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"É um erro recriar na 'ameaça russa' a 'ameaça soviética'"

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Mensagem por Vitor mango Sáb Ago 30, 2008 6:22 am

"É um erro recriar na 'ameaça russa' a 'ameaça soviética'"

O ministro dos Negócios Estrangeiros critica os Estados Unidos e a União Europeia pela forma como têm lidado com a Rússia nos últimos anos. Luís Amado lembra que Portugal avisou para as consequências graves do reconhecimento da independência do Kosovo.
Cristina Peres e Nuno Saraiva
9:00 | Sábado, 30 de Ago de 2008

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"É um erro recriar na 'ameaça russa' a 'ameaça soviética'" "A Rússia é hoje um actor fundamental nas decisões sobre os dossiês mais importantes da actualidade"
José Ventura
"A Rússia é hoje um actor fundamental nas decisões sobre os dossiês mais importantes da actualidade"

O que se espera deste Conselho Europeu?
É importante que nos confrontemos ao mais alto nível com esta situação delicada que vira uma página no processo de normalização das relações na fronteira leste da Europa decorrente do fim da Guerra Fria. É todo um ciclo de relacionamento nessa fronteira que está a mudar.

A UE tem condições para falar a uma só voz, não se fragiliza se o não fizer?
É muito difícil uma Europa de Estados com a soberania assumida na sua acção externa poder falar a uma só voz. Mas é exigido à Europa a 27 que encontre posições comuns nas questões internacionais. O Governo português valoriza que se procure, sempre na medida do possível, uma linha de acção comum e uma perspectiva de trabalho conjunto por parte dos Estados-membros.

O reconhecimento da independência do Kosovo abriu portas ao reconhecimento, por parte da Rússia, da independência da Abcásia e da Ossétia do Sul?
Do ponto de vista político, não nos surpreendeu a maneira como a Rússia lidou com esta situação no Cáucaso. Não tínhamos dúvida de que, mais cedo ou mais tarde - pensei que mais tarde - se reproduziria aí o mesmo modelo que foi adoptado e aceite por uma parte significativa da comunidade internacional, em particular pelo ocidente, para a situação dos Balcãs. Tivemos sempre muita cautela no processo que conduziu à declaração unilateral de independência do Kosovo. Há que pensar a mais longo prazo na forma de aplicar o modelo de estabilização que se vem desenvolvendo nos Balcãs em toda a região do Cáucaso. É aí que vamos confrontar-nos com uma fase de grande instabilidade e insegurança que exige uma resposta responsável por parte da comunidade internacional e em particular da União, da Aliança Atlântica e da ONU.

A UE está preparada para enfrentar o período de instabilidade que começou e que poderá chegar a outros territórios?
Abriu-se um ciclo de instabilidade naquela região e esta crise é a primeira de uma sucessão de outras crises com que vamos ter de lidar na próxima década. Criou-se uma dinâmica de confronto que substituiu uma dinâmica de cooperação que se tinha vindo a instalar nas relações com a Rússia depois do fim da Guerra Fria.

Subestimou-se a Rússia?
Avaliou-se mal a reacção da Rússia, foi um erro - tenho-o dito aos responsáveis da Aliança com quem nos relacionamos - e continua a ser um erro recriar a "ameaça soviética" numa "ameaça russa".

A Rússia não contribui para o extremar de posições quando responde à instalação dos sistemas antimíssil junto às suas fronteiras apontando a Polónia como um alvo?
Sem dúvida, nós não ignoramos a necessidade de ter uma posição firme em relação à Rússia, designadamente na política de porta aberta que a Aliança deve manter, nós não podemos deixar de forma nenhuma que a entrada de novos membros seja condicionada pela Rússia. Esta posição é de firmeza que a Aliança deve ter e que Portugal acompanha. Acho que se cometeram alguns erros no relacionamento com a Rússia nos últimos anos designadamente no que respeita sobretudo ao abandono do modelo de cooperação que vinha a ser consolidado passo a passo em momentos e situações críticos para a estabilidade, segurança e para a defesa da Rússia, acho que esse modelo de cooperação deveria ter sido aplicado, desenvolvido, seja nas decisões relativas ao "missile defence", embora isso fosse um problema bilateral dos Estados Unidos com dois estados europeus, seja em relação ao próprio desenvolvimento do processo do Kosovo. Acho que a a visão de um sistema de cooperação que um modelo de cooperação para a segurança e para a defesa e para a estabilidade na Europa deveriam ter em consideração necessariamente um diálogo com a Rússia para questões como esta quando pretendemos que a Rússia tenha ao mesmo tempo um papel construtivo na relação com o ocidente em relação a dossiês essenciais para essa paz e estabilidade na Europa, como é o do nuclear iraniano ou como o conflito no Médio Oriente. A Rússia é hoje um actor fundamental para conseguirmos no quadro das Nações Unidas e do Conselho de Segurança decisões fundamentais para acompanhar estes processos de enorme delicadeza e enorme importância para a paz na Europa para as próximas décadas. Seja o processo de paz no Médio Oriente, seja o nuclear iraniano, seja a estabilização dos conflitos no Iraque e Afeganistão. É difícil haver um modelo de cooperação com um estado como a Rússia se queremos a cooperação da Rússia relativamente a uma série de questões que nos interessam, mas ao mesmo tempo, por outro lado, ignoramos a Rússia relativamente a um conjunto de questões que a Rússia valoriza muito do ponto de vista do seu interesse estratégico. E acho que esse erro foi cometido, tive ocasião de o afirma e estou a afirmá-lo publicamente agora, porque tive oportunidade de o afirmar em diferentes ocasiões destes dois anos desde que tenho responsabilidades no Ministério dos Negócios Estrangeiros, seja em relação aos nosso aliados norte-americanos, e esta administração em particular, seja em relação a alguns dos nossos aliados europeus.

