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Mensagem por Viriato Ter maio 11, 2010 9:32 am

Fumaça

José Reis Santos

O Chefe de Estado do Vaticano encontra-se em Portugal. Julgar-se-ia que, por se tratar de uma visita oficial, esta se revestisse de protocolo e encontros de alta política; que remeteriam o Cardeal Ratzinger para os Palácios e edifícios governamentais disponíveis para esse efeito.

Poder-se-ia mesmo, caso fosse do interesse do mais alto representante do micro-Estado encrostado na Cidade Eterna, facilitar-se alguns encontros informais com associações, universidades ou mesmo com amigos. O Estado português, cumprindo protocolo, dedicaria ao ilustre convidado, todas as honras consagradas nos bons manuais de diplomacia, promovendo encontros, cimeiras e jantares de gala; cujos gastos seriam, como natural e desejado, assumidos pelo erário público.

Mas o Cardeal Ratzinger não é um Chefe de Estado convencional. É também o Papa Bento XVI, líder religioso dos Cristãos Católicos; o que transporta a visita agora em curso também para o campo do religioso e do simbólico. Daí as missas campais, a mobilização da sua Igreja e fieis, e a dimensão laudatória da sua visita. Tudo dentro da normalidade esperada, se não fosse a intromissão do Estado nestas celebrações, apoiando financeiramente as mesmas (em quantidades estranhamente não divulgadas) e decretando várias tolerâncias de ponto (que custarão directamente, segundo estudos desenvolvidos, qualquer coisa como 37 milhões de euros por dia); numa altura em que em Portugal se conta e aponta publicamente todo o consumo dos nossos tostões.

Esta dupla intromissão - do Civil no Religioso e no nosso quotidiano - é inadmissível num Estado laico, que se secularizou há quase 100 anos; e que demonstra que pouco se aprendeu, neste último século, acerca da noção de laicidade do Estado e da consagração do direito à liberdade religiosa. O Estado tem, obviamente, que tratar diferenciadamente o religioso do político; com o risco de - se o não fizer - entrar num terreno pantanoso pouco dignificante para um regime civilista e dificilmente associado ao progresso social e civilizacional alcançado nos últimos 35 anos.

A missa que hoje se celebra no Terreiro do Paço transporta-nos também inevitavelmente para outros tempos, onde a mesma Praça consagrava um regime com características assumidamente autoritárias, aclamando um brando ditador católico. Nesse tempo, o regime organizava-se de forma a produzir um espectáculo legitimador com sucesso garantido: decretava tolerância de ponto à função pública, manipulava as suas organizações para que - de forma peregrina - marcassem presença, e requisitava todos os meios de transporte disponíveis (de comboios especiais, a autocarros e barcos) de forma a garantir uma entusiasta presença maciça.

Hoje, e perante a grave situação vivida pela Igreja Católica, que tem procurado sobreviver a diversos escândalos financeiros e morais, e que teima em se apresentar desassociada da realidade social do século XXI (basta recordar as posições acerca do uso do preservativo, da pílula, da interrupção voluntária da gravidez ou do casamento entre pessoas do mesmo género), a verdade é que a ocupação simbólica que decorre na Praça do Comércio recorda-nos mais os tempos do PREC que o Estado Novo. É fumaça que nos oferecem...
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José Reis Santos, Historiador
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