Vagueando na Notícia


Participe do fórum, é rápido e fácil

Vagueando na Notícia
Vagueando na Notícia
Gostaria de reagir a esta mensagem? Crie uma conta em poucos cliques ou inicie sessão para continuar.

Setúbal foi um dos bastiões da reforma agrária ,,faz lembrar o saque na cisjordania

Ir para baixo

Setúbal foi um dos bastiões da reforma agrária  ,,faz lembrar o saque na cisjordania Empty Setúbal foi um dos bastiões da reforma agrária ,,faz lembrar o saque na cisjordania

Mensagem por Vitor mango Dom Jan 10, 2010 11:29 am

Setúbal foi um dos bastiões da reforma agrária
Mas quem dirigiu as ocupações diz que não valeu a pena



De
um simples comerciante estabelecido em Águas de Moura, José Augusto
Azenha passou para a linha da frente das ocupações de terras no
concelho de Palmela. Integrou o movimento e, durante dois anos
desempenhou um papel fundamental no processo que levou à formação das
cooperativas agrícolas. O seu empenhamento foi tal que o catapultou
para a gestão do Centro de Reforma Agrária e, em 1976, para a
presidência da Junta de Freguesia da Marateca. Hoje, 25 anos depois,
resta-lhe a mágoa de não ser reconhecido pelo trabalho que fez e
garante não ter valido a pena o esforço que, com outros companheiros,
desenvolveu em prol das cooperativas e dos pequenos agricultores da
região.



Setúbal na Rede - Onde é que estava na última semana de Junho de 1974?


José Augusto Azenha
- Nessa altura
era comerciante, em Águas de Moura, na freguesia da Marateca, e
envolvi-me no movimento para a posse de terras que surgiu durante essa
semana. Não posso precisar o dia, mas assisti à primeira reunião do
grupo de pessoas que, mais tarde deu origem à ocupação de várias
herdades. O movimento começou com três irmãos que viviam aqui na zona e
a maior parte das pessoas envolvidas nas ocupações pouco tinham a ver
com a agricultura propriamente dita.


SR - Porque é que nasceu esse movimento?


JAA
- As pessoas ouviam falar
da reforma agrária e da necessidade de dar a terra a quem a trabalha,
entretanto a Junta de Salvação Nacional tinha já criado um organismo
chamado Centro de Reforma Agrária, precisamente para ajudar neste
processo de legalização das ocupações. Assim, nasceu um movimento
espontâneo mas isso não se verificou só aqui porque, ao mesmo tempo
nascia um igual no Alentejo. Na nossa região, as coisas foram rápidas
porque o movimento cresceu depressa e as movimentações acabaram por dar
força às pessoas que, num pequeno espaço de tempo, ocuparam a maior
parte das herdades da região. Mais tarde, essas ocupações vieram a dar
origem às cooperativas agrícolas que hoje existem.


SR - Quando é que entrou neste movimento?


JAA
- Nos primeiros dias
assisti às movimentações e depois, quase sem perceber, vi-me envolvido
nas reuniões. A seguir, veio a primeira ocupação, realizada ainda na
última semana de Junho, e eu participei na acção que envolveu cerca de
50 pessoas. Ocupámos a herdade de Travassos, em Águas de Moura, e isso
deu logo origem à formação de uma cooperativa, chamava-se Cooperativa
Agrícola de Travassos. Mais tarde, já em 1976, o Governo decidiu
retirar terras às cooperativas e entregá-las a pequenos agricultores. A
minha parte foram 19 hectares de terreno.


SR - A ocupação foi pacífica?


JAA
- Neste caso foi, porque
as pessoas entraram na herdade sem problemas e no dia seguinte
começaram logo a trabalhar a terra. Os donos não estavam, andavam
sempre em Lisboa, e quando se aperceberam do sucedido, através dos
avisos do feitor, a ocupação já estava consumada e eles pouco podiam
fazer. Entretanto, os ceareiros que trabalhavam as terras da herdade de
Travassos, por conta dos donos, ficaram perplexos com a entrada dos
ocupantes nos terrenos que trabalhavam há gerações. No entanto pouco
podiam fazer e alguns chegaram mesmo a abandonar as terras que tinham
trabalhado ao longo da vida.


