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Uma das partes subordinada ao âmago da questão: o comum dos comuns, ou a ontologia

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Mensagem por TheNightTrain Sáb Set 12, 2009 11:01 am

Formação em Psicanálise
Seminário “Perversões em Freud e nos Pós-Freudianos”



Relações entre a Histeria e a Perversão

Isaac Levensteinas

2005

Introdução

Pretendo
através deste trabalho tentar levantar questões e também delimitar
algumas diferenças e semelhanças entre a neurose (sobretudo a histeria)
e a perversão.
As teorias psicanalíticas tentam delimitar,
conceituar e refletir sobre um determinado objeto de estudo e
observação. Em alguns momentos, elas lançam mão de idéias que ao
delimitar algo correm o risco de criar impasses no momento em que se
está diante de um paciente real.
Calligaris nos diz que “a vida concreta sempre tem o direito de
condenar as idéias (...) Pois a vida concreta tem o mérito radical de
ser o que existe, ou seja, um emaranhado (...)” (4) e neste caso eu
acrescentaria: algo que a teoria não dá conta.
Quando nos deparamos com a clínica, vemos que existem nuances,
misturas, interfaces que desafiam um determinado olhar teórico sobre
algo.
A escola psicanalítica francesa é marcada pelo conceito de estrutura
clínica, onde se destacariam três estruturas: a neurose, a psicose e a
perversão. Está ligado a este conceito um determinado modo de
funcionamento da mente, um modo de relação do sujeito com o outro e com
o seu desejo, sendo este modo algo rígido e imutável.
Porém Maria Helena Saleme, por exemplo, vai questionar os diagnósticos
psicopatológicos pelo risco de “que nos ensurdeçam, nos ceguem e nos
engessem”. (11) A mesma autora prefere utilizar o conceito de estilo ao
invés de estrutura já que o primeiro termo “traz em si um movimento que
a idéia de estrutura paralisa.” (11). Aqui Saleme levanta a idéia da
possibilidade de mudança do ser humano
A idéia de estrutura ajuda a diferenciar e classificar diferentes
apresentações clínicas, sendo extremamente útil como instrumento para o
pensar, mas por outro lado, como Saleme aponta, no conceito de
estrutura há a idéia da imutabilidade, algo que de modo algum me parece
uma questão livre de polêmica. Além disso, como explicar, dentro do
conceito de estrutura, que existam em uma pessoa de determinada
estrutura o uso de mecanismos de defesa pertencentes à outra estrutura?
Por que estou levantando esta questão? Porque ao me deparar com os
conceitos e modos de funcionamento da histeria e da perversão, via – me
com freqüência tendo que pensar em que diferiam e em que se
assemelhavam; se por um lado pareciam coisas absolutamente diferentes,
por outro há uma interface capaz de provocar bastante confusão. É a
partir desta problemática que me vi tentado a aprofundar o tema.

Os fantasmas do perverso e do neurótico são os mesmos

Houve
inúmeras frases de Freud que se tornaram célebres e sem dúvida nenhuma
uma delas foi: “A neurose é o negativo da perversão”. Através desta
idéia Freud destacou que as fantasias dos neuróticos e dos perversos
são as mesmas. Aliás, ele foi genial ao ir mais além, quando mostrou
que toda criança era dotada de uma sexualidade e que esta era perversa
polimorfa, conforme seus “Três Ensaios” (9)

Modo de expressão

Deste
modo, uma primeira diferenciação a ser feita entre a neurose e a
perversão se dá não pelo tipo de desejo sexual, mas por que modo este
pode se expressar. Para o neurótico, o desejo vai se expressar pela
formação do sintoma que é uma formação de compromisso entre o desejo e
a censura. Já no perverso o desejo aparece pela via da atuação, ou,
dito de outro modo, o perverso age, ele encena o desejo. Enquanto o
neurótico vive sua sexualidade na fantasia, o perverso a vive através
da atividade, da ação. (12)

Relação pulsão / dique

Haveria
uma diferença no interjogo da pulsão e do dique que se interpõe ao
pleno escoamento da pulsão (a censura). É porque a censura se mostra
muito intensa no neurótico que o único modo de escoamento do desejo é
que este venha disfarçado, via sintoma. Já no perverso, ou haveria um
excesso de pulsão ou um dique mais enfraquecido, como retomarei adiante.

