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Ucrânia: do carnaval laranja às cinzas da guerra civil

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Ucrânia: do carnaval laranja às cinzas da guerra civil Empty Ucrânia: do carnaval laranja às cinzas da guerra civil

Mensagem por Vitor mango Dom Fev 23, 2014 1:13 am

Ucrânia: do carnaval laranja às cinzas da guerra civil

Recentes acontecimentos na ex-república soviética têm menos a ver com ideologia e mais com interesses econômicos





Lá vai mais uma revolução colorida no carnaval que tem sido a história política da Eurásia. A Ucrânia, mesmo país que foi palco da "Revolução Laranja" entre 2004 e 2005 (seguida à Revolução das Rosas na Geórgia em 2003, e que abriu caminho para a das Tulipas no Quirguistão em 2005, do Açafrão na Birmânia em 2007 e Verde no Irã em 2009) volta aos holofotes numa crise com muito mais cor de sangue que as precedentes, enquanto o lado frio do mundo supostamente celebra a paz na Olimpíada de Inverno ali pertinho, em Sotchi, na beira do mesmo Mar Negro que banha as praias ucranianas. O acordo da noite de sexta (21/2) não sobreviveu à manhã de sábado (22/2), e a república ex-soviética acordou com presidente deposto ilegalmente e sob a ameaça concreta de guerra civil.

Efe
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Ucranianos anti-governo celebram após escutarem que o presidente Viktor Yanukovitch havia renunciado. Ele negou

No entanto, o carnaval antecipado de hoje nas ruas de Kiev tem mais a ver com um desfile de bloco dos sujos do que com um levante popular democrático. O próprio representante laranja na mediação, Vitaly Klitchko, foi recebido a vaias na praça, aos gritos de "traidor". A oposição direitista rasgou o compromisso acertado na véspera com o governo, tirou do caminho as lideranças moderadas e forçou a Rada (parlamento) a votar a deposição do presidente Viktor Yanukovitch, sem nenhuma base legal. Em bom português, o que antes era revolução laranja desbotou como golpe branco. A Praça da Independência, rebatizada como EuroMaidan (ou "Praça Europa"), concentra os manifestantes que trocaram o laranja de 2005 pelo azul e amarelo da bandeira nacional para receber a ex-premier Yuliya Tymoshenko, liderança laranja que, até a tarde de sábado, estava atrás das grades, cumprindo pena por corrupção.


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Nove anos depois, a mesma história: uma ampla coalizão de centro-direita força uma crise e, com a ajuda de extremistas nacionalistas e dinheiro do capital financeiro euro-americano, derruba o governo democraticamente eleito, ironicamente presidido pelo mesmo Yanukovitch, o candidato que ganhou mas não levou em 2004 , tendo o mandato roubado pelo líder laranja Viktor Yushchenko (presidente até 2010).


Do lado de fora, a mídia - por preguiça de entender ou incompetência de explicar - reduz tudo a uma mera questão de alinhamento externo entre pró-Rússia e pró-Ocidente, como passou décadas fazendo na Guerra Fria. Mas, para espanto das redações em Londres, Nova York e no Brasil, a Guerra Fria já acabou e nem tudo que ocorre no Leste Europeu tem a pegada do urso russo. Há mais elementos entre Moscou e Bruxelas do que sonha o vão simplismo dos ocidentais.

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A resposta, como quase sempre, é menos ideológica e mais material. It's the economy, stupid: grande parte do PIB ucraniano depende da exportação de commodities, e sua produção está concentrada nas áreas rurais e orientais do país - que é, também, a região de maioria étnica russa. De lá vem grande parte do que o país vende: gás, minérios, petroquímicos, maquinário e trigo - a Ucrânia ainda é "o celeiro da Europa" - e é por lá que passam para o maior cliente, a Rússia, responsável por comprar 25,7% de tudo que a Ucrânia exporta. Kiev também recebe bilionários royalties por parte de Moscou para deixar passar os oleodutos e gasodutos russos, por meio dos quais fornece combustível justamente à Europa. Outro ítem em alta na pauta de exportações ucraniana são armamentos. E o Ocidente não deseja ver o arsenal russo bem abastecido.

Assim, entre agosto e novembro de 2013, a Ucrânia sofreu uma chantagem oficial por parte da União Europeia: para assinar o protocolo de associação (passo inicial para a adesão ao bloco), o país deveria passar por cima de sua Justiça, soltar Tymoshenko e cortar os privilégios comerciais com seu vizinho maior, a Rússia. Yanukovitch não tinha como cometer suicídio econômico nem tinha poderes para caçar uma sentença judicial. De mãos atadas, resistiu enquanto pôde aos protestos orquestrados pelo empresariado do setor financeiro, rival do setor produtivo, e acabou deposto num golpe de Estado que certamente abriu alguns sorrisos em Frankfurt, na City e em Wall Street.

Como o congresso brasileiro fez com João Goulart em 1964, página infeliz da nossa história, a Rada ucraniana declarou vaga a presidência de Yanukovitch com o presidente ainda em território nacional, em Kharkiv, no oeste. Até a mediação europeia - Polônia, França e Alemanha - se queixa de que a oposição não respeitou os termos do acordo de sexta-feira. Em Kharkiv, Yanukovitch pediu ajuda à "comunidade internacional" para conter os "radicais" e, ao denunciar o golpe de Estado, avisou que não vai renunciar.

