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A questão do Orçamento

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Mensagem por Viriato Ter Out 19, 2010 3:46 am

A questão do Orçamento

por MÁRIO SOARES

1. Finalmente o Orçamento do Estado para 2011 foi apresentado ao presidente da Assembleia da República, tarde na noite do dia 15. Tal como disse o ministro das Finanças, numa curtíssima intervenção, foi o Orçamento mais difícil de fazer dos últimos 25 anos. E, sobretudo, é muito duro para os portugueses, em especial os de menores rendimentos.

Antes, na manhã do mesmo dia, houve o debate quinzenal na Assembleia da República, em que esteve presente o primeiro-ministro, como é costume. O tema foi, obviamente, o Orçamento e a sua aprovação, ou não. Sócrates afirmou que está disposto a negociar até ao último dia. E que o ministro das Finanças tem a porta aberta, 24 horas por dia, para receber qualquer deputado que tenha sugestões a apresentar.

O Orçamento, em si, quando começou a ser conhecido, tornou-se uma bomba ao retardador, que vai ter consequências, no plano social, imprevisíveis. Foi-nos imposto pelo Banco Central Europeu. Sócrates disse, com sinceridade, que algumas medidas tomadas "cortam o coração".

Os mercados são insaciáveis, como reconheceu o ministro Teixeira dos Santos, na entrevista que deu no domingo ao Público. Foi o resultado da ideologia neoliberal, que transformou os mercados - que ninguém sabe o que são e quem os comanda - e os pôs no centro de tudo: das sociedades, da política, da ética e das próprias pessoas. A América de Bush pensou que, através dos mercados, poderia governar o mundo, com a globalização desregulada. Enganou-se, como provam os países emergentes e a crise global financeiro-económica que afecta todos.

Os responsáveis da União Europeia, infelizmente, ainda não quiseram compreender que sem mudar de paradigma - com regras éticas estritas, comando político concertado e uma séria preocupação social e ambiental - a União não poderá voltar a ser o que foi, e inverter o declínio em que está a cair. É por isso que, em vez de nos ajudar, nos impõe um Orçamento que tem vantagens, quanto aos cortes no despesismo (inaceitável) do Estado, regiões autónomas, autarquias e parcerias público-privadas, e grandes inconvenientes, para a paz social, dados os cortes, nos domínios da saúde, das pensões e da educação.

Contudo, atenção: a questão central que está em cima da mesa - e continua a estar, até 28 e 29 do corrente mês - é saber se o Orçamento para 2011 é aprovado ou não na Assembleia da República. E como? Por voto maioritário, ou por mera abstenção. No plano externo, não é indiferente. Se não for aprovado, o actual Governo demite-se, como Sócrates disse, e ficará em mera gestão, sem autoridade nem poder. Junta-se, assim, à crise económica e financeira - que nos afecta - uma crise política, que durará meses e estimula os especuladores dos mercados a atacar-nos. O crédito externo tornar-se-ia dificílimo, quer para o Estado quer para os bancos privados e, portanto, para as empresas. Ficaríamos pior do que a Grécia. Daí que o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia - pela voz de Vítor Constâncio, vice-presidente, e de Durão Barroso, presidente, com os peso das posições que ocupam - tenham dirigido apelos ao PSD para deixar passar o Orçamento. Têm razão, quanto a mim.

Portugal, membro da Zona Euro e da Comunidade Europeia há 25 anos, não tinha possibilidade de recusar a imposição de Bruxelas. Como não teve a Espanha, a Irlanda, etc... A menos que saísse da Zona Euro ou da Comunidade, o que seria, como se diz, pior a emenda do que o soneto. Um desastre!

