maldição guineense? A sucessão de golpes e tentativas de golpes de Estado e eliminações de personalidades políticas parece avalizar essa leitura. Instalou-se no senso comum a tese de que a Guiné-Bissau está condenada a uma turbulência política e militar sem fim. Naquela terra, a paz não será senão a preparação da guerra que vem.

E, no entanto, talvez a única maldição guineense seja a do esquecimento e invisibilidade. Fosse a Guiné no Médio Oriente ou no Magreb e a história seria seguramente outra. Até agora, o único motivo de interesse que tem sido reconhecido à Guiné-Bissau parece ser o da sua localização estratégica para os fluxos de narcotráfico entre a América Latina e a Europa. Ele tem acentuado todos os fatores de trivialização de uma cultura de tomada de poder pela força na Guiné-Bissau.

Entretanto, e por paradoxal que seja, a Guiné tornou-se foco de disputa por agendas estrangeiras. Desde a oportunidade de o Senegal, com o envio de tropas, desativar o apoio aos rebeldes de Casamança até à invocação, por Angola (com os olhos em negócios como o da bauxite), do seu sucesso numa efetiva reforma do setor de segurança guineense - que a União Europeia financiou longamente sem qualquer concretização, como é manifesto - passando pela vontade da Nigéria de travar qualquer ascendente angolano na região, as razões para intervir na Guiné multiplicam-se. Mas os interventores refugiam-se em roupagens multilaterais: os interesses do Senegal, da Nigéria ou outros são veiculados pela CEDEAO, enquanto a estratégia de Angola tem o rótulo oficial da CPLP.

O golpe de 12 de abril só se compreende à luz desta combinação perversa entre poder dos barões da droga e choque de estratégias exteriores. A interrupção do processo eleitoral na véspera da segunda volta, quando tudo apontava para a vitória de Carlos Gomes Júnior, favorável a uma aproximação da Guiné com Angola, tem uma leitura clara. Reforçada aliás pelo golpe em cima do golpe perpetrado pela CEDEAO, ao impor a validação de um governo de transição contra a reposição da legalidade constitucional democrática.

Pelo meio fica o povo da Guiné. Um povo supérfluo para os interesses estratégicos. Sintomaticamente, conhecemos da Guiné os golpes e contragolpes mas não se noticia a deterioração dramática da situação humanitária, com o não pagamento dos salários, o ano escolar perdido, a campanha do caju (que é o principal sustento das famílias) comprometida pondo em causa a segurança alimentar da grande maioria da população pobre, a paralisia económica e a subida exponencial do preço dos bens de primeira necessidade, a situação de desesperança nas camadas mais jovens em resultado da associação entre desemprego e privação, a repressão de manifestações contra os golpistas e a circulação de listas negras para eliminação de quem seja incómodo.

É em nome das mulheres e dos homens da Guiné sem rosto nem nome nos grandes meios de comunicação internacionais, que se impõe uma posição de firmeza de quem se quer amigo da democracia e dos direitos humanos repudiando todos os golpes e ameaças e apoiando a prevalência da soberania popular. Foi essa firmeza radicada em princípios e não em alianças de conveniência momentânea com atores locais que faltou ao longo destes anos, diante da onda de assassinatos, de golpes e de chantagens que marcaram todos os dias da vida dos guineenses. Apesar disso, nunca é tarde para se ser digno e querer para esse povo o direito de decidir em paz, em democracia e em liberdade o seu futuro.

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Análises II Empty O velho eduquês

Mensagem por Joao Ruiz Sex Jun 08, 2012 7:37 am

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O velho eduquês

por JOSÉ MANUEL PUREZA
Hoje

Análises II Jmpureza3

A direita que nos governa faz crer que todas as suas decisões são técnicas, não políticas. E muito menos ideológicas. Cortar salários, privatizar serviços, anular direitos e o que mais for, é tudo fundado no "rigor", na "eficiência", no "pragmatismo". E, no entanto, o disfarce é frágil: é apenas e só em cumprimento da mais ideológica das cartilhas que este Governo decide o que decide.

Assim é com a política de educação. Do "independente" Nuno Crato deu-se - e continua a dar- -se - a imagem de alguém que vem pôr ordem na bagunçada (coisa com tradição nefasta em Portugal...). Crato não é diferente de qualquer outro ministro deste Governo: todos acham que os sectores que administram eram pântanos de irresponsabilidade e de farra antes de eles chegarem ao poder; e juram que, com eles, vai "voltar" a disciplina, a seriedade e a exigência. Crato desempenha esse papel com mestria, justiça lhe seja. Debita para o senso comum que a escola foi tomada de assalto por aventuras pedagógicas e deixou de ensinar. Que o facilitismo cultivado por esse "eduquês" está a produzir gente ignorante e a transigir com a incompetência. E, numa cruzada contra esse apodrecimento - algo sempre sedutor para os leitores de tabloides -, ele não se propõe menos que a regeneração da educação nacional.

Pois bem, essa regeneração não é outra coisa senão a transformação do conservadorismo ideológico em política pública. São três as suas expressões mais evidentes. A primeira é a sua conceção de curriculum. Crato é há muito porta-voz da tese de que a educação está hoje muito pior do que antigamente. E é ao antigamente que quer voltar. A desvalorização curricular da educação artística (musical, visual e tecnológica) e da educação para a cidadania ou a fixação no suposto papel nuclear dos exames mostra uma desconsideração do papel da escola na formação do sentido crítico, da capacidade criativa, da formação de convicções éticas e na experimentação da cidadania. É uma escola regressada à função de ensinar a memorizar, ler, escrever e contar. Uma escola que forma força bruta de trabalho desqualificado e abdica de formar gente crítica, criativa e consciente dos seus direitos e deveres. Para um país condenado a ter como única vantagem comparativa os baixos custos da mão de obra, isso é quanto basta.

Ideológico é também o desdém para com a educação de adultos e a insinuação de que a certificação de competências incluída no programa Novas Oportunidades era uma certificação da ignorância. Essa recusa de que a vida de trabalho ensina e cria habilitações, tantas vezes mais perfeita e intensamente do que as aprendizagens formais em meio escolar, tem a marca de um elitismo arrogante que não se coíbe de humilhar milhares de homens e mulheres que não tiveram acesso à escola enquanto jovens e que não lhes reconhece nem valida as competências que o percurso da vida lhes deu. Mais ideologia do que isto é difícil.

Ideológica é, enfim, a criação de 115 mega-agrupamentos escolares, alguns com mais de 3600 alunos. Invocar para o efeito o "reforço do projeto educativo e da qualidade pedagógica nas escolas" é brincadeira de mau gosto. O que está em causa é tão-só a transformação das escolas em armazéns de anonimato e mediania, desqualificando o serviço público de educação e favorecendo assim o ensino privado que aposte na personalização do trabalho educativo, vedado desta forma à escola pública.

A escola pública de qualidade é uma das gorduras do Estado que o Governo quer queimar. O espírito crítico, a aprendizagem da estima pela diversidade, a exigência cidadã arderão por arrasto. É a dieta ideal para dar à sociedade gente mansa e com a versão oficial da felicidade bem decoradinha.

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