Na véspera

Na véspera

Na véspera da apresentação do Orçamento, PS ouviu os banqueiros, PSD passeou-se com Alberto João Jardim e PCP e BE bateram-se por autoestradas à borla. Um retrato do desnorte do Governo e da oposição.
Daniel Oliveira (www.expresso.pt)


8:00 Sexta feira, 15 de Outubro de 2010

Na véspera da apresentação do Orçamento, o Governo ouviu os banqueiros. É simbólico que sejam os que menos contribuem para as contas públicas que tenham a última palavra sobre o assunto. É simbólico que sejam aqueles a quem menos é exigido que venham, um dia antes de apresentar o Orçamento, dar conselhos sobre o futuro. É simbólico que sejam os que mais contribuíram, em Portugal e no mundo, para a crise que vivemos que venham apelar à responsabilidade. Provavelmente não faz qualquer diferença. Mas mandava o decoro que esta não fosse a última conversa de Teixeira dos Santos.

Na véspera da apresentação do Orçamento, Passos Coelho passeou-se na Madeira com Alberto João Jardim. O que exige que se faça cair o Governo já amanhã. É simbólico que seja na companhia desta figura que o líder do PSD venha falar de irresponsabilidade financeira. Esse sim, sempre gastou como se não houvesse amanhã. Esse não, nunca esteve disponível para qualquer tipo de sacrifício. Aí sim, na Madeira, é que o Estado é tudo e Jardim é o Estado. Escolher um dos maiores sugadouros de dinheiro público para um passeio antes do terrível dia que nos espera foi uma excelente ideia. Recorda-nos que bem prega Frei Tomás. Onde manda o PSD faz tudo o que diz ser vício socialista.

Na véspera da apresentação do Orçamento, o PCP e o Bloco de Esquerda tentaram impedir a introdução das portagens nas SCUT. Tem razão, apesar de não ter autoridade, a ex-secretária de Estado dos Transportes quando diz que é indecoroso que, quando se vão cortar salários, se defenda que o país pague o transporte individual. É revelador que o PCP mande a coerência às malvas e se limite a reproduzir os discursos "sindicais" das comissões de utentes que cria pelo País. É vergonhoso que o Bloco contrarie o seu discurso em defesa do transporte público e contra os sorvedouros que são as parecerias público-privadas e advogue, apenas para ganhar vantagem, que sejam enterrados milhões a subsidiar a maior rede (proporcionalmente) de autoestradas da Europa. Quando se corta no Rendimento Social de Inserção, nas reformas, no consumo, nos salários e se prepara para retirar do serviço públicos linhas ferroviárias e ramais, é inadmissível que se batam por portagens à borla. Portagens que todos, incluindo os que apenas usam transportes públicos (pagos), terão de desembolsar. Que se critique a forma como a coisa foi feita, como fez PSD e CDS, parece-me natural. Que se faça das SCUT a bandeira politica deste momento parece-me absurdo.

A véspera da apresentação do Orçamento foi um excelente retrato de autismo e incoerência do Governo e da oposição. Banqueiros, Jardim e a defesa de portagens de autoestradas pagas por todos são as piores imagens que nos podiam ter ficado na nossa memória para o dia que aí vem. Precisávamos tanto de uma coisa diferente: firmeza nas convicções de cada um, sem cobardia nem oportunismo.