É por isso que tenho dito que não há alternativa à aprovação do Orçamento. Os protestos da esquerda radical resultam simpáticos para os que têm de apertar muito o cinto e se sentem injustiçados. Mas não passam disso. Se, por hipótese absurda, chegassem ao poder, por voto dos portugueses, a única alternativa diferente da actual seria voltarmos ao "orgulhosamente sós" de Salazar - num contexto internacional muito mais difícil - ou a um modelo económico tipo cubano, que hoje todos reconhecem ser de partido único e de miséria extrema.

Não quero com isto dizer - como os leitores já perceberam - que concorde com as receitas economicistas para ultrapassar a crise recomendadas pelo Banco Central Europeu, que, a meu ver - e não sou economista - nos vão conduzir à recessão e à decadência, não só a nós mas à União, se não mesmo à sua desintegração.

Quero só dizer que o nosso combate tem de ser feito no quadro europeu, partidário e sindical, e não no plano nacional, que, como tentei explicar acima, só nos pode conduzir a uma situação pior do que aquela em que estamos.

Realmente, o modelo europeu, económico e financeiro neoliberal, ainda em voga, só pode levar-nos a um desastre, a nós todos, europeus. Muitos europeístas conscientes e informados, dos 27 Estados membros, têm vindo a chamar a atenção para isso, com imensa coragem. Os Nobel da Economia Krugman e Stiglitz, entre outros, têm-no feito com regularidade e clareza, nos jornais e livros em que escrevem. E não são socialistas. Mas perceberam, desde sempre, que o capitalismo especulativo, sem regras éticas, desregulado e tendo como único valor o lucro, está esgotado. É preciso substituí--lo por um novo paradigma, como avisou Obama, com princípios éticos e uma dimensão social e ambiental a sério.

Os partidos e os sindicatos portugueses, com consciência desta situação, quer apoiem o Governo ou a oposição, devem associar-se aos seus homólogos de outras nacionalidades europeias a fim de criarem um movimento de opinião contrário às práticas economicistas do Banco Central Europeu e da Comissão Europeia, através do Parlamento Europeu e fora dele. Antes que as revoltas dos jovens e dos desempregados, ou dos que, simplesmente, sentem a injustiça das restrições que estão a sentir, os lancem em acções violentas e incontroláveis, desesperadas, como parece já estar a desenhar-se em França...

Mas depois de o Orçamento ser aprovado e para termos autoridade e força, como portugueses, para participarmos nesse grande movimento europeu, que vai necessariamente chegar, para evitar a decadência da União e assegurar a continuidade de um dos seus principais traços de identidade: o modelo social europeu, que nos trouxe mais de cinquenta anos de paz, de bem-estar e de democracia. Não se trata de uma utopia. Mas apenas da consequência lógica do projecto político europeu, que não podemos deixar que desapareça.

2. Com o derrotismo da comunicação social, a vitória da diplomacia portuguesa, ao ter conseguido fazer eleger Portugal como membro não permanente do Conselho de Segurança da ONU, contra um Estado como o Canadá, passou quase despercebida. E, no entanto, foi um feito importante, pelo que significa relativamente ao prestígio de Portugal no mundo. Vale a pena, por isso, insistir e celebrar o feito, porque disso se tratou, aliás, pela terceira vez, felicitando o ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, e o nosso embaixador junto da ONU, José Filipe Moraes Cabral.

Portugal não é um país periférico, pobre e pequeno, como alguns portugueses, novos "vencidos da vida", gostam de fazer crer. Pelo contrário. Desde o 25 de Abril é um país respeitado em todos os continentes e admirado. Porque fez uma revolução de sucesso, pacífica, que cumpriu num espaço recorde os objectivos dos "capitães de Abril": "descolonizar, democratizar e desenvol- ver". Depois entrámos, por direito próprio, na CEE (hoje União Europeia) e fazemos parte do Espaço Schengen, abolindo as fronteiras com os nossos parceiros e da Zona Euro. Além disso, pertencemos à CPLP e todas as nossas ex-colónias, sem excepção, adoptaram a língua portuguesa, incluindo o Brasil. O qual, em 1808, acolheu o nosso rei D. João VI e a Casa Real, tornando o Rio de Janeiro a capital do império português. Exemplo único! Hoje, o português é a terceira língua mais falada da Europa e uma língua em expansão. O que não é pequena coisa.

