Diário de um Imortal

por LJSMN Ter Set 29, 2009 4:47 pm

21 de Março de 2037 - Hoje acordei no passado. Cinquenta e dois anos no meu passado, no dia em que pela primeira vez me senti imortal.

Não o era, então. Os nanobots que hoje me purificam o sangue ainda não passavam de sonhos alucinados de uma mão-cheia de visionários desgrenhados de camisas enrugadas. As fronteiras do possível não teriam impressionado muita gente, nesses dias. Antes o tivessem feito, talvez ainda fossemos uma única espécie. Assim, 200 milhões de nós coabitamos hoje com mais de 4 mil milhões de subs, neste pedregulho alagado que ainda aumenta de brilho.

Ninguém usa aquela palavra em público, o tabu é demasiado forte para o permitir e, diga-se em abono da verdade, existem bons motivos para isso. Não fomos nós que matamos mais de 2 mil milhões dos que em tempos foram nossos semelhantes. Apenas não o evitámos. Fugimos.

Penso que o silêncio seria mais gélido ainda se eu dissesse esta última frase em voz alta do que se tivesse chamado sub-humano a um dos nossos pobres primos afastados que, mais tarde ou mais cedo, todos encontramos, nas nossas viagens reais aos continentes alagados.

São raras. Raramente lá vamos pessoalmente. As nossas fábricas subterrâneas produzem todos os metais que não somos capazes de sintetizar, mas não requerem presença humana nos seus ambientes de atmosfera rarefeita. Nenhum sub conseguiria sobreviver dentro dos seus perímetros de segurança, a hipóxia seria quase fulminante para eles. Os nossos robots não precisam de oxigénio. Guardam-nos os tesouros até que os nossos AGV's os vão recolher. Os subs apenas estão autorizados a levar o minério até aos cais automáticos de descarga.

Os nossos arquipélagos preservam a civilização humana e projectam-na no futuro da Galáxia. Apenas perdemos a memória. Apagámos, voluntariamente, todas as conexões sinápticas que nos ligavam aos nossos entes queridos que não conseguimos trazer connosco. Um imortal com um coração ferido seria demasiado ridículo de contemplar.

Fiz batota e ainda não tenho coragem para contemplar os resultados. Está ali, naquela caixinha de madrepérola, nos chips minúsculos que encerram o meu passado. Todos os dias olho para ela e todos os dias desvio o olhar. Desconfio que não fui o único. Não posso ter sido o único a querer evitar a pior de todas as mortes, mas se tiver razão, então todos os outros são ainda mais cobardes do que eu.

E se todos o tivéssemos feito? Se, pelo menos um número suficiente de nós tivesse feito o que eu fiz? A hipótese de reunificação genética apenas não é testada apenas porque toda a experimentação genética nos está vedada. É o mais forte de todos os consensos que nos guiam, mas, mais cedo ou mais tarde, todos os consensos são para serem quebrados.

Mas hoje não. Se ontem tivesse olhado para o calendário, teria evitado o contacto com aquela mula, na estação sismológica de Mehetia. O seu olhar esquivo só não acusa nos raros instantes em que nos fita directamente. Não podemos dizer sub, mas podemos produzir estes pobres diabos que não pertencem a nenhum dos mundos. Pelo menos, o seu pai biológico trouxe-o consigo. Mas não lhe conseguiu transmitir futuro, as mulas morrem cedo. Quantos anos de vida poderá ainda aquele miúdo esperar?

Talvez as mulas sejam a chave para a solução do nosso problema. Se não o forem, serão a nossa Nemésis, mas hoje não. Amanhã, talvez.

(Cont.)

por LJSMN Dom Out 04, 2009 8:52 am

22 de Março de 2037 - Dormi mal. Quando me levantei, o Oceano era ainda uma mancha negra, de horizonte a horizonte.

O suave brilho do firmamento, reflectido nas águas, deveria ter chegado para afastar os fantasmas nocturnos. Costuma chegar. Desta vez, os meus pensamentos retomaram o fio quase no ponto exacto em que tinha decidido quebrá-lo.

As minhas memórias, ali, naquela caixinha de formas delicadas. Quanta culpa é que eu encerrei naquelas gotas de areia solidificada? Quanta, para além da que não me atrevi a esquecer?

O seu toque suave costuma acalmar-me. Peguei-lhe, levei-a comigo para junto da janela panorâmica, 100 metros acima da superfície do Oceano Negro. Desta vez não. A minha pulsação acelerou-se. A espera pelo próximo instante de conforto foi sendo marcada pelo ritmo crescente do meu coração.