É errado utilizar-se o termo Guerra Fria?
É um erro porque já não estamos na época pós-soviética. A comunidade internacional, o ocidente e, em particular, a Europa deveriam estar confrontados com uma agenda que tem um conjunto de ameaças de perturbações e de conflitos que deveriam mobilizar-nos prioritariamente. O pior erro que podemos cometer é ideologizar este contencioso e e afastarmo-nos de uma leitura realista da situação nas duas regiões que estão neste momento em desenvolvimento paralelo.

Idealmente deveríamos ter a Rússia como parceiro?
Deveríamos ter continuado a desenvolver o modelo de cooperação que estava em desenvolvimento com a Rússia. Esse modelo foi sendo posto em causa por um acumular de tensões que se agravaram e que hoje nos colocam perante um modelo de confrontação que tem de ser interrompido o mais depressa possível. Não vai ser fácil...

Portugal teve uma posição prudente em relação ao Kosovo por perceber que tinha havido uma avaliação errada do que poderia ser a resposta russa?
Fomos confrontados durante a presidência portuguesa com a necessidade de responder à crise do Kosovo dando continuidade às expectativas que tinham sido criadas pela comunidade internacional, pelas Nações Unidas, com o Relatório Ahtisaari e com a perspectiva de estabilização que esse relatório propunha. Quer na parte kosovar, quer nos estados que apoiavam a independência do Kosovo, foi muito grande a expectativa que esse relatório criou bem como a expectativa do seu eventual endosso pela Rússia no Conselho de Segurança. Durante a presidência portuguesa da UE procurámos corresponder a essa expectativa e gerir o "timing" relativamente às decisões que se impunham, designadamente, em relação à missão da UE que deveria substituir a missão das Nações Unidas no quadro do Relatório Ahtisaari. Mas nunca tivemos nenhuma dúvida de que o timing escolhido pelo grupo de contacto para o apoio à declaração unilateral da independência não era adequado e sempre achámos que era precipitado estimular a declaração de independência do Kosovo prematuramente sem se consolidar um processo de cooperação com a Rússia relativamente a este dossiê.

A posição portuguesa é de convicção ou decorre da obrigação de acompanhar os aliados?
É uma posição de convicção na justa medida em que eu disse que a nossa preocupação permanente é contribuir para a coesão do espaço da Aliança e do campo da UE no espaço da Aliança. Procuramos valorizar acima de tudo o equilíbrio entre duas posições extremadas. Não somos favoráveis a um modelo de confronto com a Rússia, achamos um erro recuperar um combate ideológico com a Rússia com referências do tempo da ameaça soviética. Esta confusão ainda persiste na forma como alguns círculos europeus e da Aliança interpretam as relações com a Rússia e é um factor de grande tensão e perturbação no desenvolvimento no sistema de segurança e de defesa na Europa.

A partir das posições extremadas, o que valerão as sanções à Rússia anunciadas pela UE? Qual o futuro da parceria UE-Rússia?
Há posições diferenciadas no Conselho relativamente à abordagem da relação com a Rússia e Portugal seguirá a posição do Conselho da Aliança. Achamos, contudo, que a posição de firmeza tem ao mesmo tempo de ser construtiva e tem de permitir não interromper em definitivo um modelo de cooperação que se tem de salvaguardar sob pena de entrarmos numa escalada cujos cenários mais sérios não deixarão de nos prejudicar a todos, à Europa e à Rússia, sobretudo se olharmos para um sistema internacional que é bem diferente daquele que existia há dez anos. Se tudo isto tivesse ocorrido há dez anos como prolegómeno de um ciclo de estabilização de relações na fronteira leste da Europa, um processo relativo ao fim da Guerra Fria, tudo isto seria mais aceitável. Hoje, quando temos uma agenda com problemas internacionais tão sérios bem perto daquela região, no Médio Oriente, no confronto com o Irão em processo de nuclearização, com conflitos tão sérios para a Aliança como os que temos no Iraque e, em particular, no Afeganistão, com o desenvolvimento do fenómeno terrorista islâmico nas nossas fronteiras, acho absolutamente absurdo recuperar um confronto e uma guerra que não têm razão de ser. É uma guerra fora do tempo, é um conflito deslocado, do nosso ponto de vista e todo o trabalho ideológico que está em gestação para o justificar é, do meu ponto de vista, um erro que pagaremos caro.

As eleições presidenciais norte-americanas podem ser fundamentais para uma alteração desta tendência?
Sem dúvida, as eleições vão ser um momento importante embora eu ache que há um estrago que já está feito e, como disse, vamos ter de recuperar um modelo de cooperação que procurámos consolidar nas últimas duas décadas com a Rússia. Evidentemente que isso não pode hoje ser feito a qualquer custo e quero sublinhado que Portugal é absolutamente intransigente em toda a decisão que possa pôr em causa a coesão da UE ou da NATO.

Versão integral da entrevista publicada na edição do Expresso de 30 de Agosto de 2008, 1.º Caderno, página 3.
Vitor mango
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