A questão da castração e do desejo

Tendo
em mãos a teoria do complexo de Édipo e do complexo de castração, houve
um avanço substancial na compreensão tanto das neuroses (“o complexo de
Édipo é o núcleo das neuroses”) como das perversões.
Freud fez
questão de manter o termo “castração” para ser usado na época em que a
criança ingressa na fase fálica. Refere-se a uma fantasia que a criança
tem ao perceber que as mulheres não tinham pênis. Diante desta
percepção, o menino conceberá a idéia de que houve uma castração (e não
que o sexo das mulheres é diferente do dele) e logo a seguir surge a
idéia de que se ele não abandonar seu objeto de amor, será castrado
também. Quando a criança se dá conta disto, ela se depara com a
percepção de que sua mãe é incompleta, não mais onipotente como antes
imaginou, e se depara com a percepção do desejo entre os pais que se
sustenta na diferença dos sexos. É o momento que perceberá também que
esteve enganado o tempo todo sobre o “seu saber”.
É ao se deparar com a falta que o sujeito pode se constituir como
sujeito do desejo. É neste momento que se dá conta da dependência do
outro.
Tanto o individuo histérico quanto o perverso parecem ter um
enroscamento justamente nesta fase, apesar de que no período pré
edípico já ocorreram uma série de vicissitudes que marcarão a entrada,
tanto do histérico como do perverso, no complexo edípico e na fase
fálica. (ver adiante)

Sobre a perversão

Piera
Aulagnier vai trabalhar com o conceito de estrutura perversa e vai
defini-la a partir deste momento em que o perverso é confrontado com a
realidade da diferença entre os sexos (1), algo que começa a se
instituir nesta fase.
Para a autora, o perverso tem uma vivência da
ordem do horror no confronto com a diferença dos sexos e nisto está a
confirmação de que ele está condenado a perder o objeto do desejo (a
mãe) assim como o seu pênis. Ele não consegue reconhecer que ao
renunciar à mãe, ele está abrindo as portas para o desejo por outras
mulheres, ao reconhecer que há uma Lei, ele pode ter garantido para si
o estatuto de sujeito desejante. (1)
Nas pessoas não psicóticas e não perversas, a descoberta da diferença
dos sexos tem um efeito de fascinação nos órgãos sexuais, pois eles
presentificam a diferença entre os pais e o jogo do desejo. A diferença
sexual é o símbolo da diferença entre as pessoas. O perverso tem horror
diante disto porque para ele é algo brutal, a castração é algo real
para ele. (1)
É aqui que entra o mecanismo de defesa central da perversão que é a recusa.
Em seu texto sobre o fetichismo (7), Freud vai dizer que o fetiche é um
substituto para o pênis, não para qualquer pênis, mas para o pênis que
o menino antes acreditou que a mãe possuía. Através do fetiche, há uma
recusa em aceitar a percepção de que a mãe não tem pênis. Neste
mecanismo, a percepção não é inteiramente apagada. Freud diz: “não é
verdade que, depois que a criança fez sua observação da mulher, tenha
conservado inalterada sua crença de que as mulheres possuem um falo.
Reteve essa crença, mas também a abandonou. No conflito entre o peso da
percepção desagradável e a força de seu contradesejo, chegou-se a um
compromisso (...) Sim, em sua mente a mulher teve um pênis, a despeito
de tudo, mas esse pênis não é mais o mesmo de antes. Outra coisa tomou
seu lugar, foi indicada como seu substituto, por assim dizer, e herda
agora o interesse anteriormente dirigido a seu predecessor. Mas esse
interesse sofre também um aumento extraordinário, pois o horror da
castração ergueu um monumento a si próprio na criação desse
substituto”.(7)
Como se vê, o próprio Freud ressalta o horror que o fetichista sente ao se deparar com a castração.
Penso que este intenso horror pode estar ligado à concretude com que o
perverso compreende a idéia de castração, algo que exige um mecanismo
engenhoso para dar conta de algo que não consegue ser simbolizado.
Como Freud nos esclarece, o fetiche é e ao mesmo tempo não é o pênis,
ele diz “a mulher teve um pênis, a despeito de tudo, mas esse pênis não
é mais o mesmo de antes” – a percepção não pode ser apagada, o fetiche
está lá para negar a ausência do pênis, mas ao mesmo tempo é aquilo que
sempre lembra esta ausência, lembra que algo está no lugar do pênis
ausente (isto é um dos pontos de diferenciação do perverso em relação
ao psicótico). Haverá um lado que se ajusta ao desejo e outro que se
ajusta à realidade e ambos caminham juntos. (7)
O fetichismo é o ponto de partida para a perversão, o que está em jogo
é a crença na onipotência da mãe ou, dito de outro modo, crença na
feminilidade fálica.
Piera parece partir daí para ampliar a idéia da perversão, aliás, ela
parece levar as idéias de Freud às últimas conseqüências na medida em
que na relação com o outro o perverso tentará provar o tempo todo que a
castração não existe. Um outro modo de rejeitar a castração é fazer
dela uma forma de gozo. (1)
Antes de prosseguir, é preciso dizer que o que está em jogo é a idéia
de uma castração simbólica, castração do falo enquanto emblema da
completude, da onipotência do desejo. Em oposição ao falo, a falta.
É preciso dizer também que o fetiche, que tem como finalidade ocultar a
falta, pode ser direcionado a qualquer coisa. Ou seja, qualquer coisa
pode ser “fetichizada” – ou, dito de outro modo, o perverso pode se
valer de várias artimanhas em que o mecanismo central é o do fetiche.
Numa relação em que o perverso ocupa um lugar masoquista – um lugar
essencialmente de submissão – não deixa de existir a fantasia de que
alguém ocupa o lugar fálico e ainda: o masoquista é aquele que outorga
ao outro o direito de dominar sua vida, é ele quem “tem o poder extremo
de investir um outro da potência fálica.” (1). Assim, a própria relação
com o outro é “fetichizada”.
O perverso é aquele que pretende ter um plus de saber sobre a verdade
do gozo, saber este que na verdade é um engodo, mas que pode prender ao
outro na armadilha da fascinação. (1)
Ao “transformar dor em prazer, o horror da castração em um motivo de
gozo, a desaprovação e a degradação em valorização narcísica” (1) , o
perverso parece estar acima dos meros mortais, parece estar acima do
bem e do mal, parece não ser atingido por nada. Ele é o senhor do gozo,
como se soubesse determinar suas leis.
É claro que é uma ilusão; ao ultrajar a Lei – como se dissesse que a
Lei é para os bobos – há uma referência a esta – a Lei não é de todo
inexistente.
Ao recusar a castração, o perverso mantém a crença na onipotência da
mãe, na onipotência do desejo, mantém-se acreditando em um atributo
fálico onipresente e onipotente. Ele irá “recusar que ele possa não ser
a representação da totalidade do que a mãe deseja”. (1) A castração
coloca em jogo a percepção de que há um mundo de gozo e desejo entre os
pais do qual a criança está excluída.
O perverso não consegue transformar o horror que sente diante da
diferença dos sexos em fascinação. Ele tem como seu enunciado a certeza
da unissexualidade original e o pai como agente de uma castração real
(1). Ele convive com duas idéias antagônicas dentro de seu ego (há uma
divisão em seu ego) – “a mãe tem pênis” e “a mãe foi castrada pelo
pai”. Ao dizer que o pai castra a mãe, há para ele uma marca sangrenta
que se refere a uma mutilação, a causa do horror que “faz de todo o
desejo algo que coloca o próprio ser do sujeito em perigo”. (1)


