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Mao foi vencido por J. S. Bach

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Mao foi vencido por J. S. Bach Empty Mao foi vencido por J. S. Bach

Mensagem por Vitor mango Dom Jun 21, 2009 4:35 am

Mao foi vencido por J. S. Bach
19.06.2009 - Cristina Fernandes
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A revolução maoísta roubou-lhe a juventude, mas a música deu-lhe coragem para vencer os obstáculos. Zhu Xiao Mei é hoje uma pianista reconhecida e autora de uma tocante autobiografia. No domingo toca as "Variações Goldberg" de Bach no Festival de Sintra

Os chineses costumam dizer que a vida começa aos quarenta e assim aconteceu com a pianista Zhu Xiao Mei (n. 1949), a quem os melhores anos da sua juventude foram roubados pela Revolução Cultural de Mao Zedong (1966-76) e viu assim interrompida a sua formação musical e uma futura carreira que se afigurava brilhante. Só a conseguiu retomar no exílio, nos EUA e em Paris, já nos anos 80, depois de um período negro e de uma lavagem ao cérebro num campo de reedução que a chegou a fazer acreditar que a música ocidental era "burguesa e decadente".

Já quase tinham passado os cinco anos de trabalhos forçados nesse campo perto da fronteira da Mongólia, quando Zhu Xiao Mei descobriu um velho acordeão e tentou tocar algumas notas. A partir desse momento despertou de novo para a música e decidiu a todo o custo retomar a sua vocação. A mãe enviou-lhe o velho piano de infância num comboio de mercadorias e a jovem conseguiu iludir os guardas, dizendo-lhes que praticava as músicas chinesas da Sra. Mao aceites pelo regime, quando na verdade estudava Bach - chegou a copiar o "Cravo bem Temperado" às escondidas para poder partilhar as partituras com alguns colegas - Beethoven ou Rachmaninov.

Zhu Xiao Mei, que se apresenta no domingo (às 19h) no âmbito do Festival de Sintra, publicou em 2007 em Paris um livro autobiográfico tocante que se encontra disponível em tradução portuguesa, pela editora Guerra e Paz, sob o título "O Rio e o seu Segredo". Esta obra, que granhou em 2008 o "Grand Prix des Muses", tem a mesma estrutura das "Variações Goldberg", de Bach: uma "Ária" no início e no final e 30 capítulos correspondentes às 30 variações. É esta obra-chave, que preencheu o programa do primeiro concerto importante da pianista em Paris e a sua primeira gravação (recentemente reeditada pela Mirare), que tocará no Palácio de Queluz.

"Foi a música de Bach que me deu coragem para me tornar mais humana", disse Xhu Xiao Mei ao Ípsilon numa conversa telefónica. "Trabalhei as Goldberg durante cinco anos antes de as tocar em público porque é uma peça difícil. Acredito que temos de estudar durante longo tempo até conseguirmos passar algo para o público. Tal como a minha vida é uma obra muito rica, às vezes demonstra orgulho, outras é meditativa, melancólica ou cheia de humor. Está lá tudo."

Bach era budista

Uma das ideias interessantes que desenvolve no livro reside na proximidade que estabelece entre Bach e a cultura chinesa. "Quando me falam disso sempre brinco: vocês não sabem, mas Bach era budista! É música universal. Para os chineses e para os budistas é muito pacificadora, traz muita serenidade. "

Com o livro Zhu Xiao Mei não quis apenas revelar ao mundo o resultado devastador da política de Mao. Quis também que as pessoas voltassem a ouvir Bach. "Durante muito tempo recusei-me a escrever o livro, mas um amigo disse-me que ele poderia também cativar pessoas para a música. Durante muito tempo as pessoas achavam Bach muito difícil mas agora todos ouvem as Variações Goldberg." No entanto, imagina que um programa com esta obra não seria bem recebido actualmente na China. "Preferiam de certeza algo mais espectacular, mas a minha abordagem à música é diferente, não gosto de espectáculo." Por isso não se identifica com a nova geração de pianistas chineses, alguns deles com o estatuto de estrelas. "Há muito talento, mas é preciso dar mais tempo aos jovens para encontrar algo mais profundo." Quase não tem contacto com a actual vida musical chinesa. Quando vai ao seu país passa o tempo com os pais que estão velhos e doentes. Recusou-se também a deixar traduzir o livro na China. "Ainda não estou psicologicamente preparada e sei que o meu pai diria que não o devia ter escrito, não quero magoá-lo."

Zhu Xiao Mei nasceu em Xangai no seio de uma família burguesa que apreciava as artes e a cultura ocidental. Quando tinha três anos viu chegar à sua casa um objecto misterioso. Era um piano e apaixonou-se por ele. Começou a ter lições com a mãe e aos seis anos já tocava na rádio e na televisão de Pequim. Aos dez anos passou a frequentar a Escola Estatal de Música obtendo resultados brilhantes, mas a sua formação foi interrompida pela Revolução Cultural. "Em criança perdi tudo mas a música ajudou-me a sobreviver. Depois, no Conservatório a ideologia sobrepôs-se a tudo. Convenceu-me de que era preciso queimar livros e partituras, que o Pequeno Livro Vermelho bastava. Quando cheguei a Zhangjiako, não passava de uma pequena selvagem manipulada", conta no livro. "O poder da música é tal que ressurgiu na minha vida sem que eu consiga explicar como." Mais tarde viria a compreender que "a música é muito importante na vida humana, que é mais poderosa do que a política e a religião pois apenas a música pode unir as pessoas."

Em 1979, aos primeiros sinais de abertura do regime de Mao, Xiao Mei foi viver para os EUA onde conseguiu acabar o curso superior de piano aos 33 anos, mas onde passou também dificuldades (foi mulher a dias, babby sitter, empregada de restaurante). Em 1985 transferiu-se para Paris, onde ainda reside, e só a partir daí a sua carreira iniciou-se verdadeiramente. Começou a dar concertos em festivais importantes como La Roque d'Anthéron ou La Folle Journée de Nantes e gravou vários discos com obras de Bach, Scarlatti, Haydn, Beethoven, Schubert e Schumann, sendo actualmente professora no Conservatório Nacional Superior de Paris.

Mantém o sonho de vir a fundar uma escola de música na China, mas por enquanto as suas maiores procupações são tocar, ensinar, apreciar outras artes como a pintura e meditar para se conhecer melhor e encontrar a liberdade interior. "Estar em paz comigo própria é mais importante do que todos os sucessos que possa ter como pianista."
Vitor mango
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