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As Forças Armadas russas depois da intervenção na Geórgia

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Mensagem por ricardonunes Dom Mar 01, 2009 10:14 am

Alexandre Reis Rodrigues

2009/02/27


A intervenção militar russa na Geórgia, na sequência do conflito na Ossétia do Sul, em Agosto passado, teve mais de 90% de aprovação na opinião pública russa e permitiu restaurar algo do orgulho e da honra feridos pelo descalabro em que caíram as Forças Armadas russas na sequência da implosão da União Soviética. Serviu para resolver o problema imediato levantado pela atitude irreflectida do Presidente Saakashvili de forçar o regresso da província separatista e para alertar outros vizinhos de que a Rússia não deixará de intervir se vir ameaçados os seus interesses. No entanto, ficou muito longe de constituir uma oportunidade de alteração da imagem de decadência e de enorme atraso tecnológico em que o sector continua a viver; aliás, revelou lacunas e deficiências dificilmente imagináveis nas forças armadas de um país que abertamente aspira a ser reconhecido como uma grande potência. É fácil apontar algumas evidências dessa situação.

Vejamos alguns exemplos, na forma como foi conduzida a campanha aérea e na área de comando, controlo e comunicações, e que, em termos militares, foram simplesmente desastrosos. A Força Aérea russa foi incapaz de levar a cabo um esforço prévio de supressão do sistema de defesa aérea que a Geórgia tinha adquirido à Ucrânia (com mísseis SA-11 terra/ar) o que lhe custou a perda de aviões, incluindo um bombardeiro Backfire em missão de reconhecimento; não conseguiu também desenvolver um plano de selecção de alvos em função do dispositivo das forças da Geórgia, acabando por atingir alvos sem interesse militar e deixar incólumes alguns dos mais importantes. Ou o dispositivo era desconhecido, o que revela incompetência da intelligence russa, ou não houve capacidade de levar a cabo de forma eficaz um esforço de planeamento conjunto, se é que houve algum.

Na área das comunicações, o que ficou para a história é a notícia dos comandantes russos a terem de recorrer ao uso de telemóveis e telefones por satélite de jornalistas! Algumas das reportagens das operações das forças terrestres que vieram a público também não abonaram nada em favor da imagem dos militares, por óbvios erros de compostura, mostrando soldados em cima de blindados com lenços de cor na cabeça, em vez de devidamente equipados e fardados. Note-se que se tratava das chamadas «permanent readiness forces» que, constituídas apenas por militares profissionais, são uma das apostas importantes do processo de transformação das Forças Armadas russas.

Não há sinais, no entanto, que esse processo possa avançar com alguma celeridade no futuro próximo. A hierarquia militar russa mantém-se “agarrada” à ideia de um enorme dispositivo estático concebido para fazer face ao Ocidente e garantir a estabilidade interna, continuando a apostar em duas vertentes principais: a capacidade nuclear, o único sector que tem beneficiado de uma modernização consistente, e a superioridade quantitativa na área das capacidades convencionais. Para o ponto de vista russo, algumas das alterações no contexto geopolítico decorrentes do fim da Guerra Fria vieram dar argumentos reforçados aos militares na defesa de um tipo de postura que não se demarca do da Guerra Fria. O que geralmente é invocado é a retracção territorial resultante da implosão da União Soviética, que trouxe as fronteiras para mais perto de Moscovo, o desaparecimento do Pacto de Varsóvia - que tinha permitido afastar as fronteiras de segurança para distâncias mais confortáveis e dado maior profundidade estratégica - e o sucessivo preenchimento dos vácuos resultantes da retracção, pelos EUA e pelo alargamento da NATO.

Por algum tempo pensou-se que o descrédito em que tinha caído o modelo militar soviético com as operações de libertação do Kuwait no Iraque em 1991 face ao fácil e rápido sucesso das forças armadas americanas perante as iraquianas, equipadas com material essencialmente soviético e seguindo a mesma doutrina, iria levar a Rússia a enveredar por um processo de profunda transformação das suas Forças Armadas.