Portugal tem hoje relações com todos os Estados do mundo e é respeitado e querido, com se viu agora na eleição para o Conselho de Segurança da ONU. Os derrotistas de serviço deviam pensar Portugal numa perspectiva de médio prazo e não só nas dificuldades do imediato, nos números e nos défices. Que têm importância, obviamente, mas não tanto como as pessoas e o peso da história...

3. O Chile deu ao mundo uma lição de humanismo e de interesse pelos seus compatriotas, aliás, humildes, verdadeiramente excepcional. Trinta e três mineiros, soterrados a 700 metros de profundidade, 17 dias sem conseguirem comunicar com o exterior, quase sem comida e sem água, conseguiram subsistir, 69 dias, sem pânico nem desânimo, solidários entre si, e com um líder que os dinamizou e os organizou para poderem resistir. Um feito memorável.

Ouvi e vi a entrevista que o Presidente do Chile, Sebastian Piñera, de passagem por Portugal, deu à TVI. Estava orgulhoso do Chile e do trabalho realizado pelo seu Governo (que teve a contribuição da NASA) para salvar os mineiros. É natural. O mundo inteiro acompanhou solidariamente e saudou o feito realizado, para o qual o Presidente contribuiu, com a sua presença no local quase diária, entregando ao seu Governo a responsabilidade, nada fácil e seguramente muito dispendiosa, de salvar a vida dos mineiros. Por isso falei em lição de humanismo. Por que foi a salvação dessas vidas que contou acima de tudo, do dinheiro e dos interesses. Inesquecível exemplo!

Vimo-los chegar, um a um, barbeados e limpos, sem marcas do horror a que estiveram submetidos tanto tempo. Sem queixas. Dando vivas ao Chile e agradecendo a solidariedade dos seus compatriotas e do Governo Piñera. Uma lição que o mundo, neste tempo tão inumano, deve interiorizar, sobretudo junto das jovens gerações.

4. A China é hoje a segunda grande potência mundial. Verificou-se isso na passada Conferência de Copenhaga sobre o ambiente. Mas tem problemas óbvios, com o seu crescimento demográfico e as desigualdades sociais que daí resultam, entre os rurais, que não param de emigrar, e as populações (não todas, claro) das grandes cidades. Assim, e apesar do grande salto no seu desenvolvimento, a China é um país cujo futuro é ainda bastante incerto. É o que resulta de um extracto do Asia Times online, de Hong Kong.

O Presidente chinês, Hu Jintao, declarou recentemente que a China está disposta a jogar um papel mais importante e construtivo, na cena internacional. É importante, porque a China, ao longo dos tempos, sempre foi um país pacífico e isolado no seu território.

O ideólogo chinês, Zhang Xiaotong, escreveu que o Partido Comunista chinês fez "uma inovação teórica, fundada na compreensão científica do desenvolvimento das mudanças actuais do mundo. E para tanto cita uma frase do Presidente Hu Jintao em que afirma (cito) "que o futuro e o destino da China contemporânea estão cada vez mais estreitamente ligados ao resto do mundo (vide Courrier internationale, hors série, intitulado "A China que aí vem").

A revista americana Time, de 4 de Outubro último, refere a luta de moedas entre a China, o yuan, e a América, o dólar, e escreve: "Para haver um maior equilíbrio entre as duas economias, os americanos teriam de consumir menos e poupar mais; e a China comprar mais e poupar menos..."

E, puxando a brasa à sua sardinha, conclui: "Um yuan forte é bom para todos. Enquanto a China não compreender isto, continuará a criar tensões com o resto do mundo e a impedir a recuperação da economia global..." É uma observação excessiva e unilateral.

Curioso mundo aquele em que vivemos.

Viriato
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