Caixa de cartão
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Caixa de cartão
Caixa de cartão
Quando nasci, a minha mãe meteu-me numa caixa de cartão, uma daquelas caixas onde as pessoas guardam os sapatos. Essa caixa era o meu berço, o meu quarto, a minha casa, as paredes que amorteciam o choro da minha mãe…
Poucas semanas depois, a minha mãe gastou todas as economias na compra de uma passagem de barco. Um barco que iria levar-nos para uma terra onde as meninas não dormem em caixas nem as mães choram. Partimos de madrugada e, nosegundo dia de viagem, fomos apanhados por uma tempestade. O barco virou, deixando entrar água pela coberta, e afundou-se. A minha mãe nadou desesperadamente até à costa, arrastando a minha pequena jangada de cartão, cujas paredes deixavam ouvir os gritos dos que não sabiam nadar.
Chegámos, por fim, a uma praia solitária. Só a minha mãe e eu, mais ninguém. A maré levou a minha caixa para o mar e nada havia que calasse o choro da minha mãe. Vagueámos vários dias, na esperança de encontrar alguém conhecido, algum companheiro da nossa malograda travessia, e dormimos ao relento até encontrar uma enorme caixa de cartão.
Essa caixa tornou-se a nossa cama, o nosso quarto, a nossa casa, as paredes que abrigavam o nosso choro.
Aprendemos a comer raízes porque, onde quer que se esteja, o sabor da terra é sempre o mesmo. Não sei bem porquê, mas isso reconfortava-nos. Todas as noites íamos às lixeiras em busca de alguma batata ou tomate. Numa dessas buscas, a minha mãe reconheceu uma mulher que tinha vindo no nosso barco. Abraçaram-se, choraram, perguntaram pelos outros… E ambas menearam tristemente a cabeça. Nessa noite, a nossa nova amiga, Aihala, mudou a sua caixa de cartão para junto da nossa. Além de abrigar o nosso choro, as caixas começaram também a ecoar o nosso riso. Embora parecesse impossível, ainda sabíamos rir.
♦♦♦♦
Várias luas se passaram. E novas amigas vieram juntar-se a nós com as suas caixas de cartão. E todas juntas sentíamo-nos seguras, até felizes. Porque, como dizia a minha mãe “Quando as penas se repartem, as lágrimas são mais pequenas”. À volta da nossa caixa nasceu uma aldeia de cartão, pobre mas alegre. Ríamos entre nós e também sorríamos para os desconhecidos, alguns dos quais nos devolviam o sorriso. Mas nem todos eram amáveis connosco. Houve até quem se tivesse divertido a lançar-nos fogo. E, numa noite que nunca mais se apagará da minha memória, o fogo espalhou-se pela aldeia de cartão e todas as caixas arderam. E nada conseguiu calar os nossos gritos de dor.
Nunca mais voltei a ver a minha mãe. Nem a Aihala. Levaram-me para um orfanato e, depois, quiseram que voltasse para o meu país. Mas lá ninguém me conhecia e aqui ninguém parecia conhecer o meu país. Por fim, fui adotada e, passado algum tempo, voltei a sorrir. Pode parecer impossível mas, apesar de tudo, não me tinha esquecido de sorrir…
Agora sou feliz com a minha nova mãe. Gosto dela e ela gosta de mim. Gosta de mim como sou. Vivo numa casa. Tenho o meu quarto, um armário… Nesse armário, há uma caixa de cartão, uma dessas caixas onde guardamos os sapatos que temos. Só que, na minha caixa, não há sapatos; apenas recordações. Porque não quero esquecer. Não quero esquecer o choro da minha mãe e, muito menos, o seu sorriso…
Txabi Arnal
Caja de cartón
Pontevedra, OQO, 2010
(Tradução e adaptação_________________
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