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E NINGUÉM DISSE: 'PARA ONDE ME LEVASTE, RAPAZ?'

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Mensagem por Vitor mango Qua Ago 13, 2008 2:50 pm

E NINGUÉM DISSE: 'PARA ONDE ME LEVASTE, RAPAZ?'
Ferreira Fernandes
OS NETOS DE SALAZAR
Baptista-Bastos
escritor e jornalista
b.bastos@netcabo.pt

Vi, há dias, na RTP2, o excelente documentário Cartas a uma Ditadura, de Inês de Medeiros. Assisti ao fervor sagrado daquelas senhoras, que defendiam Salazar com a estreita e amarga convicção de que não sabiam muito bem o que estavam a fazer. As suas perplexidades deixavam transparecer essa dúvida. Reconheciam-se autoras das cartas ao ditador, mas haviam removido da lembrança a natureza passional do documento. Porque de paixão se trata: na correspondência e na vida de que o filme é a imagem restituída.

Salazar está em nós. Queiramos ou não, mantemos, ainda hoje, resquícios dessa cultura rural, submissa, de reverente obediência, temente a deus e ao diabo, inculcada por uma Igreja continuadamente anacrónica, de que Salazar, com Cerejeira, foi o representante típico. No começo dos anos 20, século passado, o então professor universitário escreveu uma série de artigos no Novidades, diário do Patriarcado, sobre o que deveria ser feito "para salvar Portugal da anarquia". Esses artigos, remanejados, constituíram o prefácio de Discursos, assim grafado no primeiro volume, mas definitivamente Discursos e Notas Políticas, do segundo até ao último, o sexto. Está lá tudo, sem omissões, o que ele pretende fazer no País. O silêncio da Esquerda correspondeu à vacuidade do seu pensamento. Apenas o grande Raul Proença, o maior intelectual da Seara Nova, respondeu, indirectamente, ao conteúdo do texto.

O belo documentário de Inês de Medeiros; o filme que se prepara sobre "a vida privada" do autocrata (cujo título me parece mais especulativo do que associado às exigências do rigor); alguns livros; uma ou duas peças sobre o assunto; para não elidir o deplorável (por leviano) programa Os Grandes Portugueses - esse afã corresponde, acaso, a uma curiosidade histórica. O dever de memória exige que não voltemos costas ao que nos aconteceu. Ou será que, de uma forma ou de outra, sintamos a necessidade de dizer: "Não temos nada com isso!", quando, na realidade, temos, ainda que presumamos o contrário. A frase de Brice Parain [Sur la Dialectique] faz, aqui, todo o sentido: "Somos sempre responsáveis, mesmo por um mundo que não quisemos."

Oculto ou dissimulado, Salazar tem estado sempre omnipresente na nossa memória e, inclusive, nas nossas acções e nas nossas pessoais rejeições e repulsas. Porém, não creio que esteja na moda, no sentido tardo-nostálgico da expressão. Penso, até, que um absurdo temor tem procurado atrasar e, até, suprimir, a experiência crucial por que passámos. Também os mais novos, ocasionalmente com a satisfação maligna de "não serem desse tempo", continuam lacrados com o sinete de uma ideologia, de uma época e de um homem. Implorar à História que se apague é uma indignidade obscena.
Vitor mango
Vitor mango

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