Sobre a histeria

Freud vai dizer que a histeria está ligada a uma fixação à fase fálica.
Nesta fase, ao se deparar com a percepção de que a mãe não tem falo, o
mundo da criança passa a ser dividido entre fálicos e castrados, os
primeiros considerados seres superiores e os segundos, inferiores (11).
É ao passar pela resolução do complexo edípico que a criança poderá
apreender a diferença entre os sexos e dividir as pessoas em homens e
mulheres.
A histérica, ao estar fixada nesta fase, verá o mundo dividido em
fálicos e castrados.Não há possibilidade ainda de se dar conta da real
diferença entre os sexos. Na fase fálica, o pênis como valor fálico é a
única referência – só existe um genital.
A histérica não sabe o que é ser mulher, portanto representa ser
mulher, por isto muitas vezes demonstra um ar teatral, exagerado, dando
a sensação de artificialidade. Ser mulher para ela é fantasiado dentro
do registro que ela conhece, o fálico, assim ser mulher passaria a ser
uma equivalência simbólica com ter o falo. Ela não pode tolerar não ser
mulher porque para ela isto significa ser castrada. Então aqui entra a
encenação histérica do que ela julga ser mulher.
Assim, a feminilidade é passível de ser invejada pela mulher
histérica,não qualquer feminilidade, mas uma feminilidade fálica (2).
A solução histérica para o complexo de castração é “falicizar o corpo
não genital”. “O histérico não tem o falo, ele é o falo”. (11) Freud
coloca que o excesso de adereços numa mulher seria uma tentativa de
compensação pela sua falta de pênis.Há um jogo que se passa na
falicidade, em que há uma ilusão de não estar se perdendo nada.
Segundo Silvia Fendrik, do ponto de vista estrutural a histeria supera
o âmbito do psicopatológico para ser um modo específico de estruturação
do desejo relacionado ao Édipo. Neste campo podemos entender a
necessidade de um outro para quem ela dirija seu discurso e a presença
do dilema entre ser e ter ou não o falo ao mesmo tempo que este é
aludido por meio apenas de um “parecer”. Através de uma identificação
com o pênis, o corpo inteiro se transforma em um falo para o olhar do
outro. (6).

