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Perguntas para Sócrates ilegais, diz Manuel Simas Santos

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Mensagem por Vitor mango Ter Ago 10, 2010 1:24 am

Perguntas para Sócrates ilegais, diz Manuel Simas Santos
02h08m
Nelson Morais

Procurador-geral-adjunto defende que transcrição de questões que ficaram por fazer, no despacho final do inquérito Freeport, "não se enquadra na previsão da lei".

foto SÉRGIO FREITAS/GLOBAL IMAGENS
Perguntas para Sócrates ilegais, diz Manuel Simas Santos
Manuel Simas Santos, fundador do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público


Manuel Simas Santos, juiz conselheiro e procurador-geral-adjunto jubilado, declara que a demissão do procurador-geral da República (PGR) não faz sentido e até seria difícil de explicar num país da União Europeia.

Figura respeitada no sector da Justiça - até por ambas as "facções" que se têm digladiado a propósito do Freeport -, Simas Santos mede bem as palavras ao comentar a última intervenção do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), de que foi fundador. Mas revela-se implacável com os titulares do Freeport.

Como se pode explicar que o processo Freeport, cuja sensibilidade era conhecida desde o seu início, tenha permanecido durante anos nas mãos de um procurador da comarca do Montijo que era titular de outros inquéritos?
Não conheço em concreto as circunstâncias do processo, mas tal poder-se-á ter ficado a dever às dificuldades actuais, cuja ultrapassagem se impõe, de comunicação e informação no interior do Ministério Público (MP).

Como avalia a transcrição, no despacho final do inquérito Freeport, das perguntas que os procuradores titulares dizem não ter feito, aos actuais primeiro-ministro e ministro da Presidência do Conselho de Ministros, por falta de tempo?
O Código de Processo Penal define os objectivos a alcançar com o despacho final do inquérito e traça as suas condicionantes, nas modalidades de que se pode revestir (arquivamento e acusação). Penso que a inclusão de tais perguntas não se enquadra na previsão da Lei. Se os magistrados que elaboraram o despacho entendiam que as perguntas eram pertinentes para a decisão a tomar, então não podiam ter deixado de esgotar os meios ao seu dispor para o fazer, o que aparentemente não terá acontecido.

É no inquérito anunciado pelo procurador-geral da República (PGR), para averiguação de "eventuais anomalias registadas na concretização de actos processuais", que se aferirá se a referida inclusão de perguntas no despacho tinha suporte legal?
Num inquérito ordenado com esse objectivo seguramente que podem, além do mais, ser apuradas as circunstâncias em que foi proferido tal despacho, os seus intervenientes, o seu sentido e consequências.

Se se concluir que a transcrição das perguntas não tinha suporte legal, que tipo(s) de punição podem sofrer os procuradores titulares?
Só o conhecimento dos elementos que referi é que permitirão determinar se deve ser encetado qualquer outro procedimento, designadamente de carácter disciplinar, onde eventualmente se colocará a questão de sancionamento dos seus autores.

O eventual procedimento disciplinar é extensível a Cândida Almeida, imediata superiora hierárquica dos procuradores titulares do Freeport, caso se prove que a inclusão das perguntas foi negociada com a magistrada ou mereceu o acordo dela?
Só conhecendo as circunstâncias em que foi proferido o despacho final e seus intervenientes, directos ou indirectos, é que se saberá quem deve ser visado num eventual procedimento disciplinar.

O PGR tem razão para se queixar de falta de poder?
A meu ver, o PGR queixa-se, verdadeiramente, não da falta de poderes, mas das dificuldades de exercer, de facto, na prática, os poderes que tem. E as alterações que foram sendo sucessivamente introduzidas no Estatuto do MP e na sua articulação interna, designadamente com o Conselho Superior do Ministério Público, vieram dificultar o exercício dos poderes do Procurador-Geral.

Pinto Monteiro considera "absolutamente necessário que o poder político decida se pretende um MP autónomo, mas com uma hierarquia a funcionar, ou se pretende o actual simulacro de autonomia". Como comenta?
Penso que, nesta frase, o PGR só quis acentuar a necessidade de repor um melhor e mais efectivo exercício funcionamento da hierarquia do MP, com o que estou de acordo, mas tendo presente que a hierarquia do MP, tal como foi concebida inicialmente e é próprio desta Magistratura, é de responsabilidade mas também de apoio e solidariedade, procurando assegurar um melhor fluxo de informação e formação interna entre os diversos níveis hierárquicos.

Para o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), o que falta é garantir a autonomia interna de cada magistrado na condução do inquérito. Concorda?
Concordo que é absolutamente necessária a autonomia de cada magistrado do MP, na condução dos inquéritos, mas sem esquecer que eles estão integrados numa magistratura hierarquizada, o que significa a possibilidade de intervenção formal da hierarquia que está prevista na lei, quer por via de reclamação dos interessados para o superior hierárquico, quer por via da avocação (chamamento a si) do processo em causa por esse superior hierárquico, sempre com salvaguarda, no entanto, da autonomia de cada magistrado e da sua consciência jurídica.

A hierarquia intermédia, no Ministério Público, está enfraquecida?
Entendo que sim. Nos círculos, passou a haver mais do que um procurador da República, o que levou ao recurso da figura do procurador coordenador, portanto do mesmo grau hierárquico, e à erosão da hierarquia. Depois, a maior intervenção directa sobre os acontecimentos e processos concretos por parte do PGR e dos procuradores-gerais distritais, em vez do acompanhamento informado, mas à distância, também tem influência.

