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Grande especialista em erecções e ejaculações

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Mensagem por Viriato Sex Out 23, 2009 2:59 pm

JOSÉ SARAMAGO

Grande especialista em erecções e ejaculações Caim

Hoje no Público:


Existe um “caso” Saramago? Existe. Oriundo do proletariado, José Saramago (n. 1922) conseguiu impor a obra à revelia da tutela universitária. Antes de chegar à literatura exerceu diversas profissões, entre elas as de serralheiro mecânico e jornalista. O primeiro livro foi um romance Terra do Pecado (1947), a que se seguiram Os Poemas Possíveis (1966), uma nova colectânea de poemas, volumes de crónicas e contos, Manual de Pintura e Caligrafia — o segundo romance, que em 1977 pôs a crítica de sobreaviso —, uma peça de teatro e, em 1980, a obra que o consagrou: Levantado do Chão. Não era ainda o unanimismo crítico e de público, que veio só com Memorial de Convento (1982), mas foi a partir dali que Saramago passou a contar. O resto é história: conhece Pilar Del Rio, separa-se de Isabel da Nóbrega, sucedem-se livros, traduções, prémios, teses e doutoramentos honoris causa; torna-se best-seller em vários países; Harold Bloom considera O Evangelho segundo Jesus Cristo (1992) equivalente ao melhor de Joyce, Proust e Kafka; estabelece residência na ilha espanhola de Lanzarote; recebe o Prémio Nobel da Literatura em 1998; uma Fundação com o seu nome ocupa a Casa dos Bicos em Lisboa, etc. Caim é o 19.º romance.

A problematização histórica tem sido o Leitmotiv da obra: conquista de Lisboa, tribunais da Inquisição, reinado de D. João V, construção do Convento de Mafra, Fernando Pessoa e a geração do Orpheu, repressão do Estado Novo, guerra civil espanhola, etc., temas aos quais dedicou algumas das suas melhores páginas.

Agora o patamar mudou. Considerando Deus como autor moral do assassinato de Abel, Saramago responsabiliza-O pelo crime de Caim. (Utilizo maiúsculas por convenção literária; no livro está tudo em minúsculas.) À laia de síntese, a frase promete. Infelizmente, Saramago dá um passo maior que a perna. Num país sem tradição teológica, com a literatura alheada da questão religiosa — Camilo e Eça ficaram pela anedota, Guerra Junqueiro foi um panfletário —, não admira que Caim claudique: «Dos escritos em que, ao longo dos tempos, vieram sendo consignados um pouco ao acaso os acontecimentos destas remotas épocas, quer de possível certificação canónica futura ou fruto de imaginações apócrifas e irremediavelmente heréticas, não se aclara a dúvida sobre que língua terá sido aquela, se o músculo flexível e húmido que se mexe e remexe na cavidade bucal e às vezes fora dela... etc.» Como desatar o nó da narrativa? Foi a declinação barroca que fez a fama de Saramago. A declinação barroca e o recurso a parábolas e alegorias. Nesse particular, não o podemos acusar de defraudar expectativas.

Saramago opõe a laicidade à cesura entre sagrado e profano. Nada contra. O óbice releva de inadequação discursiva: «As duas irmãs ficaram grávidas, mas caim, grande especialista em erecções e ejaculações como gostosamente o confirmaria lilith, sua primeira e até agora única amante [...] a coisa simplesmente não se lhe levanta, e se não se lhe levanta a coisa, então não poderá dar-se a penetração...» Não estamos em 1885, quando A Velhice do Padre Eterno, de Guerra Junqueiro, provocou tumultos de rua. Hoje, as peculiares idiossincrasias de Saramago não incomodam ninguém. Sobretudo porque o efeito “máquina do tempo” (Caim protagoniza episódios em épocas diferentes) anula o efeito de provocação.

Formatada para um público transnacional, a sua visão do mundo reflecte-se em obsessivas circunvoluções semânticas, pontuadas, aqui e ali, por termos e expressões estranhas ao contexto: «gatinhando entre a cozinha e o salão», «arame farpado», «porta-aviões», «colegas», «pessoal de limpeza» e outros. Das muitas vezes em que Deus — um indivíduo «rancoroso» que não hesita em deixar matar inocentes — é suposto dizer ‘faça-se’ ou, se preferirem, ‘assim seja’, Saramago escreve «fiat».

Lido Caim, ficamos com a sensação de que Saramago pretende confundir futuros exegetas da obra, a exemplo do Apóstolo Paulo (citado na contracapa) na carta dirigida aos Hebreus. Agora como então, o discurso baralha a genologia. Romance ou sermão?


Sermão aos incrédulos, in Ípsilon


posted by Eduardo Pitta
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