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Adriano Moreira

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Adriano Moreira Empty Adriano Moreira

Mensagem por Vitor mango Sex Set 07, 2012 1:49 am


Adriano Moreira








Adriano Moreira Adriano+Moreira

Lembro-me muito bem da primeira aula a que assisti, tendo Adriano
Moreira como professor. Foi em outubro de 1968, no Instituto Superior de
Ciências Sociais e Política Ultramarina (ISCSPU), de que Adriano
Moreira era diretor. Caramba, foi já há 44 anos! E Adriano Moreira fez
ontem 90 anos.




Adriano Moreira era, à época, um nome de que muito se falava - mas sobre
o qual, por razões que a conjuntura tornava óbvias, muito pouco se
escrevia. Dias antes, Marcello Caetano fora nomeado pelo presidente
Tomaz para o cargo de "presidente do conselho", em substituição de
Salazar. Nos conciliábulos do regime e não só, o nome de Adriano Moreira
havia sido citado como uma possível opção, mas os equilíbrios que se
refletiram na decisão do presidente da República não o favoreciam. À
época, referiram-se muito as resistências que o seu nome suscitaria em
certos círculos militares, embora outras opiniões fossem no sentido de
que outras tendências castrenses desejavam vê-lo em S. Bento. A verdade é
que, no saldo final, Adriano Moreira ficou arredado da sucessão de
Salazar, em benefício de Marcello Caetano. E, este, logo que pôde, pela
mão do ministro José Hermano Saraiva, cuidou em afastá-lo da direção do
ISCSPU, nos primeiros meses de 1969.




Para os estudantes, esta evidente conflitualidade com Caetano dava a
Adriano Moreira uma auréola de alguma "oposição", que se vinha a somar à
imagem vaga, que alguns "connaisseurs" espalhavam, dos seus tempos de
jovem advogado, em que chegara a estar detido pela polícia política,
pela sua ação de defesa dos interesses da família do general Godinho,
cuja morte misteriosa na prisão, na decorrência de uma tentativa de
golpe militar, fazia parte das mitilogias recorrentes do "reviralhismo".
Não parecia, assim, estranho que o movimento estudantil dentro do
ISCSPU, que se vira provocado pela "não homologação" ministerial da
lista vitoriosa nas eleições desse ano para a associação académica,
acabasse por se aliar taticamente a Adriano Moreira. Como membro dessa
direção associativa, tenho uma memória muito viva da gestão dessa
"aliança", que teve em Narana Coissoró uma figura proeminente. Recordo
bem a dificuldade que alguns de nós tínhamos em ver a nossa ação ligada à
de um antigo ministro de Salazar, pelo "risco" de estarmos a ser
instrumentalizados por uma das facções dentro do regime.




Adriano Moreira era um professor brilhante, com uma exposição atraente,
que nos gerava vontade de irmos mais longe naquilo que nos transmitia.
Começava as aulas em voz muito baixa, para desfazer as conversas
residuais na sala. Ao falar, circulava o olhar, fixando-se, por
instantes, em cada um de nós, o que dava a impressão de se nos dirigir
individualmente. Como a "política" era, como dizem os franceses, o seu
"fond de commerce", nós distinguiamo-la sempre por detrás de todos o
seus comentários, onde o "esquerdismo" de alguns procurava sempre
descortinar o que se assemelhasse a heterodoxia. Adriano - era assim que
a ele nos referíamos, entre nós - tinha a rara habilidade de suscitar
uma controlada polémica política entre os alunos. A minha colega Maria
João Bustorff lembrava, há tempos, o modo como Adriano estimulava
debates entre mim e o António Marques Bessa, cada um de nós em
lados bem antagónicos do espetro político, em confrontos nas aulas
que sempre tinham temas do "programa" como motivo. Belos tempos!




Pouco a pouco, nessas aulas, íamos sendo introduzidos na matriz do
pensamento de um homem que, um dia, Salazar escolhera inesperadamente
para a pasta do Ultramar, na sequência da rebelião angolana de 1961, mas
cujo espírito reformista o regime não acomodara e cuja frontalidade
acabaria por conflituar com o poder administrativo do governador de
Angola, general Sá Viana Rebelo, o que levaria o chefe do Governo a
tomar a decisão de ver-se livre, simultaneamente, dos dois. Adriano
Moreira não era um proselitista deliberado, não cuidava em
endoutrinar-nos, não veiculava uma ideologia clara. Era um questionador
do quotidiano, alguém que problematizava e nos obrigava a refletir.
Sentiamo-lo, claramente, do "outro lado", mas, estranhamente, não
provocava uma antagonização aberta. E isso, às vezes, enfurecia-nos: nós
fazíamos parte de uma geração maniqueísta e Adriano Moreira "furava"
essa fácil dualidade.




Com o 25 de abril, o radicalismo saneador dentro do ISCSP (que,
entretanto, perdeu o "U", como o país também perdeu o "ultramar"...) fez
com que Adriano Moreira saísse para o Brasil. Uma decisão estúpida e
sem sentido, para alguém que, não obstante o seu percurso político
anterior, tinha tido sempre um comportamento exemplar face aos alunos e
face à "nossa escola" (era assim que Adriano Moreira se referia sempre
ao Instituto), que nunca perseguira ninguém e a quem o ensino
universitário português - e as Ciências sociais, muito em particular -
muito deviam. Fiquei satisfeito quando esse seu afastamento chegou ao
fim e tive o prazer de então lho poder dizer, cara a cara, uma noite de
1979, na Gulbenkian. E gostei muito da sua resposta: "fico contente de
ouvir isso, particularmente vindo de si".




Adriano Moreira, depois do seu regresso de Portugal, envolveu-se na
política democrática, sempre de uma forma elegante, sem chicanas nem
grandes polémicas. Naturalmente, a área conservadora foi o seu meio
natural de expressão cívica. Porém, fê-lo sem "travestismos", sem
saltitar em conúbios oportunistas, umas vezes com a esquerda, outras
vezes com direita, como outros cataventos da história portuguesa
contemporânea. Manteve, em paralelo, uma atividade académica intensa
e, pela imprensa, tem espalhado um pensamento em matéria de relações
internacionais com uma profundidade muita rara entre nós.




Há pouco tempo, Adriano Moreira publicou um livro com as suas memórias.
Nesse seu reencontro com o passado, e embora se possam entender as
razões por que o terá feito, o texto de Adriano Moreira ficou, na minha
perspetiva, bastante aquém da síntese de vida que seria de esperar de
uma figura com a sua estatura. Senti por ali inesperados
compromissos, de uma natureza idêntica àqueles que, no passado, o levou,
algumas vezes, ao desnecessário facilitismo de rodear-se de gente que
não estava ao seu nível, nomeadamente no mundo académico.




Nos últimos meses, tenho-me cruzado com Adriano Moreira nas reuniões de
uma comissão a que ambos pertencemos, nomeada pelo governo, que tem como
tarefa preparar o novo Conceito estratégico de Defesa nacional. Nesses
encontros, Adriano Moreira tem produzido comentários e lançado ideias
que estão ao nível do seu melhor fulgor intelectual, a todos nos
ajudando a pensar melhor o país. E isso aos 90 anos, ontem completados.
Os meus parabéns, professor.




Publicado por
Francisco Seixas da Costa


às
00:01


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Só discuto o que nao sei ...O ke sei ensino ...POIZ
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