O fogo do céu invadiu o Mundo como sempre acontece, segundos antes de o Sol se erguer sobre as águas. O negro do Oceano transformou-se no azul-safira profundo do Pacifico Central. A espera tornou-se mais suave.

--- Larga essa caixa! JÁ!!

A musica das estrelas invadiu a sala. Devo ter rido. Rio sempre que a música me atinge.

--- Desculpa. Cheguei tarde e não dormi lá muito bem. Não te quis acordar.

--- Acordas-me sempre, tolo. Eu é que disfarço bem, quando estou furiosa. Como se alguém conseguisse dormir com o pivete a enxofre. O vulcãozinho estava de boa saúde?

--- Fritha...! Ahahahah, vá, não comeces. Tenho a certeza que desta vez não me esqueci de nada. Passei duas vezes pela esterilização ultrasónica. Antes e depois do duche.

--- O casaco...

--- Oh, não! Impossível. Pendurei-o no cacifo mal cheguei e só lhe voltei a pegar mesmo antes de me vir embora.

--- Pensava que estivesses com mais saudades. Agora... vais ficar de castigo durante duas semanas. Hehehehe, se eu não estivesse esfaimada, ias fazer o teu pequeno-almoço.

O abraço desfaz-se, na mesma carícia com que começa. Como é que tu consegues? --- Vá lá, Rahyeen. Vai pôr aquele malfadado casaco no lixo, antes que empeste a casa toda. Pode ser que tenhas sorte e que eu me esqueça mais depressa...

A gargalhada pontua o ritmo do bailado. Mas... nem sonhes! Gosto daquele blusão. Vai uns dias para a arrecadação e hei-de ver se não me esqueço de o passar por um banho de ultrasons. Ainda gostava de saber se há ali um único átomo de enxofre que seja, mas que importa? O Universo voltou ao seu curso normal.

(cont.)

por LJSMN Dom Out 04, 2009 3:08 pm

22 de Março de 2037 (cont.) - O regresso é cuidadoso. Não sei se Fritha consegue mesmo detectar todos aqueles cheiros, mas não me apetece ter a certeza por motivos errados.

--- Rahyeen! Não te escondas. Acho que já não há problema.

--- Fritha, eu gosto daquele blusão. Tem de haver uma maneira de tirar o tal cheiro.

--- Desde que seja longe de mim... O que foi desta vez? Não me digas que vai haver uma erupção catastrófica.

--- Não, não. O deus está calmo, Maheti não reclama sacrifícios. Acho que estava cansado da viagem... OK., não foi isso. Encontrei uma mula.

--- Como é que ela se chama?

--- Oh! Não comeces. É o miúdo do Dave.

--- E depois? O garoto é amoroso, só quer algum reconhecimento.

--- Acho que é a ânsia dele. A sofreguidão de fazer tudo certo e a acusação, quando as palavras não são exactamente o que ele deseja.

--- É natural, ou não é? Rahyeen, eu trabalho com híbridos todos os dias. A maior parte são pessoas maravilhosas e tu sabes bem isso.

--- Sei, sei. Acho que sei, mas há uma parte do meu cérebro que não sabe...

--- Hummm! Não vais começar com os remorsos colectivos, pois não. Olha o castigo, Ahahahahah. Acho que vou estar fora um mês!

A ideia começa a bailar na minha mente --- Fritha, onde é, desta vez? Leste ou Oeste?

--- Ainda não sei. O mais certo é ficar hoje decidido. Não me posso atrasar. Onde é que é mais provável encontrar provas dos teus pecados?

--- Exactamente zero em todas as direcções. Mas... e se nós... Nós e o Herbie.

--- Ah não! Nem penses, aquele monte de sucata odeia-me.

--- Fritha, a velocidade de cruzeiro do Herbie é superior à dos semi-rígidos. Podemos ganhar dois ou três dias, mesmo que a tua agenda esteja muito carregada.

--- Estás a tentar-me, patife. Mas não sei, já te disse. Aquele monstro odeia-me, é só eu pôr lá os pés e aquilo começa logo a baloiçar.

--- Fritha! Desde quando é que um submarino balança?

--- Desde o minuto em que eu ponho lá os pés, ou já te esqueceste?

--- Não, não, não. Daquela vez foi azar puro. E o tempo vai estar óptimo nas próximas semanas.

