...misto de fanfarronice, honra, ingenuidade e sangue-frio.
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...misto de fanfarronice, honra, ingenuidade e sangue-frio.
Estava-se a meio da tarde. O Congo envolvera-se em mais uma guerra civil. Correspondente no estrangeiro, acabado de chegar de Londres, eu era ainda um novato nestas andanças. Encontrava-me à beira da estrada que liga Ndola a Elízabethville, com quatro costelas e o ombro esquerdo fracturados. Um soldado das milícias catanguesas tinha o cano da metralhadora encostado às minhas costas, enquanto os seus colegas remexiam na minha bagagem que se encontrava por entre os destroços do carro alugado.
Havia uma enorme quantidade de mercenários brancos, da África Setentrional, em veículos roubados, fugindo da zona de guerra onde eu tinha procurado chegar. Vários condutores abrandavam, mas ao verem a milícia aceleravam de novo. Terão passado por mim mais de 50, Depois chegou uma carrinha Peugeot nova. O condutor meteu travões a fundo, fez marcha-atrás na minha direcção, abriu a porta tra,c,ira e gritou:
— Salta para dentro.
— Tenho uma arma encostada às costas.
— É por isso mesmo que estou a dizer para saltares cá para dentro.
Obedeci. Ele acelerou. Com o ombro fracturado, não podia fechar a porta, e o vento acabou por se encarregar de o fazer. Aproximámo-nos do posto fronteiriço. O condutor buzinou fortemente, fez sinais de luzes e acelerou. Os guardas, temendo, pelo menos aparentemente, que ele se espatifasse a nova barreira ,levantaram-na à pressa .Tínhamos cabado de sair de um território autoproclamado Republica do Catanga
Mas porque é que os guardas nos teriam deixado passar , sem abrir fogo ?
MARTIN PAGE
— Não têm munições. Não lhes pagaram os ordenados. Damos--lhes cigarros, que eles trocam por comida.
Através do reflexo no retrovisor, vi o rosto do condutor, um semblante grave, mas impassível. Tal como o seu companheiro, devia andar na casa dos 30 anos, tinha uma tez típica da população do Sul da Europa, cabelo escuro e um bigode cuidadosamente aparado. Envergavam camisas brancas acabadas de lavar e engomar. Traziam ao pescoço um pequeno crucifixo e um medalhão pendurado num fio de ouro.
Disseram-me que faziam contrabando de cigarros para o Congo, a partir do território que é hoje a Namíbia. Levaram-me a uma clínica junto à mina de cobre, em Kitwe, onde me fizeram uma radiografia, deram-me uma injecção e ligaram-me. Transportaram-me, depois, até uma casa de repouso da companhia mineira, onde me apresentaram à administradora inglesa.
— O chá da manhã é as cinco e meia — disse ela.
— Não vou querer. Preciso de descansar.
— Lamento - afirmou ela —, mas, se abrisse uma excepção consigo, todos os outros queriam o mesmo, não é? O último pequeno--almoço na sala de jantar é às seis e meia.
Fez-me uma ligação telefónica para Terence Lancaster, o meu editor-chefe em Londres, que me disse:
— Lamento muito o que te aconteceu, só que há um motim numa fábrica de cigarros, na Cidade do Cabo e, se não estiveres lá amanhã de manhã, parto-te o outro ombro.
Os meus salvadores pagaram-me um copo de aguardente sul--africana, deram-me um maço de Rothmans, verificaram se tinha dinheiro suficiente na carteira e, depois, deixaram-me, de novo, entregue à cultura indígena. Nunca mais os tornei a ver. Foi a primeira vez que, pelo menos conscientemente, me tinha cruzado com portugueses — um primeiro encontro, não apenas com a sua extraordinária disponibilidade para ajudar um estrangeiro em apuros, mas também com o seu misto de fanfarronice, honra, ingenuidade e sangue-frio.
Havia uma enorme quantidade de mercenários brancos, da África Setentrional, em veículos roubados, fugindo da zona de guerra onde eu tinha procurado chegar. Vários condutores abrandavam, mas ao verem a milícia aceleravam de novo. Terão passado por mim mais de 50, Depois chegou uma carrinha Peugeot nova. O condutor meteu travões a fundo, fez marcha-atrás na minha direcção, abriu a porta tra,c,ira e gritou:
— Salta para dentro.
— Tenho uma arma encostada às costas.
— É por isso mesmo que estou a dizer para saltares cá para dentro.
Obedeci. Ele acelerou. Com o ombro fracturado, não podia fechar a porta, e o vento acabou por se encarregar de o fazer. Aproximámo-nos do posto fronteiriço. O condutor buzinou fortemente, fez sinais de luzes e acelerou. Os guardas, temendo, pelo menos aparentemente, que ele se espatifasse a nova barreira ,levantaram-na à pressa .Tínhamos cabado de sair de um território autoproclamado Republica do Catanga
Mas porque é que os guardas nos teriam deixado passar , sem abrir fogo ?
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— Não têm munições. Não lhes pagaram os ordenados. Damos--lhes cigarros, que eles trocam por comida.
Através do reflexo no retrovisor, vi o rosto do condutor, um semblante grave, mas impassível. Tal como o seu companheiro, devia andar na casa dos 30 anos, tinha uma tez típica da população do Sul da Europa, cabelo escuro e um bigode cuidadosamente aparado. Envergavam camisas brancas acabadas de lavar e engomar. Traziam ao pescoço um pequeno crucifixo e um medalhão pendurado num fio de ouro.
Disseram-me que faziam contrabando de cigarros para o Congo, a partir do território que é hoje a Namíbia. Levaram-me a uma clínica junto à mina de cobre, em Kitwe, onde me fizeram uma radiografia, deram-me uma injecção e ligaram-me. Transportaram-me, depois, até uma casa de repouso da companhia mineira, onde me apresentaram à administradora inglesa.
— O chá da manhã é as cinco e meia — disse ela.
— Não vou querer. Preciso de descansar.
— Lamento - afirmou ela —, mas, se abrisse uma excepção consigo, todos os outros queriam o mesmo, não é? O último pequeno--almoço na sala de jantar é às seis e meia.
Fez-me uma ligação telefónica para Terence Lancaster, o meu editor-chefe em Londres, que me disse:
— Lamento muito o que te aconteceu, só que há um motim numa fábrica de cigarros, na Cidade do Cabo e, se não estiveres lá amanhã de manhã, parto-te o outro ombro.
Os meus salvadores pagaram-me um copo de aguardente sul--africana, deram-me um maço de Rothmans, verificaram se tinha dinheiro suficiente na carteira e, depois, deixaram-me, de novo, entregue à cultura indígena. Nunca mais os tornei a ver. Foi a primeira vez que, pelo menos conscientemente, me tinha cruzado com portugueses — um primeiro encontro, não apenas com a sua extraordinária disponibilidade para ajudar um estrangeiro em apuros, mas também com o seu misto de fanfarronice, honra, ingenuidade e sangue-frio.
Última edição por Vitor mango em Dom Ago 06, 2017 11:55 pm, editado 1 vez(es)
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Re: ...misto de fanfarronice, honra, ingenuidade e sangue-frio.
Foi a primeira vez que, pelo menos conscientemente, me tinha cruzado com portugueses — um primeiro encontro, não apenas com a sua extraordinária disponibilidade para ajudar um estrangeiro em apuros, mas também com o seu misto de fanfarronice, honra, ingenuidade e sangue-frio.
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Re: ...misto de fanfarronice, honra, ingenuidade e sangue-frio.
amen
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Re: ...misto de fanfarronice, honra, ingenuidade e sangue-frio.
amsm
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