Tanto o perverso quanto o histérico...

Depreendo
do que foi dito que tanto o perverso quanto o histérico estão tentando
lidar com a questão da castração. Em ambos há uma dificuldade central
que é lidar com a falta e em ambos há uma referência à falicidade.
Para Joel Birman, a feminilidade seria o contraponto da falicidade.
Enquanto o falo é a completude, a feminilidade pressupõe a aceitação da
castração enquanto representante da percepção da falta e do desamparo
inerente à condição humana. É pela feminilidade que se marca a
diferença entre os sujeitos enquanto apenas diferenças, não mais como
juízos de valor. Neste sentido, todos nós, mulheres ou homens,
precisamos nos tornar femininos. A instauração da feminilidade se
relaciona com uma aptidão para a renúncia e exige luto. Já a mediação
do falo é usada para ofuscar a vivência de desamparo. (3)
Saleme irá ainda acrescentar em seu texto sobre a histeria a idéia de
que a “crença no poder fálico” é “uma tentativa de neutralizar um
excesso pulsional sem representação”. E ainda: “O arranjo fálico é uma
defesa frente à feminilidade”. (11)

Defesas perante a castração

Para
se defender da castração, o perverso irá usar um mecanismo mais
poderoso que a repressão (usada com freqüência pelo neurótico) que é a
recusa. Ele tentará provar o tempo todo (no fundo, para si mesmo) que a
castração não existe, ou que quem a faz é ele ou que a castração é “de
mentirinha”, de brincadeira. A recusa é um mecanismo em que uma
percepção é substituída por uma crença. Ela vem junto com uma cisão do
ego em que parte deste usa a repressão e parte usa a recusa.
Nas
atuações do perverso, há uma encenação da castração. Um exemplo: numa
relação em que ele está num lugar masoquista, a cada vez que ele se
submete a algum tipo de violência, a agressão ao seu corpo (mas que
pode ser uma violência que não agride fisicamente e sim moralmente)
representa a violência que ele imagina ter ocorrido na fantasia de
castração da mãe e ao mesmo tempo, ao sobreviver a esta violência, ele
reafirma que a castração é de brincadeira ou que ele está acima dela,
pode gozar com ela. (1)
O fetiche é o equivalente do pênis da mãe, há o uso de uma equação
simbólica e não de um símbolo como o histérico é mais capaz de fazer,
denunciando uma menor capacidade de simbolização do perverso perante o
histérico.
Já o histérico não tenta mitigar a castração: a castração existe, mas
ele tenta fazer com que quem seja castrado seja o outro e não ele. É o
outro que fica no lugar da falta.
É como se o histérico quisesse ganhar, mas ganhar dentro das regras do
jogo. Já o perverso quer ser ele o que cria as regras do jogo e ri
daqueles que o jogam.
“O histérico estaria marcado pela castração, gastando grandes
quantidades de energia corporal e psíquica para manter inconsciente
este conhecimento”.(11) O mecanismo da repressão está presente nesta
defesa. Já o perverso tem também uma referência à castração – e isto o
diferencia do psicótico – porém penso que o conhecimento desta é
expresso não como no neurótico em que aparece via sintoma, mas por via
da atuação e da ação. Porém aqui há uma questão a ser pensada, porque a
histérica também atua.
Quando Freud brilhantemente percebeu o conceito de transferência,
abria-se espaço para pensar que é na relação com o outro que se revive
as questões fantasmáticas e é na relação com o outro que se dá por
excelência o palco das atuações. Tanto a histeria como a perversão
implicam não um mero comportamento sexual ou um sintoma, mas todo um
modo de relação do sujeito com o seu desejo e com o outro. A diferença
se dará então pelos significados das atuações: a questão que vai se
marcando como cerne da diferença entre estas duas entidades é
profundamente ligada a saber o que quer uma histérica e o que quer um
perverso.
Ao não tolerar a diferença anatômica interpretada por ela como
castração, a histérica também não tolera a renúncia ao casal de pais.
Porque ser castrado é sair da relação de completude com a mãe (e cuja
busca depois é transferida ao pai), sair do lugar de falo da mãe. A
histérica apresenta um intenso erotismo – incestuoso – em virtude de
suas fixações edípicas que é dirigida tanto ao pai (Édipo positivo)
como à mãe (Édipo negativo), porém este erotismo é reprimido. Freud
coloca em “A feminilidade” (1933) que a repressão atrapalha o caminho
para a feminilidade por poder fazer perder demasiados elementos deste
caminho (Cool
Ao sugerir enigmaticamente que tem algo a mais que não se vê – e isto
pode estar nas vestes, no modo de falar ou pode estar na idéia de um
segredo que parece estar preste a ser revelado, mas ela não pode
contá-lo – a histérica transmite ao outro que quem está com a falta é
ele e não ela.
Neste sentido, reforço novamente que a histeria deixa de ser apenas uma
descrição de sintomas conversivos para ser todo um modo de relação na
qual o homem confirmaria à histérica, ao desejá-la e colocá-la em
determinado lugar, que ela seria uma mulher. A histérica necessita de
um outro externo que lhe valorize uma vez que no fundo se sente lesada.


