Os cínicos são animais tristes
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Os cínicos são animais tristes
Os cínicos são animais tristes
A ideia de que Sócrates provocou o chumbo do PEC para ir a eleições nesta altura, tese defendida por muita e até excelente gente, ao mesmo tempo que o reduz a um ser unidimensional explicável pelas mais rasteiras cogitações está também a endeusá-lo. Implicaria que Sócrates tivesse o poder de condicionar a resposta do PSD e de Cavaco, então passivas testemunhas de uma marosca que todos conseguiam topar menos eles. Obviamente, isso é absurdo.
Os factos contam outra história. O Governo anda desde Março de 2010 a seguir uma estratégia de gestão daquela que é uma dupla crise: a dos mercados de financiamento e da Europa, esta incapaz de resolver o problema e ainda conseguindo agravá-lo ao exigir uma austeridade que impede o crescimento dos países atingidos. E isto adentro de um Governo minoritário num Parlamento lunático, para a festa ser completa. Tal levou Sócrates e Teixeira dos Santos a percorrerem este mundo e o outro, procurando aliados poderosos para fazer face às poderosas forças dos mercados. O propósito foi sempre o de ganhar tempo, esperando que a Alemanha se decidisse por uma nova solução que evitasse o fracasso do resgate grego e irlandês. Aos poucos, ficou claro que Portugal se tinha tornado o dedo enfiado no buraco do dique. Se o tirasse antes de se terem feito as obras de protecção, o buraco europeu iria aumentar rápida e avassaladoramente. Começaram a surgir repetidos elogios dos parceiros europeus à resistência portuguesa. Neste enquadramento, a ida de Sócrates à Alemanha a 2 de Março, onde reuniu com Merkel, foi o primeiro passo num mês que se queria decisivo. Sócrates levava os resultados da execução orçamental de Janeiro e Fevereiro, os quais permitiam avançar em direcção à fase seguinte, e ouviu de Merkel um incondicional apoio. Pelo meio, o Governo estava em negociações para a actualização do PEC, as quais eram do conhecimento do Presidente da República e do PSD. E pelo meio o Presidente da República tinha tido um discurso de vitória completamente persecutório, declarando guerra aberta ao Governo. Não havia qualquer possibilidade de contar com a lealdade da Presidência, a qual desejava vingança no mais curto espaço de tempo. No PSD o ambiente era igualmente de frenesim de frustração, Passos Coelho sentia-se a perder o partido. Se fosse convidado para negociar o PEC antes de Portugal se comprometer na Europa com ele, repetiria o mantra oficial: acabaram-se as ajudas ao Governo.
Se o Governo não estivesse a pensar em demitir-se, perante a vergonha do discurso da tomada de posse presidencial e com o segundo passo da estratégia europeia a ter de ser cumprido sem falta a 11 de Março, só havia um caminho: em frente e a todo o vapor. Portugal não podia ficar refém dos rancores de um e dos medos do outro, tínhamos de cumprir com o nosso papel, o Governo tinha de agir em conformidade com a sua responsabilidade. Assim foi feito, e que os restantes agentes assumissem as respectivas obrigações. Só que não assumiram, preferindo impedir Sócrates de se vangloriar por ter aguentado a pressão dos mercados com sucesso. Foi uma escolha consciente pela terra queimada, no cálculo de que seria muito mais difícil derrotar o PS caso a tempestade financeira tivesse passado. Cabrões de merda.
De 11 a 23 de Março, foram dadas todas as condições para se chegar a acordo com o PSD. Por um lado, Sócrates desdobrou-se em declarações onde apelou à negociação de qualquer dos pontos em causa. Por outro, figuras de referência do PS abriram espaço para que o PSD não perdesse a face, aparecendo Mário Soares e António Costa a castigarem duramente Sócrates e Teixeira dos Santos, e ainda ministros e dirigentes a declararem que tinha sido um erro não se ter cuidado da forma como se fez a apresentação do PEC. Em diplomacia, estas manifestações transmitiam ao adversário a reparação exigida para o compromisso não lhes causar prejuízo interno. Como não resultou, na parte final a pressão foi feita sobre Cavaco, cúmplice maior do plano para derrubar o Governo nesta altura. Também aí Mário Soares colocou o seu estatuto presidencial e peso histórico, só para ser achincalhado.
Sócrates já não é só um fenómeno político, é também um fenómeno cultural de imprevisível fecundidade. E foi a baixeza dos ataques que sofreu por ter ousado enfrentar tantos interesses corporativos, juntamente com a coincidência da crise económica internacional e crise financeira europeia, que o levaram para esse simbolismo onde aparece como inaudito líder carismático num país de cabos-de-esquadra. Não é preciso é que o transformem num semideus capaz de manietar os seus arqui-inimigos sempre que lhe dá na tola. Basta que admitam que ele é um tipo que gosta muito do que foi escolhido para fazer.