A autonomia externa do MP em relação ao poder político é assegurada pelo modelo em que o sistema está actualmente organizado?
O nosso modelo de MP, não obstante o que acabo de dizer, tem sido justamente considerado, internacionalmente, como capaz de garantir a autonomia externa do MP, que não deve nunca ser posta em causa.

Como avalia a reacção dura do SMMP, de que o senhor é fundador, sobre a última entrevista do procurador-geral da República ao "Diário de Notícias"?
Entendo que as questões institucionais devem ser tratadas, por todos os intervenientes, com serenidade e contenção, designadamente quando estão condenados pelas circunstâncias a cooperarem, ou mesmo só a trabalharem paralelamente no mesmo domínio, como é o caso.

Continua a acreditar que faz sentido a existência de sindicatos de magistrados?
O sindicalismo judiciário continua a fazer sentido, sem esquecer que, como o próprio qualificativo indica, é um sindicalismo com algumas características distintivas, justificadas pela natureza das funções atribuídas às magistraturas, judicial e do MP.

Como avalia o mandato da direcção do SMMP presidida por João Palma?
Entendo que não me cabe fazer essa avaliação, que compete, em primeira linha, aos sócios.

É possível sair da actual encruzilhada sem a demissão do procurador-geral da República?
Não vejo que o PGR não esteja em condições de exercer as suas funções e cumprir os objectivos a que se propôs. É um cargo exigente, muito exposto mediaticamente e cujo exercício é recheado de dificuldades, como a história recente documenta. Aliás, deve perguntar-se qual seria o significado, até em termos de autonomia externa do MP, o significado de uma demissão do PGR de um país da União Europeia e do Conselho da Europa. Por outro lado, importa ter em atenção que, inicialmente, o mandato do PGR não tinha prazo de duração previamente fixado, o que significava, como dizia o PGR Dr. Cunha Rodrigues, que o cargo estava sempre naturalmente à disposição. Mas, com a fixação de um prazo a esse mandato e a possibilidade de renovação, se se deve entender que pode ter lugar a exoneração pelo Presidente da República sob proposta do Governo, face ao disposto nos art.ºs 220.º, n.º 3 e 133.º, al. m), da Constituição, não está de todo esclarecido o circunstancialismo em que isso pode suceder.

Lei autónoma para criminalidade de massas melhoraria investigação da mais complexa

Algumas vozes influentes, de figuras do Partido Socialista à do presidente do Supremo Tribunal de Justiça, vêm sugerindo que se discuta, em sede de revisão constitucional, o regresso ao modelo em que era um juiz quem conduzia a investigação criminal. Por que é que o senhor discorda desse regresso ao passado?
Entre nós, até por imperativos constitucionais, o modelo de juiz de instrução é o do garante dos direitos e liberdades do cidadão face à investigação e não da eficácia dessa investigação. Depois de um breve período de maior implicação, entre nós, do Juiz de instrução na investigação, as sequelas demoraram anos a ser reparadas pelo MP, demonstrando a inadequação de tal modelo à nossa realidade e à própria postura dos nossos juízes. Aliás, os defensores dessa ideia não indicam quais seriam os ganhos, em termos de eficácia e de maior defesa dos direitos dos cidadãos, quando se me afigura que dessa alteração resultaria exactamente o contrário.

Há necessidade de rever a relação do MP com a Polícia Judiciária?
Sem prejuízo da autonomia técnica e táctica da Polícia judiciária, é ao MP que cabe dirigir a investigação, o que deve ter concretização no enquadramento legal e na prática, o que nem sempre acontece. Deve lembrar-se que a situação piorou quando deixou de ser o MP a inspeccionar o trabalho da Polícia Judiciária nos processos de inquérito.

Uma eventual revisão constitucional deveria alterar o quê, em matéria de Justiça? A forma como é nomeado o procurador-geral da República deveria ser alterada?
A forma constitucional de nomeação e de exoneração do PGR, ao exigir o consenso do Presidente da República e do Governo, parece-me adequada à afirmação da autonomia externa do MP e à função que a Constituição atribuiu à Procuradoria-Geral da República e ao MP. Mas, como adiantei, seria preferível que se esclarecessem as condições em que pode ter lugar a exoneração do PGR. Aproveitaria [também] para reformular o princípio da presunção de inocência, que, na formulação actual, se sobrepõe mesmo à decisão condenatória final do Supremo Tribunal de Justiça ou Tribunal Constitucional, ainda não transitada.

O país tem necessidade de uma nova lei de política criminal?
O país tem necessidade uma aplicação ainda melhor da actual lei de política criminal, o que sei estar nas intenções do PGR e do MP.

Concorda com ideia – ao que parece, com um número crescente de adeptos – de que a justiça portuguesa tem sido incapaz de condenar os criminosos quem têm dinheiro e poder?
Um sistema processual penal muito garantístico e complexo como nosso dá margem para que um maior poder económico e um melhor apoio jurídico a que por via dele se tem acesso, permitam que, em concreto, se possa chegar à impunidade. Daí que entenda e venha defendendo que importaria elaborar uma lei autónoma de investigação e julgamento expedito da criminalidade de massas, sem prejuízo das garantias constitucionais, que libertassem recursos que permitissem a investigação e julgamento atempado da criminalidade grave e complexa.

Perfil
Manuel José carrilho de Simas Santos 63 anos
Magistrado
Nasceu em Angola, cresceu no Minho e vive no Porto, desde 1972.É juiz conselheiro jubilado do Supremo Tribunal de Justiça, onde também foi procurador-geral-adjunto coordenador. Actualmente, preside ao Conselho de Fiscalização das Bases de Dados de ADN, é professor do Instituto Superior da Maia e da Universidade do Minho. Tem publicado artigos e livros de direito penal e de processo penal.
Vitor mango
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