O desejo e a paixão

Para
Piera, o desejo é sempre desejo do desejo, isto é, desejo de ser
desejado. Ao se tornar sujeito desejante, está implícito que houve o
registro da falta, da dependência do outro, outro que o sujeito não
controla. Deste modo, o desejo se opõe ao falicismo. Deste modo, por
tentar se manter no falicismo, tanto o perverso quanto o histérico
terão que se defender de perceber o próprio desejo.
Para a
histérica, a sua busca se centra essencialmente em ser desejada. Para
ela estar no lugar de desejante é humilhante. Ao virar “fálica”, ela se
protege da condição de desejante. O desejo coloca o brilho fálico no
outro, ele “faliciza” (12). Por isso ela busca o desejo do outro. (Mas
ninguém pode ser realmente o falo, é o desejo que investe qualquer
coisa de características fálicas, o próprio pênis só adquire esta
característica ao ser investido pelo desejo). (12)
Para o perverso, este busca ser o senhor do desejo, aquele que sabe
como fazer o outro gozar, aquele que inspirará no outro a fantasia de
que alguém sabe algo além sobre este caminho do gozo. Agora é
fundamental diferenciar que o perverso não está buscando ser desejado
pelo outro, ele precisa do outro para que este testemunhe aquilo que
ele quer provar: que a castração não existe ou que é de brincadeira e
que é ele quem controla o desejo, sabe sobre ele. O perverso tenta
submeter o outro ao desejo enquanto o histérico tenta despertar o
desejo do outro.
O perverso não consegue mudar do desejo de um objeto parcial para o
desejo de um outro, “desejo do desejo” nas palavras de Piera Aulagnier.
(1) Para ele a lei é a lei do desejo, mas é o desejo da pulsão parcial.
O masoquismo da perversão é o masoquismo em que o indivíduo diz que por
alguém ele agüenta tudo, a questão não está na dor, mas no poder, “eu
te desejo tanto que a dor não é nada” (12). É claro que é uma falácia,
o perverso é capaz dos mais belos discursos sobre o amor, como ressalta
bem Clavreul ao falar do casal perverso (5), mas não é capaz de
realmente amar, porque amar pressupõe dois sujeitos desejantes e
essencialmente diferentes um do outro. O amor exige para existir a
possibilidade de enxergar o outro, mas o perverso não pode reconhecer
que o outro é singular (11) O “amor” do qual o perverso fala é um amor
poderoso, que melhor se adequa á paixão. É neste sentido que Piera dirá
que nem toda paixão é uma perversão, mas toda perversão é uma paixão
(2). Uma paixão porque a paixão é cega – não há real percepção do outro
– e porque é uma crença na completude. Paixão definindo uma forma de
vínculo em que um objeto é indispensável – voltamos ao registro da
onipotência. Paixão enquanto perversão do desejo.(2)
É claro que o histérico pode se apaixonar, aliás, muitas vezes
apaixonar-se-á justamente por um perverso já que este tão
convincentemente fará o histérico sentir que alcançou a completude. E,
em nome deste amor, ele poderá se submeter a vários atos, inclusive
deixar de lado seus valores. Mas o histérico tem mais perto de si a
castração, a paixão tenderá ao término porque o histérico não consegue
viver o tempo todo neste lugar onde a falta não existe, onde não há
lei. Se o desejo confere ao outro o lugar fálico, no momento seguinte
este pode ser retirado. O perverso tentará fazer de sua vida inteira um
estado de paixão na medida que tentará manter o tempo todo presente a
crença na onipotência, cujo protótipo é a onipotência da mãe.

