EM NOME DE DEUS, por NUNO SANTA CLARA
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EM NOME DE DEUS, por NUNO SANTA CLARA
ASSOCIAÇÃO 25 DE ABRIL – EM NOME DE DEUS, por NUNO SANTA CLARA
Em nome de Deus
O atentado que vitimou uma dúzia de pessoas, entre jornalistas, cartoonistas e polícias, (seguido de outro contra um supermercado judeu), foi naturalmente catapultado para a primeira linha dos noticiários de todo o Mundo. Estava – e está – em causa a liberdade de expressão, e esse é um dos fundamentos do nosso modo de viver (prefiro não dizer cultura) à face da Terra.
Claro que, entre os primeiros a pronunciar-se, estavam os políticos, entendendo-se por isso os que nos governam. Isso é positivo de duas formas: porque se tratava de uma questão de princípio, e é sempre bom ver dirigentes políticos defender princípios (ainda que, na atuação prática, nem sempre assim seja); e porque alguns desses mesmos dirigentes políticos têm sido precisamente uma das maiores vítimas de publicações como o Charlie Hebdo. O próprio Presidente francês é um bom exemplo da “perseguição” deste jornal satírico, bem como do seu homólogo Le Canard Enchainé.
Se se pronunciaram por sinceridade ou por oportunismo político, é um debate dialeticamente ocioso e manifestamente de mau gosto. O que interessa é que houve uma reação internacional e unânime, numa época em que a unanimidade é coisa rara.
A estratégia do terror, ou apenas do medo, é tão velha quanto linear. A ameaça (concretizada, neste caso), como a pressão ou a persuasão, são formas de conduzir os jornalistas a cair na pior das censuras, que é a auto-censura.
Vivemos quase meio século num regime de Censura (rebatizada depois de Exame Prévio), até se chegar ao ponto de que quem escrevia, fazia-o tendo em atenção os ditames da Comissão de Censura. A título de exemplo, nada de referências a crimes sexuais (que hoje são o forte de certos jornais); corrupção, não havia (às vezes, parece que continua a não haver); sobre questões sociais, nada; e até as barracas tinham de ser referidas como “chalés de madeira”… Naqueles tempos, para os mais resistentes, escrever era um jogo do rato e do gato, em que a imaginação era rainha, e que, curiosamente, deixou algumas saudades. É que publicar tudo o que se quer, sem nenhum entrave, não é motivador.
Mas, através da ameaça de desemprego, de corte de subsídio ou da retirada da publicidade, o sistema mantém-se eficaz: se não queres problemas, vê bem o que escreves… Nem é necessário a PIDE/DGS.
Neste aspeto, o objetivo dos assassinos de Paris pode ter sido alcançado. De futuro, bem pode acontecer que os jornalistas e caricaturistas se contenham, não por atitude deontológica, cultural ou política, mas por medo, puro e simples. E eis como uma derrota tática se traduz numa vitória estratégica.
Já assistimos à neutralização de alguns autores, como Salman Rushdie (autor dos Versículos Satânicos), ou à campanha contra a Dinamarca pela publicação, no jornal Jyllands-Posten, de uma caricatura de Maomé. Sempre se invocou a liberdade de expressão para defender essas atitudes. Mas os pragmáticos não deixam de referir que essa liberdade custa aos contribuintes milhões em termos de segurança – apenas porque um brincalhão resolveu gozar com um Deus alheio.
Regressemos à nossa memória coletiva. Entre os séculos XVI e XVIII, enquanto durou a Inquisição, publicar em Portugal uma caricatura de Jesus Cristo conduziria consequentemente o seu autor a um auto da fé no Terreiro do Paço, onde seria queimado vivo. Decerto era uma violência, a que o Século das Luzes pôs fim. Mas, no nosso resiliente e arreigado humanismo, permaneceu um conceito, ainda que nebuloso: independentemente da Fé de cada um, é necessário respeitar a Fé dos outros – o que não fazia a Inquisição.
E, quanto à religião muçulmana, existe uma assimetria em relação ao cristianismo: se alguns, de matriz cristã, acharam por bem caricaturar o Profeta Maomé, não passaria pela cabeça de um muçulmano caricaturar Jesus Cristo; Ele é um dos Profetas reconhecido pela sua religião…
Disse atrás que duvidar da sinceridade das entidades que encabeçaram a manifestação de Paris seria de mau gosto; mas de mau gosto é também escarnecer das crenças alheias.
Não se veja nisto um apelo camuflado e subterrâneo à auto-censura: apenas, se a nossa Liberdade acaba onde começa a dos Outros, então há que os respeitar, a eles e às suas crenças. Os Outros têm uma dignidade igual à nossa.
A não ser assim, voltaríamos às Cruzadas da Idade Média, às Guerras da Religião da Idade Moderna, à continuação da Jihad dos almoadas e almorávidas, enfim às guerras santas (?) de ontem e de hoje, que se alimentam da intolerância. Como fez o pouco saudoso George W. Bush, quando anunciou uma cruzada contra o Eixo do Mal, ou Benjamin Netanyahu, esse conhecido defensor dos direitos humanos, que se apressou a juntar-se ao coro das entidades que condenaram a matança dos jornalistas e dos clientes do supermercado kasher.
E, já que falamos de religião, sempre é bom lembrar que os “Sura” (capítulos) do Alcorão começam pela frase: “Em nome de Deus, o Misericordioso…”
Por onde anda a Misericórdia?
Nuno Santa Clara
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