Somos unidos por uma língua totalmente diferente

Somos unidos por uma língua totalmente diferente

por José Adelino Maltez

Ouço os habituais discursos de regime na abertura solene de um qualquer ano, não sei se lectivo, não sei se judicial, não sei se comemorativo. Reparo como as porosidades que ligam a caixa negra do sistema político ao ambiente social começam a ficar entupidas por tantas palavras que se gastam pelo mau uso e correm o risco de se prostituir pelo abuso. Noto como as enferrujadas canalizações representativas da partidocracia vão conjugando o verbo orçamento e o verbo corrupção, com sucessivas espirais de abstenção. Prefiro esvoaçar pelo Atlântico, a caminho do Sul. E ouço Jô Soares: "Somos unidos por uma língua totalmente diferente". E mais acrescentou: os brasileiros "ficaram numa língua meio seiscentista, que antigamente se falava em Portugal". Não discordo. Apenas acrescento que, depois de 1822, deveríamos ter mudado de nome. Talvez "república dos que têm medo de navegar", dos que preferem torcer a quebrar e se enredam em honrarias gerontocráticas das habituais sociedades de corte. Porque navegar é preciso e sobreviver assim não é preciso.