Valupi
A ideia de que Sócrates provocou o chumbo do PEC para ir a eleições nesta altura, tese defendida por muita e até excelente gente, ao mesmo tempo que o reduz a um ser unidimensional explicável pelas mais rasteiras cogitações está também a endeusá-lo. Implicaria que Sócrates tivesse o poder de condicionar a resposta do PSD e de Cavaco, então passivas testemunhas de uma marosca que todos conseguiam topar menos eles. Obviamente, isso é absurdo.
Os factos contam outra história. O Governo anda desde Março de 2010 a seguir uma estratégia de gestão daquela que é uma dupla crise: a dos mercados de financiamento e da Europa, esta incapaz de resolver o problema e ainda conseguindo agravá-lo ao exigir uma austeridade que impede o crescimento dos países atingidos. E isto adentro de um Governo minoritário num Parlamento lunático, para a festa ser completa. Tal levou Sócrates e Teixeira dos Santos a percorrerem este mundo e o outro, procurando aliados poderosos para fazer face às poderosas forças dos mercados. O propósito foi sempre o de ganhar tempo, esperando que a Alemanha se decidisse por uma nova solução que evitasse o fracasso do resgate grego e irlandês. Aos poucos, ficou claro que Portugal se tinha tornado o dedo enfiado no buraco do dique. Se o tirasse antes de se terem feito as obras de protecção, o buraco europeu iria aumentar rápida e avassaladoramente. Começaram a surgir repetidos elogios dos parceiros europeus à resistência portuguesa. Neste enquadramento, a ida de Sócrates à Alemanha a 2 de Março, onde reuniu com Merkel, foi o primeiro passo num mês que se queria decisivo. Sócrates levava os resultados da execução orçamental de Janeiro e Fevereiro, os quais permitiam avançar em direcção à fase seguinte, e ouviu de Merkel um incondicional apoio. Pelo meio, o Governo estava em negociações para a actualização do PEC, as quais eram do conhecimento do Presidente da República e do PSD. E pelo meio o Presidente da República tinha tido um discurso de vitória completamente persecutório, declarando guerra aberta ao Governo. Não havia qualquer possibilidade de contar com a lealdade da Presidência, a qual desejava vingança no mais curto espaço de tempo. No PSD o ambiente era igualmente de frenesim de frustração, Passos Coelho sentia-se a perder o partido. Se fosse convidado para negociar o PEC antes de Portugal se comprometer na Europa com ele, repetiria o mantra oficial: acabaram-se as ajudas ao Governo.
Se o Governo não estivesse a pensar em demitir-se, perante a vergonha do discurso da tomada de posse presidencial e com o segundo passo da estratégia europeia a ter de ser cumprido sem falta a 11 de Março, só havia um caminho: em frente e a todo o vapor. Portugal não podia ficar refém dos rancores de um e dos medos do outro, tínhamos de cumprir com o nosso papel, o Governo tinha de agir em conformidade com a sua responsabilidade. Assim foi feito, e que os restantes agentes assumissem as respectivas obrigações. Só que não assumiram, preferindo impedir Sócrates de se vangloriar por ter aguentado a pressão dos mercados com sucesso. Foi uma escolha consciente pela terra queimada, no cálculo de que seria muito mais difícil derrotar o PS caso a tempestade financeira tivesse passado. Cabrões de merda.
De 11 a 23 de Março, foram dadas todas as condições para se chegar a acordo com o PSD. Por um lado, Sócrates desdobrou-se em declarações onde apelou à negociação de qualquer dos pontos em causa. Por outro, figuras de referência do PS abriram espaço para que o PSD não perdesse a face, aparecendo Mário Soares e António Costa a castigarem duramente Sócrates e Teixeira dos Santos, e ainda ministros e dirigentes a declararem que tinha sido um erro não se ter cuidado da forma como se fez a apresentação do PEC. Em diplomacia, estas manifestações transmitiam ao adversário a reparação exigida para o compromisso não lhes causar prejuízo interno. Como não resultou, na parte final a pressão foi feita sobre Cavaco, cúmplice maior do plano para derrubar o Governo nesta altura. Também aí Mário Soares colocou o seu estatuto presidencial e peso histórico, só para ser achincalhado.
Sócrates já não é só um fenómeno político, é também um fenómeno cultural de imprevisível fecundidade. E foi a baixeza dos ataques que sofreu por ter ousado enfrentar tantos interesses corporativos, juntamente com a coincidência da crise económica internacional e crise financeira europeia, que o levaram para esse simbolismo onde aparece como inaudito líder carismático num país de cabos-de-esquadra. Não é preciso é que o transformem num semideus capaz de manietar os seus arqui-inimigos sempre que lhe dá na tola. Basta que admitam que ele é um tipo que gosta muito do que foi escolhido para fazer.
Valupi
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