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A revolta da dentadura

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A revolta da dentadura Empty A revolta da dentadura

Mensagem por Vitor mango Sex Jul 20, 2012 8:18 am


A revolta da dentadura







A revolta da dentadura 1100050p

Ele
há dias assim! Quando são assados ainda se mastigam, com ou sem molho,
mas com dias assim… não há dentadura que resista. Ele são incisivos que
entram em greve, caninos que rosnam à simples vista do prato e molares
que desfalecem com a ideia de moerem o que quer que seja.
Pois hoje é
um desses dias assim e nada há que eu possa fazer para mudar isso. Vai
daí, lembrei-me: e se martelasse umas teclas para passar o tempo?
A dentadura arrepiou-se e atirou:
-
Olha lá, essa de martelares teclas é código novo? Se estás a pensar
meter o que quer que seja no céu da boca, tira o cavalinho da chuva
porque vais engoli-lo inteiro, percebes?
Logicamente, tentei apaziguar os dentes.
- Calma, eu refiro-me mesmo a…
-
Calma uma pinóia! – gritou um dos caninos de ponta em riste – Aqui não
se mastiga mais nada, estamos de greve até vermos satisfeitas as nossas
reivindicações!
- E quais são as vossas reivindicações? – perguntei
já mais chateada do que um bife em cima da grelha – Vocês falam, falam,
falam, e não adiantam o que querem, fazem-me lembrar os sindicatos que
dizem não a tudo sem apresentarem resoluções para o que querem!?
O outro canino ainda abriu a boca, mas o siso esquerdo cortou-lhe a verve e, calmamente, retrucou:
-
É muito simples. Queremos bifes macios, batatas sem grumos, hortaliças
que não pareçam corda desfiada, peixe sem escamas e muito menos
espinhas, porque quem atura a garganta, depois, somos nós, e menos
doces.
- Alto lá – bradam os molares em coro – fala por ti em relação aos doces, ‘tá bem?
-
Mas falo por mim, porquê, hein? – irrompe, já zangado, o siso direito –
Querem ver-me estragado? Querem ver-me daqui para fora, é?
- Já que
estão nesse berreiro – interrompe a língua na sua voz esganiçada – quero
acrescentar sabor a essa lista. Estou farta de enrolar porcaria sem
reconhecer o que quer que seja. Chamam bife a uma porcaria de sola,
peixe a um monte de papa que não sabe a coisa alguma, hortaliça ao que
sabe a cortiça, e a fruta? Qu’horror, a fruta, mais vale darem-me logo a
esferovite das caixas que nem dou pela troca.
Os incisivos riram-se.
-
Vocês queixam-se, mas quem tem de partir essas coisas todas, somos nós.
Um dia destes deram-nos um pedaço de costeletão que mais parecia
madeira.
- Eh, qu’exagero – abespinha-se a garganta – Parecem bebés
chorões, só se sabem lamentar. Eu bem vejo a treta de mastigação que
vocês andam a fazer ultimamente, bem sinto os pedaços mal enjorcados
apertarem-se nas minhas paredes e já não é a primeira vez que me
engasgo. Vão trabalhar, seus mandriões!
- Mandriões? – vocifera a dentadura em coro.
- A única coisa que sabes fazer – diz o pré-molar – é engolir o nosso trabalho e os mandriões somos nós?
-
Isso, isso, - rosna um canino – a madame está descansadinha da vida a
engolfar a paparoca mastigada por nós e tem a lata de nos chamar
mandriões. E tu, aventesma descaroçada, és o quê?
- Eu? Aventesma descar…
- Calma! – atalhou o siso esquerdo – Assim não vamos a lado algum.
-
Mas eles é que começaram, tu não ouviste o que eles me chamaram? –
insistiu a garganta, já quase sem voz – Ai que me dá uma coisa!
Ingratos, são todos uns ingratos, o que seria de vocês se eu não
engolisse a trampa que me dão?
- Ah, não, agora chega! – disse eu.
O silêncio impôs-se, entrecortado pelos soluços da garganta que começava a inchar para minha preocupação.
-
Eu não posso desfazer-me na comida que vocês querem, eu limito-me a
comprar o que há ou então morremos de fome… ou será que vossas
excelências ainda não deram conta disso?
Os caninos fizeram uma rápida troca de olhares com o siso esquerdo. Este pigarreou.
-
Hum… e custava-te alguma coisa dar-nos essa informação? Nós só sabemos o
que nos calha como matéria-prima, onde a vais buscar não é do nosso
conhecimento nem podemos adivinhar.
- Era só o que me faltava! –
suspirei – Agora sou obrigada a informar os meus dentes sobre a
qualidade da comida que lhes sirvo, talvez em forma de pré-aviso, não? E
não querem o certificado de origem, também?
Os molares mexeram-se nos seus lugares enquanto os pré-molares cochicharam nas costas dos caninos.
- Bom… - começa o siso esquerdo cofiando o bigode – está visto que não encontramos uma plataforma séria para um compromisso.
-
Ora bolas, mas vocês devem estar a brincar comigo?! Que raio de
plataforma querem que se encontre se o que me pedem não está nas minhas
mãos? Vocês conhecem o estado da nossa agricultura, pescas ou
agro-pecuária? Vocês sabem o que é importação?
- Pronto, já cá faltava a conversa sobre a economia do país! – diz com enfado o siso direito.
-
Ó minha, isso não nos diz respeito nem é culpa nossa, costuma dizer-se
que quem faz a cama é quem nela se deita, por isso… - interpõe um molar.
-
Bom, bom, bom – interrompe o siso esquerdo – não vale a pena entrarmos
por aí. Vamos lá resumir: nós pretendemos melhores condições de trabalho
e tu não no-las podes garantir, é isso?
- Hemm… - comecei.
- Tudo bem, ficamos por aqui. Pessoal, acabou o plenário espontâneo.
- Espera lá, ficamos por aqui como?
Mas
já a dentadura se tinha recomposto, a língua assente no seu leito bocal
e a garganta, ainda vexada, manteve-se em silêncio, corada e algo
inchada.
Voltei a minha atenção para o teclado do computador, a minha
verdadeira intenção desde o início, mas sem saber o que haveria de
escrever pois a discussão fizera-me perder o mote. Antes e como de
costume, tirei um cigarro meio distraída e este caiu-me no chão. Afastei
a cadeira para o apanhar calculando mal as distâncias e bati com a
testa na sacretária.
Acordei sobressaltada com esta a doer, tinha acabado de bater na mesinha de cabeceira.
- Bolas, foi tudo um sonho!
Esfreguei
o ponto que tinha batido e levantei-me para seguir até ao armário dos
medicamentos, um dos sisos tinha começado a doer-me.
- Raios o partam!





Autoria de


GMaciel





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Sorrisos sem siso

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Só discuto o que nao sei ...O ke sei ensino ...POIZ
A revolta da dentadura Batmoon_e0
Vitor mango
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