Cerca de um mês mais tarde, os ceareiros
perceberam quem tinham sido os autores da ocupação e decidiram ripostar
e reconquistar os terrenos. Aí, sim, houve reacções muito más, uma vez
que os ocupantes de Travassos não aceitavam o regresso dos ceareiros.
Andavam de enxada na mão a tentar demovê-los, mas muitos tinham medo
porque sabiam que os ceareiros andavam armados. E chegou mesmo a haver
confrontos, com troca de tiros e ataques entre grupos com pinhas
encontradas no chão. A coisa foi tão complicada que os ceareiros
ganharam e regressaram aos seus terrenos. Assim, os ocupantes ficaram
com as terras do outro lado da herdade e, com o tempo as coisas foram
acalmando entre as duas partes.


SR - Entretanto, participou noutras ocupações?

JAA
- Todo este
processo decorreu num espaço de dias e, logo depois de Travassos deu-se
a ocupação da herdade do Zambujal, no entanto não houve problemas com
os ceareiros porque eles decidiram sair quando se deu a ocupação. E
isso aconteceu porque o sistema de trabalho dos ceareiros era diferente
daquele que se verificava em Travassos. Ou seja, no Zambujal, eles não
tinham o apego às terras vindo de pais para filhos, visto que todos os
anos eram pessoas diferentes a explorar o terrenos, consoante os
pedidos do feitor da herdade. Ainda na mesma semana, deu-se a ocupação
da herdade de Agualva, onde mais tarde também fiquei com um terreno, e
aí formou-se uma outra cooperativa. A seguir foi a vez da herdade das
Paulinas, que fica entre o Zambujal e a Agualva, e das herdades da
Mourisca e de Palma. Nestas duas não participei, embora tenha
acompanhado de perto. A da Mourisca foi ocupada pelo mesmo grupo de
pessoas de Águas de Moura, agora muito maior, mas a ocupação da herdade
de Palma já foi uma outra organização, teve a ver com um movimento
criado em Alcácer do Sal, que de facto, não acompanhei. No entanto,
como estávamos todos em contacto, fiquei a saber que aqui as coisas
foram pacíficas, uma vez que uma parte de Palma foi dividida em
parcelas e entregue directamente aos agricultores que lá trabalhavam e
outra parte foi entregue aos outros que ocuparam as terras.


SR- Em todo este processo, como é que ficaram os proprietários das herdades?


JAA
- Não eram chamados para
nada e não tinham nada a dizer sobre o assunto. Simplesmente as terras
eram ocupadas, ficavam a saber através dos respectivos feitores e
durante muitos anos não voltaram cá. Também se voltassem não seriam lá
muito bem recebidos. Em 1976, como referi, o Governo decidiu tirar
terras às cooperativas e dá-las a pequenos agricultores que passaram a
pagar renda ao Estado. Já nos últimos anos, mais tarde, com a reforma
da reforma agrária, os proprietários foram voltando e os pequenos
agricultores foram forçados a fazer contratos por dez anos, para
poderem continuar a explorar os terrenos.


SR - Durante a formação das cooperativas, tiveram ajuda oficial?


JAA
- Desde o início das
ocupações com vista à formação das cooperativas que contávamos com a
ajuda do Centro da Reforma Agrária, de que eu mais tarde fiz parte,
através do envio de técnicos para nos auxiliarem durante todo o
processo. Mas aqui também houve a intervenção de alguns partidos, visto
que alguns deles enviavam representantes às respectivas zonas para
ajudar a formar as cooperativas.


SR - Algum deles influenciou particularmente a reforma agrária e a formação das cooperativas?


JAA
- Sim, embora houvesse
gente de vários partidos infiltrada nisto, sentia-se muito o peso e o
controlo do PCP, quer em todo o processo da reforma agrária quer na
formação das cooperativas agrícolas. Por causa disso registaram-se
muitos choques entre os representantes dos diversos partidos, entre
eles o PCP, o PS e a UDP. No entanto, o PCP foi o partido que mais
controlou as coisas e isso foi negativo. Talvez não por culpa do PCP
mas sim porque alguns dos seus representantes desestabilizavam o
movimento para tirar proveitos próprios. Tanto assim, que o PCP acabou
por pôr fora os três irmãos que iniciaram o movimento das ocupações.


SR - A influência dos partidos foi negativa para a reforma agrária?


JAA
- Inicialmente não nos
parecia porque estávamos todos no início do processo e não tínhamos
experiência destas coisas. Mas com o tempo viu-se que o resultado foi
mau, porque eles começaram a perder o controlo das coisas. Não
conseguiram meter pessoas competentes no controlo das cooperativas e as
coisas foram piorando. As cooperativas estavam nas mãos de pessoas que
não tinham capacidade de gestão e isso gerou problemas graves em todo o
lado.