Calculava-se que o objectivo de repor o equilíbrio no relacionamento com os EUA teria necessariamente que passar por voltar a alguma paridade entre os respectivos poderes militares. No entanto, as hesitações, militares e políticas, sobre o modelo de dispositivo militar mais adequado às circunstâncias específicas da Rússia, muito diferentes das americanas, e o desinvestimento que o Governo não conseguiu evitar, quer na área da operação e manutenção, quer na aquisição de novos meios, acabaram por conduzir as Forças Armadas russas a uma situação de quase colapso. A área das indústrias de armamento foi extremamente afectada, passando da situação de sector primário da economia russa para uma situação de sobrevivência totalmente dependente das exportações para alguns países (China, Índia, Algéria, Irão e Venezuela) o que fez diminuir a sua força de trabalho do nível dos dez milhões de trabalhadores, durante a Guerra Fria, para dois milhões no tempo de Ieltsin; mesmo com esta redução drástica, o sector está a produzir apenas a entre 20 e 40% das suas capacidades máximas.

A situação começou a alterar-se com Putin, através de significativos crescimentos do orçamento da Defesa e promissoras declarações políticas, reafirmadas por Medvedev, de que, finalmente, o sector iria ter a devida prioridade. Em 2005, pela primeira vez, desde a Perestroika, o orçamento da Defesa foi superior ao montante de vendas ao estrangeiro. Em 2007, o Estado Maior russo convidava o Comandante das Forças Armadas americanas na Europa a fazer uma visita formal à Marinha russa, sinal de que queriam mostrar ter recuperado do desaire do desastre com o submarino Kursk, em 2000, e de que desejavam dar um sinal de que estariam brevemente de volta a operar no mar, o que, de facto, está a acontecer, ainda que em termos apenas simbólicos (deslocação de uma pequena força naval à Venezuela em Setembro de 2008, o regresso ao Mediterrâneo com a reactivação das facilidades que estavam disponíveis na Síria durante a Guerra Fria, etc.).

Não é claro, no entanto, qual o caminho que a Rússia pretende seguir: se vai enveredar por um processo de transformação visando a adopção de um modelo militar semelhante ao que está a ser adoptado pelo Ocidente, incluindo uma forte aposta na mobilidade e na sofisticação tecnológica (qualidade em vez de quantidade) ou se, alternativamente, pretende manter um grande dispositivo convencional baseado na continuação do serviço militar obrigatório e na manutenção da componente de dissuasão estratégica.

É inequívoco que a Rússia tenderá a manter o seu arsenal nuclear como uma área de esforço estratégico principal e agora com a novidade da transferência da capacidade de retaliação assente em sistemas baseados em terra para sistemas baseados no mar, como aliás fazem os EUA há já largos anos, para aproveitar a muito menor vulnerabilidade das plataformas submarinas. É neste âmbito que se insere o investimento que tem vindo a ser feito nos novos submarinos nucleares portadores de mísseis balísticos da classe Bulava, o novo emblema de uma credível «second strike capability», não obstante alguns desaires a que os respectivos testes têm estado sujeitos (cinco testes falhados num total de oito, o último em 23 de Dezembro de 2008).

A componente convencional, porém, continua envolta em alguma indefinição; foi tornada pública a intenção em manter 25% dos efectivos das forças terrestres atribuídas às «permanent readiness forces» profissionalizadas mas não é claro até que ponto e sob que calendário esta opção poderá ser estendida à generalidade das Forças Armadas. As hesitações são compreensíveis; por um lado, a Rússia, por razões financeiras e demográficas (diminuição e envelhecimento da população) não tem qualquer hipótese de voltar ao passado de uma máquina militar enorme que fazia tremer a Europa e a NATO; por outro lado, não tem também qualquer hipótese de, no futuro próximo, tirar partido generalizado das novas tecnologias para reduzir o atraso em que mantém as suas Forças Armadas relativamente às dos EUA, podendo, a partir daí apostar mais na qualidade e reduzir efectivos. Durante a Guerra Fria, os peritos militares consideravam que os sistemas americanos levavam um avanço de cerca de dez anos sobre os sistemas soviéticos e de 25 anos sobre os chineses; presentemente, considera-se que China ultrapassou a Rússia.

Durante mais algum tempo, pelas razões atrás apontadas e por preocupações de estabilidade nacional que obrigarão a uma presença militar dispersa por todo o território, a Rússia, muito provavelmente, vai manter as Forças Armadas dependentes de um sistema de serviço militar obrigatório. Este caminho é incompatível com ambições de utilização generalizada de sistemas tecnologicamente muito evoluídos dadas as limitações da formação e treino a que os recrutas poderão ser sujeitos ao longo de um reduzido período de doze meses de serviço. Nestes termos, a sua importância militar vai manter-se centrada, como tem acontecido desde o fim da Guerra Fria, nas capacidades do seu arsenal nuclear.
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