--- Hummm! Também ia estar, da última vez...

--- Eu prometo que faço todas as verificações possíveis e imaginárias. E há mais um pormenor... digamos que é um grande segredo.

--- Não sais daqui sem me dizeres! Ahahahah!

--- Não. Assim que puderes confirma se é para Leste ou para Oeste. Eu tenho que fazer uns cálculos para não criar expectativas.

--- E qual é a melhor direcção para as "expectativas".

--- Oeste. Bem na direcção do Continente Americano.

--- É o mais provável. E eu faço uma forcinha, se valer a pena. Descose-te, patife!

--- Há um atol estranho. Não existe qualquer explicação, mas o atol deve ter subido umas boas dezenas de metros durante os últimos anos. A vegetação não mostra qualquer sinal de inundação. Começa exactamente na orla da praia.

--- Estás a dizer que não é só mais um rochedo no meio do mar?

--- Minha Senhora, eu não posso revelar estes segredos...

--- Tu és mas é um chantagista infame! Bem, tenho que me despachar, mas digo-te logo que tenha a confirmação. Arruma tudo. Em condições!

--- Fritha, vais chegar atrasada, muito atrasada.

--- Ahahahahah! Não vou nada, ainda estás de castigo, ou já te esqueceste? Bem, talvez dê mais uma oportunidade ao Herbie...

por Terminator Dom Out 04, 2009 7:10 pm

Sam escreveu: Rahyeen

upssss sorry pela interrupçao!! Very Happy

por Kllüx Dom Out 04, 2009 8:36 pm

ADORAVEIS ESTAS NOTÍCIAS EM CIMA DO MINUTO......... A palavra é sua - diga coisas, diga, diga

por **Vitor mango** Seg Out 05, 2009 12:58 am

Fúria escreveu:ADORAVEIS ESTAS NOTÍCIAS EM CIMA DO MINUTO......... A palavra é sua - diga coisas, diga, diga

Numa mesa de dialogo vale tudo menos tirar olhos ou spam chatos
Estou a seguir os capitulos
pois
quando acabar pode enviar para Contos na secçao la em cima ...fica mais á mao para o pessoal ler de seguida

por LJSMN Seg Out 05, 2009 2:52 am

Vitor mango escreveu:
Numa mesa de dialogo vale tudo menos tirar olhos ou spam chatos
Estou a seguir os capitulos
pois
quando acabar pode enviar para Contos na secçao la em cima ...fica mais á mao para o pessoal ler de seguida

Quando tiver alguma forma de coisa vai para lá.

Por enquanto, não faço ideia do que vai ser, ou se vai ser alguma coisa. Logo se verá...

por **Vitor mango** Seg Out 05, 2009 3:56 am

Sam escreveu:
Vitor mango escreveu:
Numa mesa de dialogo vale tudo menos tirar olhos ou spam chatos
Estou a seguir os capitulos
pois
quando acabar pode enviar para Contos na secçao la em cima ...fica mais á mao para o pessoal ler de seguida

Quando tiver alguma forma de coisa vai para lá.

Por enquanto, não faço ideia do que vai ser, ou se vai ser alguma coisa. Logo se verá...

Nao desista ate porque tem pernas para andar
Alias este tema de contos era e é uma aposta no vagueando
Eu tenho um que quero meter aqui ás postas
mas ate os ultimos capitulos das viagens do Poças congelei porque me dei a sorna e sonolencia quando venho ler as noticias politicas do pais e o pessimismo da ferreira leite e leio os e mails do cavaco na Net

por LJSMN Seg Out 05, 2009 9:36 am

Vitor mango escreveu:

Nao desista ate porque tem pernas para andar
Alias este tema de contos era e é uma aposta no vagueando
Eu tenho um que quero meter aqui ás postas
mas ate os ultimos capitulos das viagens do Poças congelei porque me dei a sorna e sonolencia quando venho ler as noticias politicas do pais e o pessimismo da ferreira leite e leio os e mails do cavaco na Net

Vitor Mango,

Agradeço-lhe as suas palavras e espero que dê em alguma coisa.

Quanto à parte final do seu comentário, bem... isto não é para armar aos cágados com a comparação, mas acho que até o pobre coitado do Camões, se tivesse tido que ler os discursos da Dona Manela, mais os emails do Excelentíssimo, tinha mas era dado logo em vendedor de arreios e outros cabedais. Laughing

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