Ai, ai, que vou fazer uma comparação com os senhores maus
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Ai, ai, que vou fazer uma comparação com os senhores maus
Ai, ai, que vou fazer uma comparação com os senhores maus
Bem sei que isto de comparar aspectos do nosso regime com o que se passava nalgumas ditaduras não colhe, mas que se dane. Ainda no outro dia se comemorou o aniversário da queda do Muro de Berlim. A propósito da sua experiência pessoal, Garton Ash descreveu, em "O Ficheiro", o sinistro mundo dos arquivos da STASI. Para além da manipulação de amigos e familiares em benefício do Estado, um dos aspectos que transtorna na actuação daquela polícia é a devassa (tantas vezes gratuita) da vida privada. A cor da roupa. O que comeu ao pequeno-almoço. Com quem dormiu… Imaginemos por um segundo o que é ler, ver, parte da nossa vida, descrita ao mais ínfimo pormenor pelos olhos de um terceiro, escarrapachada numa folha de papel A4 com o nosso nome. Garton Ash sentiu-o na pele ao reler o seu dossier nos arquivos da STASI. Mas eu já vi algo de parecido acontecer no nosso regime. Conversas entre um Presidente e a mulher e o que esta encomendou para o jantar. Conversas entre dirigentes de um partido (um deles, por acaso, o seu líder), onde aparecia o inevitável calão, que é o privilégio da intimidade. A comparação é abusiva? Certamente. Mas tento também não esquecer (ou, pelo menos, disso estou convencido) que as democracias partilham, com os piores regimes, fragmentos do que os caracteriza. Porque a natureza humana tem destas coisas. A tentação para o espiolhamento, por exemplo. Com pelo menos uma agravante. Em democracia, os “arquivos” não ficam numa qualquer cave escura. Vão direitinhos para as páginas dos jornais.
Publicada por Tiago Tibúrcio
Bem sei que isto de comparar aspectos do nosso regime com o que se passava nalgumas ditaduras não colhe, mas que se dane. Ainda no outro dia se comemorou o aniversário da queda do Muro de Berlim. A propósito da sua experiência pessoal, Garton Ash descreveu, em "O Ficheiro", o sinistro mundo dos arquivos da STASI. Para além da manipulação de amigos e familiares em benefício do Estado, um dos aspectos que transtorna na actuação daquela polícia é a devassa (tantas vezes gratuita) da vida privada. A cor da roupa. O que comeu ao pequeno-almoço. Com quem dormiu… Imaginemos por um segundo o que é ler, ver, parte da nossa vida, descrita ao mais ínfimo pormenor pelos olhos de um terceiro, escarrapachada numa folha de papel A4 com o nosso nome. Garton Ash sentiu-o na pele ao reler o seu dossier nos arquivos da STASI. Mas eu já vi algo de parecido acontecer no nosso regime. Conversas entre um Presidente e a mulher e o que esta encomendou para o jantar. Conversas entre dirigentes de um partido (um deles, por acaso, o seu líder), onde aparecia o inevitável calão, que é o privilégio da intimidade. A comparação é abusiva? Certamente. Mas tento também não esquecer (ou, pelo menos, disso estou convencido) que as democracias partilham, com os piores regimes, fragmentos do que os caracteriza. Porque a natureza humana tem destas coisas. A tentação para o espiolhamento, por exemplo. Com pelo menos uma agravante. Em democracia, os “arquivos” não ficam numa qualquer cave escura. Vão direitinhos para as páginas dos jornais.
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