O saber

Um
outro aspecto que diferencia o neurótico do perverso é que o primeiro
reconhece que houve um engano a respeito da presença do falo da mãe,
enquanto o segundo não tolera isto, mantendo as suas certezas. O
perverso não tolera nada que se refira ao não saber, ao desconhecido,
ao imprevisível. Assim, usará defesas para lidar com o tempo, com o
espaço, com a morte, com o acaso – situações que o tempo todo desafiam
nossas certezas - de modo a se sentir senhor destes ou de modo a gozar
através deles. Maria Rita Kehl diz “a dúvida tem um papel fundamental
de abrir brechas na fortaleza das certezas imaginárias”. O perverso não
tolera a dúvida.

O lugar do terceiro e a relação com os pais

Por se situarem no período edípico, tanto o perverso quanto o histérico terão a percepção de um terceiro.
O histérico, ao querer ser desejado, não suporta que o outro deseje
outra coisa que não ele, neste caso se sentindo no lugar de excluído.
Estabelece-se um triângulo amoroso cujo modelo básico é o casal de pais
e a criança em que os papéis são constantemente mudados, mas no qual
sempre um fica no lugar do excluído. E excluído é entendido como
castrado.
Já no caso do perverso também há um terceiro, mas este acaba ocupando
um lugar de testemunha da relação perversa estabelecida entre o próprio
perverso e um outro indivíduo, muitas vezes um neurótico. Neste lugar,
a testemunha poderá ter a vivência de horror, de fascinação, de
impotência, de cumplicidade ou estar lá e ao mesmo tempo não ver –
estar “cego”. (5) Penso que o lugar de testemunha é o lugar que um dia
o pai ocupou. O perverso na infância sofre uma sedução da mãe muito
intensa, a mãe colocando seu filho como alguém que representasse a
plenitude absoluta num sentido quase concreto do termo, ela acredita e
faz acreditar que a sedução é real. (1) Já o pai, este fica impotente,
cúmplice, cego ou fascinado, enfim, um pai que falha em sua função de
interdição. Há um pacto de cumplicidade entre mãe e filho em que o pai
fica excluído. (12)
A histérica também sofre de uma sedução, mas é uma sedução “de
mentirinha” porque os pais do perverso têm dentro deles a lei
instaurada (12). Isto significa que por mais que digam que o filho é a
perfeição das perfeições, há espaço para se perceber que isto no fundo
não existe, está na ordem do ideal.
Poder-se-ia dizer que no neurótico há um fantasma da sedução forjado
pelo próprio sujeito enquanto no perverso houve uma sedução “mais
além”, atuada pela mãe dele.(12) A mãe do perverso pode dizer que a
erotização entre eles não deve ocorrer, mas é um “não” de brincadeira,
no fundo ela adora ser desejada pelo filho. O que ela diz não condiz
com o que ela faz.
Uma mãe que diz que se casou para ter filhos e vive demonstrando isto é
um exemplo de uma mãe que facilita a criação de um futuro perverso, ela
reforça que não casou por um desejo direcionado ao pai e sim ao futuro
filho. (12) E o perverso irá recusar a lei da filiação, onde ser filho
é conseqüência do desejo entre os pais e não causa do desejo entre
eles. (1) A mãe fica como o lugar do desejo, lugar da onipotência, o
pai deseja a mãe, não é a mãe que deseja o pai. (12) o pai induziu a
mãe ao pecado do desejo, o pai é responsável por este “horror” e,
portanto, não pode ser desejado pela mãe. (1)
No caso do perverso, é a idealização da mãe que evita com que haja o
incesto, apesar de não ter ocorrido a resolução do complexo de Édipo.
(13)
O menino com potencialidade perversa não suporta que sua mãe não é
onipotente, ele a mantém neste lugar e assim também se mantém no lugar
do ego ideal, lugar de completude. O perverso vai ver a mãe como
onipotente para sempre, enquanto o neurótico a deixa de ver assim. (12)
A mãe onipotente é também ameaçadora e a criança tem medo dela, se a
criança não a seduz o tempo todo, imagina que ela a devore. (12)
A mãe do perverso é a mãe pré-edípica e está ornada com os atributos fálicos. (12)

