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A ameaça-fantasma

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Mensagem por Viriato Ter maio 04, 2010 2:25 am

A ameaça-fantasma

por Paul Krugman

É fácil fingir que a crise financeira foi provocada por erros inocentes, mas não foi. É o resultado de um sistema corrupto, em que as agências de notação têm grandes responsabilidades

Analisemos a Subcomissão Permanente de Investigações do Senado. O seu trabalho relativo à crise financeira parece-se cada vez mais com o da Comissão Pecora, que contribuiu para promover a regulamentação financeira nos tempos do New Deal. Nos últimos dias, as escandalosas mensagens de correio electrónico provenientes de Wall Street divulgadas pela subcomissão têm feito os cabeçalhos dos jornais.

Essa é a boa notícia; a má é que a maioria dos cabeçalhos se debruçou sobre as mensagens erradas. O facto de os empregados do Goldman Sachs se vangloriarem do dinheiro que tinham ganho com a manipulação dos títulos do mercado imobiliário é feio, mas não constitui um delito em termos jurídicos.

As mensagens de correio electrónico em que nos devemos deter são as dos funcionários das agências de avaliação do risco de crédito (credit rating agencies), que atribuíram uma classificação AAA a centenas de milhares de milhões de dólares de activos duvidosos que se viria a perceber mais tarde serem quase todos lixo tóxico. Não se pense que se trata de uma hipérbole. Longe disso: dos títulos hipotecários subprime classificados com AAA em 2006, 93% - 93 por cento! - foram agora considerados lixo.

O que essas mensagens de correio electrónico revelam é um sistema profundamente corrupto. Um sistema que a reforma financeira, nos termos actualmente propostos, não poderia consertar.

As agências de notação de risco de crédito começaram a sua actividade como empresas de estudo de mercado: faziam avaliações de dívidas institucionais e cobravam esse serviço a pessoas que estudavam a hipótese de comprar essas dívidas. Porém, com o tempo, foram-se transformando em empresas de cariz muito diferente: passaram a ser contratadas por quem vendia as dívidas para aporem nelas o seu selo de aprovação.

Essas certificações começaram a desempenhar um papel vital em todo o nosso sistema financeiro, especialmente no que diz respeito a investidores institucionais como os fundos de pensões, que só compravam títulos se viessem acompanhados da cobiçada classificação AAA.

Era um sistema na aparência digno e respeitável. E contudo criou enormes conflitos de interesses. Os emitentes da dívida - que eram, cada vez mais, instituições de Wall Street que vendiam títulos por elas criados através de um esquema de partir e repartir e baralhar e tornar a dar direitos existentes sobre, por exemplo, hipotecas subprime - podiam optar entre várias dessas agências de notação, por isso podiam encaminhar os seus negócios para aquelas em que tinham mais probabilidades de obter uma opinião favorável e ameaçar preterir os que se esforçavam por trabalhar com responsabilidade. Actualmente, quando olhamos o que aconteceu, é claro como água que havia grandes probabilidades de isso corromper todo o processo.

E corrompeu. A subcomissão do Senado concentrou as suas investigações em duas das maiores agências de classificação de risco de crédito, a Moody's e a Standard & Poor's; o que descobriu veio confirmar as nossas piores suspeitas. Numa mensagem de correio electrónico, um funcionário da S&P explica que é preciso marcar uma reunião para "debater os critérios de ajustamento da avaliação de títulos caucionados por bens imobiliários, dada a ameaça constante de perder negócios". Noutra mensagem, alguém reclama por ter de utilizar recursos "para 'trabalhar' os números relativos ao subprime e aos títulos de hipoteca A alternativos, de modo a manter a quota de mercado". Claramente, as agências de notação estavam a distorcer as suas avaliações para agradar aos clientes.

A existência dessas avaliações distorcidas, por seu turno, levou a que o sistema financeiro assumisse riscos muito maiores que poderia com segurança enfrentar. Paul McCulley, da Pimco, o investidor em obrigações (que inventou o termo "bancos-sombra" para designar as instituições não regulamentadas que estiveram no cerne da crise), descreveu recentemente esse processo nos seguintes termos: "bancos- -sombra com um crescimento explosivo, não sujeitos a regulamentação, numa festa desregrada com as agências de classificação de risco financeiro, em que entram com BI falsos."

Mas então o que se pode fazer para evitar que isso volte a acontecer?

A proposta de lei agora nas mãos do Senado tenta abordar o problema dessas agências, mas na generalidade é muito branda nessa questão particular. A única disposição que poderia ser eficaz é a que torna mais fácil processar judicialmente as agências que se escusassem, "consciente ou imprudentemente", a tomar as medidas correctas. No entanto, é óbvio que isso não basta, dados os montantes em jogo - e o facto de Wall Street poder pagar advogados muito, mas mesmo muito bons.

O que é preciso é uma mudança fundamental nos incentivos das agências de classificação. Tem de se fazer alguma coisa para acabar com a natureza fundamentalmente corrupta do sistema em que o emitente da dívida é quem paga a respectiva avaliação.

A proposta de Matthew Richardson e Lawrence White, da Universidade de Nova Iorque, é um bom exemplo de como as coisas poderiam funcionar. Richardson e White sugerem que se crie um sistema em que as empresas emitentes de obrigações continuariam a pagar às agências de rating a avaliação dessas obrigações, mas em que seria a Securities and Exchange Commission, e não a instituição emitente, a escolher a agências de rating que se encarregaria de fazer a avaliação.

Economista Nobel 2008
Viriato
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