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A NATO sai muito mal desta crise no Cáucaso General Loureiro dos Santos ao Expresso

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Mensagem por Vitor mango Sáb Ago 30, 2008 6:26 am

A NATO sai muito mal desta crise no Cáucaso

General Loureiro dos Santos ao Expresso
"É um erro recriar na 'ameaça russa' a 'ameaça soviética'" General Loureiro dos Santos
General Loureiro dos Santos

Como avalia esta operação militar russa na Geórgia?

A minha avaliação é positiva. As forças armadas russas, por exemplo, durante a crise no Kosovo, estavam completamente estouradas. Com a implosão da URSS, a maior parte do Exército teve de sair de países que entretanto ficaram independentes, regressaram à Rússia e dormiam em tendas, sem habitação. O Exército estava completamente destroçado, desmoralizado, sem capacidade militar e a prova é que, aquando da questão do Kosovo, que a Rússia considerou uma grande humilhação, eles não tiveram capacidade para reagir. Na altura em que aceitaram o facto consumado e as Nações Unidas prepararam uma força de manutenção de paz, eles tinham pouca capacidade.

Agora, esta operação foi muito bem preparada, bem treinada, logo mostraram uma grande capacidade da utilização de armas combinadas - a Força Aérea em apoio das forças terrestres, a forma como as forças terrestres evoluem no terreno, carros de combate, infantaria, mas também Marinha. Eles mostraram que as Forças Armadas russas recuperaram a capacidade para este tipo de conflitos limitados, guerras de média intensidade em zonas limitadas, o que hoje em dia, para uma potência destas que pretende afirmar-se na sua periferia, é necessário.

Houve algumas limitações ainda no emprego da Força Aérea, embora de uma maneira geral eles tenham utilizado correctamente a Força Aérea. Houve algumas limitações reveladas pela Força Aérea da Geórgia - que ainda não estava muito bem preparada -, ter abatido alguns aviões russos. Mas é preciso notar que o Exército georgiano, embora pequeno, estava a ser, já há bastante tempo, treinado pelos americanos - estavam lá, e continuam, 130 cooperadores americanos - e pelos israelitas. De certa forma, até foi uma prova de força entre um exército preparado à ocidental e um novo exército russo.

É aplicável, neste cenário, o conceito de Guerra Fria?

Não! Esta expressão, quando foi usada pela primeira vez, era uma expressão propagandística. Usava-se para ter efeitos políticos. Não é possível recuperar uma situação como a que se vivia na Guerra Fria. Durante a Guerra Fria, havia dois pólos e cada actor jogava apenas para o outro e em função do outro; agora há vários pólos de poder, isto é, apesar de os Estados Unidos continuarem a ser a maior super-potência mundial, eles próprios já precisam de ter em conta os outros poderes para actuar. Além dos EUA, há a Rússia, há a China, há a Índia, o próprio Irão tem alguma capacidade de intervenção, a Arábia Saudita, o Brasil... Neste momento, está a decorrer a reunião da Conferência de Cooperação de Xangai e nessa reunião o Presidente russo, Dmitri Medvedev, está, de certa maneira, a desafiar os seus parceiros naquela organização, a quem chama NATO de leste, no sentido de constituírem um bloco de afirmação face ao ocidente. Os EUA para actuarem, em termos de sanções, contra o Irão, precisam do apoio da Rússia e da China. Os EUA para continuarem no Afeganistão precisam do apoio da Rússia. Grande parte dos abastecimentos para as Forças Armadas que actuam no Afeganistão passa por território russo. Para além disso, passam pelo Tajiquistão, onde há uma base norte-americana, e pelo Quirguistão, países que pertencem à órbita da Rússia e a Rússia poderá ali criar problemas. Se não for possível abastecer por essa via, fica apenas a via que passa pelo Paquistão, que é uma via cada vez mais em dúvida.

E em termos económicos?

Durante a Guerra Fria, havia praticamente dois sistemas económicos e a ligação entre esses dois mundos não era muito grande em termos económicos. Hoje em dia, a economia russa é uma economia capitalista que tem um comércio muito forte com os EUA, com a UE e com outros países. A situação actual de globalização da economia torna aconselhável a qualquer dos actores que tem voz neste concerto mundial de natureza estratégica de não cortar os laços com os outros actores. Os grandes actores vão manter sempre relações uns com os outros, embora em situação de tensão, porque precisam uns dos outros. Podemos quase dizer que o mundo está a pender para uma situação geopolítica em que existem meia dúzia de grandes potências, que têm vastas zonas de influência, e depois jogam entre si as questões que a própria globalização impõe e, de vez em quando, têm atritos nas zonas de fronteira das suas áreas de influência, que foi o que aconteceu a Geórgia.