Sedução

Tanto
o perverso quanto a histérica tentarão seduzir: a histérica usará suas
armas de sedução para que atinja o lugar de desejada. Entre estas armas
está seu próprio corpo, mas ela também poderá fazer o outro acreditar
que é especial. Em alguns casos, seduzirá pela pena ou culpa que
inspira.
Já no perverso, a sedução parece centrar-se na idéia de
fazer o outro sentir que de fato é possível atingir o gozo, de fato é
possível existir um estado de onipotência e em que se está acima da
castração. Mas o perverso sente um prazer íntimo de fazer o outro de
bobo, de fazer o outro abandonar seus próprios valores em prol da lei
do desejo que o próprio perverso acredita seguir. Junta alguém que quer
crer com alguém que pensa que sabe.
Ele precisa acreditar que sua força de sedução é maior do que qualquer princípio. (11)
Cultura
A relação com a cultura será diferente, o histérico estará muito atento
aos valores que a cultura utiliza como símbolos fálicos e desejará
estar no “seleto grupo” dos possuidores de tais símbolos. O perverso
também, a meu ver, está atento à cultura, só que, sobretudo sobre os
valores desta para que a partir disto possa desafiá-los. Muitas vezes o
perverso poderá ter atos que estão em desacordo com lei, mas é
importante diferenciar que perversão não é transgressão, para ele o
desejo é maior que qualquer coisa (11), não é uma busca primária de
causar o mal. (11) O ultraje à lei é a única maneira de ficar integrado
à ordem da lei, é a referência para nós de que há uma lei que de algum
modo é percebida. (1)
Sexualidade
Todo jogo da sexualidade envolve o outro, envolve ser tocado pelo corpo
do outro e explorar aquele que não é o sujeito, há uma relação de
interdependência que será recusada pelo perverso.A liberdade sexual
pregada pelo perverso é uma falácia, é o único acesso que ele tem ao
desejo. Por trás da liberdade que ele fala, no fundo há uma enorme
fixidez num determinado modo de agir, o outro deve seguir rigorosamente
um contrato prescrito pelo sujeito da perversão, contrato que assim
seguido acaba com as possibilidades do imprevisível e nega-se mais uma
vez a realidade do outro. (1) As fantasias dos neuróticos são iguais
aos do perverso, mas o neurótico a mantém sob um reduto íntimo, ele até
conta, mas o faz com vergonha, ele atinge o prazer usando as fantasias,
o perverso vai fazer questão de exibir sua fantasia. (12)

Questões finais

Dadas
as questões acima, penso que ainda assim em nossa prática clínica
muitas vezes pode ser difícil discriminar se estamos lidando com um
indivíduo perverso ou histérico, seja para quem trabalha com o conceito
de estruturas, seja para quem trabalha com algo mais flexível como a
idéia de estilos, como sugere Maria Helena Saleme.
Uma coisa é
evidente em nosso cotidiano: todos nós usamos em determinados momentos
a defesa da recusa, quando substituímos uma percepção por uma crença. A
diferença neste caso para o perverso seria que este usa este tipo de
recurso quase o tempo todo, quase como se fosse uma “missão de vida”.
Além disso, todo objeto de amor tem uma condição fetichista, alguma
característica da pessoa que atrai o sujeito,como uma barba por
exemplo. Assim a condição fetichista esta em todos nós, mas no perverso
há a recusa da castração.
Um outro ponto que gera dúvidas é que um histérico pode se submeter,
por exemplo, a uma relação sado-masoquista. Lembremos que a histérica
precisa de alguém que a coloque num lugar fálico e que neste lugar a
deseje. Para estar neste lugar, ela poderá se transformar no que seu
companheiro quiser para ela. Estando com um perverso, poderá participar
de jogos sado-masoquistas ou em jogos exibicionistas – voyeuristas para
atingir este lugar de desejada. Porém ela se engana, o perverso muitas
vezes a iludirá disto quando na verdade o que ele quer é outra coisa.
São situações como estas que pode ficar obscuro a diferença entre
histeria e perversão. Ainda mais se levarmos em conta que dentro de
todos nós existem fantasias perversas. Ora, se alguém tem fantasias
perversas e as leva ao ato, o que o diferencia do perverso? A resposta
é: o histérico o faz em nome do amor, e sob a desculpa do amor, ele
quer ser o centro do desejo. Já o perverso o fará para provar que
manipula e sabe sobre o desejo.
Penso que através deste trabalho fica claro que não é o comportamento
em si que define uma estrutura (ou estilo, novamente). O que está nas
nuances é o que pode definir melhor, para isto teremos que usar nossa
sensibilidade e experiência e conhecimentos, teremos que nos valer de
nossas contratransferências. Pode ser difícil, um exemplo desta
dificuldade é que um perverso pode querer gozar com o sofrimento, mas
uma histérica pode tentar erotizar seu sofrimento ao tentar, por
exemplo, fazer um uso dele para se auto-vitimizar e causar pena no
outro (novamente deve se ficar atento ao que o cliente está tentando
provocar no outro).
Uma histérica pode por um tempo sentir que é poderosa, que o mundo está
a seus pés ou que a sua verdade é a única que existe, que ela sabe o
que é bom para os outros, ou ela pode se entregar a comportamentos
sexuais ousados, ou ainda pode transgredir a lei e por vezes, ao
fazê-lo, dar a impressão que não enxerga o outro. Como diz o ditado
popular, “muita calma nesta hora!!” O neurótico tem um superego dentro
dele que lhe impõe censura, ao contrário do superego do perverso cujo
imperativo é que ele goze, em algum momento estes comportamentos podem
gerar vergonha, culpa, medo de que sejam revelados, em algum momento
tenderão a sofrer algum tipo de força contrária vinda da própria
pessoa.
Penso que uma questão chave é tentar observar o que é que se busca
através de determinado comportamento, como já descrevi nas linhas
acima.
E é sobretudo na relação transferencial que estas coisas podem ir se definindo.



