As pequenas coisas e os pequenos poderes
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As pequenas coisas e os pequenos poderes
Opinião
As pequenas coisas e os pequenos poderes
Alberto Pinto Nogueira
14/10/2013 - 10:32
A metralhadora da austeridade arrasa a nossa vida económica e material. Mas não só. Está por todo o lado. É tentacular. Instalou-se um clima social e político que amolece e afronta a nossa consciência de cidadão. O medo de hoje, do futuro sem futuro. A nossa insegurança e a dos nossos limita a liberdade. Aqueles simples direitos que tínhamos por definitivamente adquiridos. A liberdade de pensamento, de expressão, a cidadania.
O protectorado está irrespirável.
O catecismo da verdade governamental semeia verdadinhas, gere e nutre pequenos poderes, abusos, repressões por aqui e por ali.
A repressão e os atentados à cidadania têm milhentas formas. Os poderes pequeninos mostram quem manda e mantêm o cidadão no respeitinho, venerabundo da ordem desenhada na cabeça genial do poder.
Todos vivemos experiências de “pequenas coisas” que materializam abusos e excessos dos “pequenos poderes” que nos infernizam o quotidiano.
É o funcionário da repartição pública que silencia o vexame do chefe com receio de represálias; o trabalhador que se priva de ir à casa-de-banho que o encarregado controla; o cliente cabisbaixo no banco para lhe concederem o empréstimo; o cidadão humilhado na repartição para obter uma certidão; o jornalista que se contém na notícia ou artigo por causa da direcção do jornal; a testemunha que o juiz interroga aos berros; o procurador que não dispensa a autópsia da nossa mãe falecida no lar aos 89 anos com um AVC; a jovem que concorre a um trabalho na multinacional que quer saber se tenciona ter filhos nos próximos tempos; a seguradora que exige a declaração sobre se se tem sida como condição de firmar o contrato de seguro… Por aí adiante, numa miríade de situações abusivas que enegrecem a nossa vida.
As perguntas, acções e omissões não são só imbecis e idiotas. São ofensivas da dignidade e dos direitos individuais, da privacidade, da liberdade que mora no Homem. Impróprias e indignas de um Estado de Direito. Não têm resposta. Nem a sede da sua fonte está no funcionário do Estado e autarquia, do banco e multinacional, da seguradora e do jornal. Está em quem detém o poder. O funcionário é mero instrumento de quem manda e decide, da autoridade. O funcionário cumpre ordens. Sobre ele recai a repressão que repercute em quem procura os serviços.
Há dias, o PÚBLICO transcrevia um pensamento de Miguel de Cervantes: "Um dos efeitos do medo é perturbar os sentidos e fazer que as coisas não pareçam o que são."
Assim é. A austeridade gera o medo, o cidadão retrai-se e os poderes trepam. Abusam. Recorrem ao medo para manter o poder. Muitas vezes subrepticiamente, com ameaças veladas, debilitando a resposta política adequada. Num ápice, reduzem-nos a contribuintes sem direitos. Desrespeitam o nosso mundo privado e íntimo.
Somos um número de um cartão de contribuinte. Não de cidadão.
Procurador-Geral-Adjunto
Vagueante- Pontos : 1698
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