Simplificação

A mídia - tanto a do centro mundial de poder quanto a nossa, que a replica como papagaio - tira o laranja da palheta e simplifica ao extremo o quadro apenas com preto e branco. Querem pintar como covarde a liderança atual, enfatizando a "fuga" dos governantes para a Rússia, ao mesmo tempo que resgatam da prisão para a glória Tymoshenko, a "princesa Léia" dos corruptos, condenada a sete anos por abuso de poder, fraude contábil e evasão de divisas.

Curiosamente, o discurso da mídia revela dois pesos e duas medidas também nisso: aqui, enquanto o STF (Supremo Tribunal Federal) é saudado como independente por encarcerar, sem provas, ex-dirigentes do partido governista, lá a justiça é tratada como se não contasse, e como se quem tivesse posto Tymoshenko atrás das grades fosse o próprio governo. Já a moça das tranças (que fez carreira como executiva na financeira do marido, também denunciado por malversação de fundos) foi libertada por votação no parlamento, atropelando o poder judiciário, e posta numa cadeira de rodas para discursar para os correligionários na praça.

Efe
Ucrânia: do carnaval laranja às cinzas da guerra civil Yulia
Tymoshenko discursa na "EuroMaidan", horas após ter sido libertada da prisão. Ela foi condenada há dois anos por corrupção

A própria troca do nome do logradouro, de Praça da Independência para o slogan "EuroMaidan" é mais que uma elaborada jogada de marketing político: é também muito representativa da opção feita pela coalizão de liberais com fascistas ucranianos. Em nome do livre-mercado, estão dispostos a abdicar da independência pela assimilação à Europa do grande capital.

Cada paralelepípedo da praça deve ter se arrepiado com a desfaçatez da "oposição" nos artifícios para conseguir seus objetivos: na vanguarda do movimento estão partidos fascistas de verdade, como o Svoboda ("liberdade") e o Congresso dos Nacionalistas Ucranianos (KUN), cujo símbolo já mostra bem claramente a que vem. É uma aliança bem preocupante num país arrasado pelas tropas alemãs nas duas guerras mundiais e onde o nome do líder nacionalista Stepan Bandera (1909-1959), anticomunista que apelou aos nazistas para combater os soviéticos, ainda polariza opiniões. Em 2010, num dos últimos atos de governo, Yushchenko deu a Bandera o título póstumo de "herói da Ucrânia", no que foi condenado pelo Parlamento Europeu.

Parece que, para Bruxelas, não existe pecado do lado do leste da antiga Cortina de Ferro: todas as táticas são válidas em nome da geopolítica energética, inclusive financiar (como fazem entidades europeias e o Instituto Open Society, do megaespeculador George Soros) filhotes do mesmo fascismo que os soviéticos tanto sacrificaram para derrotar, fazendo da heróica resistência soviética uma passagem desbotada na memória das novas gerações.

Guerra civil

A hipocrisia continua na própria representação dos manifestantes: uma foto de Efrem Lukatsky, entre diversas outras publicadas esta semana, mostra oposicionistas disparando não um, mas feixes inteiros de rojões contra os policiais e prédios públicos. Parece que lá, ao contrário daqui, os rojões são armas da democracia e é legítimo apontá-los contra as forças de segurança, por mais que arrisque cair num jornalista.


Twitter/@ChristopherJM
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Ucranianos se manifestam em Kiev carregando retrato de Stepan Bandera, líder ultranacionalista e anticomunista

Parece que a ofegante epidemia das revoluções coloridas - em que a cor predominante deve ser o verde dos dólares escoados para financiar campanhas pró-mercado - ameaça voltar e contaminar os países em que governos de centro-esquerda tentam mexer nas feridas do capital, como na Venezuela, Tailândia e Brasil. Imagine-se o que ocorreria se os Estados Unidos tentassem - como esboçaram, com a ALCA - convencer a Argentina a abandonar preferências comerciais com o Brasil, seu maior comprador de carne, trigo e autopeças. Iria instigar uma revolta em Buenos Aires, condenando o governo como ditatorial e ponto a culpa numa suposta influência negativa brasileira? Iria rachar a Argentina ao meio, dizendo que a região norte do país (coincidentemente, também produtora de gás e cereais) era etnicamente mais próxima ao Brasil e que isso explicaria a inconformidade?

Porque esse, perigosamente, é o cenário que se desenha a partir de hoje na Ucrânia: a ameaça de guerra civil se tornou provável quando os governos provinciais do leste e do sudeste (justamente essas áreas de produção de commodities) anunciaram não reconhecer a autoridade dos golpistas de Kiev e que vão assumir a responsabilidade de garantir a ordem constitucional nas suas regiões. Desde este sábado, portanto, a Ucrânia tem dois governos na prática. Os próximos dias vão dizer o futuro da Ucrânia. Talvez o pior estejam guardando pra quando o carnaval chegar. Se a guerra for declarada em pleno domingo, os fascistas e direitistas da EuroMaidan estão em vantagem para transformar o país num sanatório geral.


* Pedro Aguiar é jornalista e professor da Universidade Federal Fluminense

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