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Miguel Sousa Tavares - Miguel Sousa Tavares

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Mensagem por Vitor mango Seg Jun 02, 2008 1:39 pm

Miguel Sousa Tavares - Miguel Sousa Tavares
Bem-vindo a Portugal
Por alguma razão operacional que não alcanço, a TAP concentra o grosso dos seus voos diários para o Brasil, tanto de partidas como de chegadas, no horário mais matinal. Às sete horas da manhã, com minutos de intervalo, desembarcam na Portela os voos de Rio, São Paulo e Brasília, pelo menos. Talvez o objectivo tenha sido determinado pelos Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, que assim, com menos movimento de chegadas de outras paragens, tem tempo de sobra para se ocupar de um dos seus alvos preferidos: os brasileiros que chegam a Portugal. De modo que um tipo desembarca mal dormido e cansado por dez horas de voo, espera, se tiver sorte, um mínimo de um quarto de hora, que o autocarro chegue e a porta do avião se abra de fora, percorre de autocarro uma longa distância até ao terminal (porque mangas não há), aproveitando para ver que a Portela continua sempre em obras, mesmo com a morte iminente superiormente decretada, e chega à zona de passaportes, onde os passageiros até aí juntos no mesmo avião se dividem em duas categorias radicalmente diferentes: os que têm passaporte UE, que passam rapidamente e sem perguntas, e todos os outros, particularmente os brasileiros, que encostam para um longo e detalhado exame, no qual são tratados como aquilo que o Serviço de Estrangeiros os considera: suspeitos de qualquer coisa.

No guichê ao lado do meu, para passaportes não-UE, um casal de brasileiros com uma criança de meses ao colo e o ar de medo e humildade que todos os que emigram têm, era interrogado em tom agreste pelo funcionário da Polícia de Estrangeiros:

- Ah, afinal vêm para trabalhar, não é? Escusavam de começar logo a mentir... - falava o homem, de alto, com o empenho de quem defende valorosamente a entrada num paraíso ao alcance de poucos. Percebi que, na opinião do funcionário, decerto doutrinado superiormente para tal, vir trabalhar em Portugal a fazer o que os portugueses de há muito não querem fazer, à margem dos direitos laborais e de qualquer protecção sindical, já é meio-crime e fonte segura de suspeita. Pensei interromper aquela demonstração de autoritarismo novo-rico perguntando ao senhor se ele não sabia que uns três milhões de portugueses, ao longo de um século, tinham encontrado trabalho, acolhimento e uma nova pátria no Brasil e se, por acaso, ignorava que jovens imigrantes como aqueles representam, a prazo, a melhor hipóteses de sustentabilidade da nossa Segurança Social. Detive-me a tempo, pensando que a minha intervenção apenas poderia prejudicar a sorte dos 'retirantes'. Mas de novo cimentei uma convicção formada de há muito, viajando por esse mundo, enquanto jornalista: a de que o grau de democracia de um país começa a medir-se na forma como os estrangeiros são tratados nas suas fronteiras: quanto maior a arrogância dos funcionários, mais falsa é a sua democracia.

Passada a zona de passaportes, segue-se a já clássica espera interminável pelas malas, demonstração eloquente do serviço verdadeiramente terceiro-mundista prestado por uma empresa chamada Groundforce. Para quem, como eu, é fumador e está há dez horas sem fumar, a espera torna-se ainda mais penosa, pois que essa igualmente brilhante empresa chamada ANA, resolveu recentemente, e ultrapassando a própria lei radical do tabaco, fechar o último espaço autorizado para fumadores, uma espécie de mini-cabina de torturas, que não incomodava ninguém, excepto os próprios fumadores. Assim, e ao contrário do que se passa em aeroportos de referência como Heathrow, Frankfurt, Barajas ou Galeão, e sem qualquer fundamentação possível nos direitos dos não-fumadores, na Portela não se pode fumar em lado algum: é um castigo que a ANA resolveu aplicar a quem fuma, por iniciativa própria e porque julga que é desta forma, e não tornando o aeroporto mais funcional, que demonstra a sua 'modernidade'. Adiante: após 50 minutos de espera, todavia apressados pelos protestos de alguns passageiros, a Groundforce lá começou a devolver as malas. E aconteceu o absurdo: de duzentos e tal passageiros, apenas uma dúzia deles, os portugueses, estavam à espera das malas. Todos os outros, os brasileiros e demais 'suspeitos', continuavam retidos no Serviço de Estrangeiros. O resultado é que rapidamente se acumulou uma montanha de malas sem donos no corredor rolante, exigindo a presença de um funcionário para tentar evitar que a saída das malas entupisse.