De certa forma, é uma situação mais equilibrada...

Mais equilibrada, exactamente. É muito difícil reconstituir-se o tempo da Guerra Fria. É praticamente impossível. A expressão Guerra Fria está a ser utilizada não apenas pelo Ocidente, mas também pela Rússia. Ambos dizem: 'Nós não queremos a Guerra Fria' ou então 'Nós não nos importamos de avançar para a Guerra Fria' ou então acusando-se mutuamente de estarem a ir para a Guerra Fria. É um termo claramente mediático para provocar efeitos políticos.

A NATO sai reforçada deste episódio?

Acho que não. A NATO sai bastante mal. O que se passa é que a NATO, depois de terminada a situação em que havia uma ameaça clara, visível à Europa, deixou de ter essa razão que era visível. E até este momento, nós temos visto uma espécie de NATO "a la carte". Embora a NATO tenha procurado alterar-se institucionalmente, alargando a sua área de intervenção, etc., nunca é possível em intervenções fora da área, como no Iraque ou no Afeganistão, conseguir uma posição inteiramente e inabalavelmente comum, que era o que caracterizava a NATO da Guerra Fria. A NATO sai mal disto, porque não estava preparada nem tem vontade de actuar militarmente. Os EUA não podem, mas os europeus não têm meios. E mesmo que tivesse meios, toda a Europa depende brutalmente, em termos energéticos, da Rússia. E como é que vai fazer? Talvez esta re-emergência da Rússia possa contribuir para chamar a atenção dos países europeus da NATO que afinal a velha ameaça, embora noutros moldes, regressou. E aí, sim, talvez possa reforçar a capacidade da NATO, leia-se assim, os países da NATO, nomeadamente os países europeus da NATO passarem a investir na defesa. A Alemanha investe menos de 1,2% na defesa. Assim é impossível e prevalecem todos os outros interesses. Pode se que desta situação haja a possibilidade da NATO também reemergir.

Qual será o próximo passo da Rússia?

Tentar restabelecer a sua influência nas zonas do seu "estrangeiro próximo", as zonas tampão que separam a Rússia das potências mais poderosas da Europa. Vai tentar intimidar, mais diplomaticamente do que pela via militar, mas sempre ficando de pé esta hipótese, na medida em que há este exemplo da Geórgia. Em primeiro lugar na Ucrânia, onde julgo que não vai ter muitos problemas porque a maioria da população não quer aderir à NATO e, politicamente, o Presidente Viktor Yushchenko está a ficar isolado. A Júlia Timoshenko praticamente, neste momento, quase que está a pôr em cheque o Yushchenko nos seus desejos de aderir à NATO. Depois, pode criar problemas aos países bálticos, nomeadamente à Letónia e à Estónia que têm minorias russas muito grandes e, através delas, pode criar perturbações. Pode levar a efeito desdobramentos militares como resposta aos anti-mísseis na Polónia e na República Checa, colocando mísseis de alcance intermédio ou na Bielorrússia ou até em Kalininegrado. Será, mais ou menos, à volta disto que a Rússia fará, sempre com a preocupação de não cortar as tais ligações, porque a Rússia também precisa de se manter na comunidade internacional, para importar, para exportar, para ter os seus mercados, para fazer investimentos, precisa de investimentos.

Aliás, durante esta crise houve uma série de investimentos estrangeiros na Rússia. Esta actuação russa foi muito inteligentemente feita porque, primeiro, o Ocidente talvez não contasse com uma situação destas; depois, porque a situação foi desenvolvida numa janela de oportunidade criada pela pouca possibilidade dos EUA desenvolverem meios militares. Porque se os EUA não estivessem empenhados no Iraque, provavelmente já há muito tempo que nestas relações entre os EUA e a Geórgia estaria uma unidade ou uma base americana na Geórgia, o que funcionaria como refém dos EUA e como mola dissuasora para uma intervenção russa.

A Polónia só aceitou instalar lá os mísseis quando teve a garantia que começavam já a preparar uma bateria de mísseis Patriot americana para ir para a Polónia. Esta bateria Patriot tem duas finalidades: uma é a finalidade técnica de ter alguma capacidade anti-míssil; a outra é mais importante: passa a estar na Polónia uma unidade combatente americana e isso passa a constituir um poderosíssimo elemento dissuasor de qualquer tentativa militar russa. E a Rússia não se quer envolver numa guerra com os EUA como os EUA não se querem envolver numa guerra com a Rússia.

Cristina Peres
Vitor mango
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