BIBLIOGRAFIA

1-Aulagnier, Piera. (1966) “La perversion como estrutura”. In: O Inconsciente, Buenos Aires, Sudamericana, 1967.

2-_____________.
(1967) “Observações sobre a feminidade e suas transformações”. In: O
Desejo e a Perversão, (Jean Clavreul e outros), Campinas - SP, Papirus,
1990.

3-Birman, Joel “Ensaio sobre o estilo em psicanálise” (1992)

4-Calligaris, Contardo “Terra em Transe”

5-Clavreul, Jean (1967) “O casal perverso”. In: O Desejo e a Perversão, (Jean Clavreul e outros), Campinas - SP, Papirus, 1990.

6-Fendrik, Silvia “La sexualidad femenina em el discurso analítico: universalidad o histeria?”

7-Freud, Sigmund (1927) “Fetichismo”. In: Obras Completas vol. XIX, Edição Standard Brasileira, Rio de Janeiro, Imago, 1996.

8-______________
(1932) “A Feminilidade” In: Obras Completas vol. XXII , Edição Standard
Brasileira, Rio de Janeiro, Imago, 1996.

9-_______________(1905)
“Três Ensaios para uma Teoria Sexual” ” In: Obras Completas vol. VII ,
Edição Standard Brasileira, Rio de Janeiro, Imago, 1996.

10-Levensteinas, Isaac (2003) “Relações entre Histeria e Feminilidade” – trabalho de conclusão do seminário “Histeria”

11-Saleme, Maria Helena ( ) “Perversão: algumas reflexões”

12-Anotações
do seminário “Perversões em Freud e nos Pós-Freudianos” ministrado por
Maria Helena Saleme e Maria Cristina Perdomo no curso Formação em
Psicanálise

13-Saleme, Maria Helena “Histeria e Analisibilidade: sobre a Analisibilidade da histeria”


Última edição por EUEQSOUOADMIN em Sáb Set 12, 2009 11:21 am, editado 1 vez(es)

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Mensagem por TheNightTrain Sáb Set 12, 2009 11:18 am

O nada é o quanto nada podemos...
Talvez um dia poderemos ser todos nada e o resultado do balanço ser igual ao que cada um já possui.

P + (-P) = 0

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Mensagem por TheNightTrain Sáb Set 12, 2009 11:20 am


A
religião e o culto fálico na região Oeste


por
Charlie - ilustrações de Raim

1.



Introdução


2.
Mais
sobre deuses fálicos e introdução ao culto da água


3.
O
Falo das Caldas. O culto fálico ao longo do tempo e o Poder


4.
O
mistério de Elêusis e os cultos secretos da água e do falo


5.
O
culto a Endovélico, os falos e Santo Antão


6.
Considerações
geográficas sobre a zona das Caldas da Rainha


7.
Endovélico
e Atégina, a demonização dos Antigos Deuses e os cultos mantidos
secretos


parte
I


parte
II


8.
A Terrea Ophiussa


parte
I


parte
II


parte
III


9.
O
Falo e as religiões


9.1.
O
Judaísmo e as origens fálicas - a Cabala


parte
I


parte
II




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Visita
também


Fantasia
sobre a rainha D. Leonor


e

Uma das partes subordinada ao âmago da questão: o comum dos comuns, ou a ontologia Lenda_caldas_small



(c)
2009 - Este estudo faz parte integrante dos blogs a
funda São, Cartas Sem
Valor e Raim

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