De malas na mão, mais de uma hora após a chegada, o passageiro português pode, enfim, desembarcar - não sem antes ter de subir o elevador ao andar de cima para apanhar um táxi na zona de partidas, visto que na zona de chegadas, mais próxima e acessível, está instalada de há anos uma máfia, conhecida de passageiros e polícia, capaz de fazer uma cena a quem não queira ir para Cascais ou para o Barreiro ou desconfie das taxas de serviço extras.

No táxi que me leva a casa, vou folheando sofregamente os jornais do dia, em busca de novidades, após doze dias de ausência. Nos desportivos, vejo que continua a campanha, lançada pelo Benfica, para evitar que o Porto vá à Liga dos Campeões, permitindo aos encarnados entrar em seu lugar nos 'grandes da Europa', após um ano de mediocridade absoluta. E lá se vai ensaiando mais uma campanha patrioteira para apoiar a Selecção dos Amigos de Scolari - os mesmos de sempre, tirando os que se reformaram ou os poucos que se esqueceram de renovar ciclicamente os votos de "yes, mister".

A sensação de que nada aconteceu enquanto por fora andei, aumenta ainda com a leitura dos jornais generalistas. Por incrível que pareça, o PSD continua em campanha para escolher um líder e a campanha, que já dura há mais de um mês, tem honras de cobertura dignas de uma campanha nacional legislativa ou presidencial: até há mapas de distritos, com a respectiva antecipação de votos por candidato! Não sei o que os leitores pensam, mas eu, francamente, já perdi de há muito a paciência para os intermináveis dramas palacianos do PSD. Ainda com o Brasil no espírito, dá-me vontade de aplicar aqui, adaptando-a, uma frase de Getúlio Vargas, sobre a família Moreira Franco, que muito o irritava: também nós poderíamos pagar a dívida pública comprando o PSD pelo preço que ele vale e vendendo-o pelo preço que ele julga que vale.

De novo, apenas uma constatação surpreendente: após um ano a assistir à subida em flecha dos preço do petróleo e à subida paulatina das taxas de juro na Zona Euro, os portugueses deram-se finalmente conta de que a factura vai sobrar para eles. Não se sabe porque mistério de ordem psicanalítica, o grosso da nação, que não produz um litro de petróleo, cuja produtividade laboral voltou a cair, onde o investimento privado só existe com apoio do Estado, negociatas em Angola ou "off-shores" para fugir ao Fisco, achava possível passar incólume numa crise que não poupa nem a Espanha ou a França e continuar a apresentar índices de 'desenvolvimento' tais como o maior número de quilómetros de auto-estrada por habitante, o maior número de telemóveis por habitante ou o maior número absoluto de proprietários de imóveis nas praias do nordeste brasileiro. Agora, com o preço da gasolina a doer no bolso e a vida a crédito a andar para trás, os portugueses estão subitamente revoltados e, claro, descobriram o culpado habitual: o governo. Olha que sorte a Nossa Senhora de Fátima não querer ser primeira-ministra! Aí, até esgotaríamos a última reserva de esperança da nação: a esperança nos milagres.
8:00 | Segunda-feira, 2 de Jun de 2008, Deixe aqui o seu comentário 46 comentários, 4373 visitas
Vitor mango
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