Entretanto, em 1975, fui convidado pelo Governo
para integrar a Comissão Liquidatária do Grémio da Lavoura, uma
instituição que acabou por dar lugar às cooperativas, e por isso,
voltei a acompanhar todas as movimentações neste sector. E era a essa
comissão que as cooperativas e os pequenos agricultores iam buscar a
ajuda do chamado Crédito Agrícola de Emergência, quer em dinheiro quer
em géneros, para ultrapassarem a crise provocada pela má gestão.
Assinei muitas autorizações e cheques de pagamento, em nome do Governo,
para tentar resolver os problemas, mas as coisas não melhoraram.


SR- A ajuda governamental terá sido suficiente para as necessidades da época?


JAA
- Na Comissão Liquidatária
dávamos tudo o que nos pediam e, por vezes, até mais do que era
permitido. No entanto as coisas continuavam mal porque o problema era
da gestão das próprias cooperativas. Assim, o Centro de Reforma
Agrária, do qual fiz parte durante cerca de um ano, tentou melhorar as
coisas enviando técnicos para acompanharem a agricultura da região.


Mas as coisas não foram fáceis, visto que os
técnicos eram poucos e não chegavam a todo o lado, e para além disso
muita gente não aceitava a ajuda, ou seja, quer agricultores quer
cooperativas acatavam as indicações mas não as cumpriam. O caso foi-se
agravando e, já em meados de 1976, o Governo criou um gabinete especial
para pagar os ordenados aos trabalhadores das cooperativas que,
entretanto, ficaram desempregados graças a esses erros de gestão.
Assim, fiquei com o distrito de Setúbal e o actual ministro da
Agricultura, Capoulas Santos, era o responsável pelos trabalhadores do
distrito de Évora. Durante o tempo que durou este gabinete especial,
ajudámos muita gente a enfrentar o desemprego e a pobreza por terem
ficado sem trabalho, e isso deu-me uma enorme satisfação.


SR- Foi prejudicado por ter participado na reforma agrária?


JAA
- Sinto uma grande mágoa,
mas ao mesmo tempo compreendo, porque as pessoas não se lembram, ou não
querem lembrar nem reconhecer o que fiz. Fiquei muito prejudicado
pessoalmente porque tenho consciência de que as pessoas não reconhecem
o que eu e outros fizemos por elas. Desde o Lau até Fernando Pó, muitas
pessoas usufruíram do Crédito Agrícola de Emergência, muitas ficaram
bem na vida graças a isso, e parecem nem se lembrar disso. Mas o pior
foi quando o Governo decidiu cortar as verbas, porque como toda a gente
me conhecia começaram a dizer que a culpa era minha.


E isso não era verdade porque quem distribuía o
dinheiro era eu e mais quatro pessoas, éramos uma comissão de cinco
pessoas onde cada uma tinha uma palavra a dizer. Ora, se o Governo
cortou as verbas, não podíamos fazer nada senão acatar a decisão. As
acusações que surgiram foram profundamente injustas porque, enquanto
houve dinheiro nós distribuímos, e por vezes até mais do que era
estipulado por lei.


SR - 25 anos depois, acha que valeu a pena o esforço?


JAA
- Não valeu a pena o
esforço que nós fizemos. As propriedades voltaram para os respectivos
donos, as cooperativas passaram um mau bocado e, agora, os pequenos
agricultores que tinham os terrenos atribuídos pelo Estado, voltaram à
estaca zero visto que foram obrigados a assinar um contrato de
arrendamento com os proprietários das herdades, válido por dez anos. O
maior problema é que se tem verificado uma enorme pressão, nomeadamente
na Agualva, por parte dos donos que exigem que a gente compre os
terrenos. Como não temos dinheiro para isso, não sabemos o que fazer
quando expirarem os contratos de arrendamento, daqui a cerca de cinco
anos.


Depois desiludi-me com o actual estado da
pequena agricultura porque este sector está num descalabro completo.
Não é que não haja incentivos oficiais, mas porque as pessoas não se
conseguem adaptar às leis do mercado nem às novas exigências do sector.
Por isso, acho que é necessário dar muita formação e informação aos
pequenos agricultores, bem como fazer um bom acompanhamento dos casos,
com técnicos governamentais à altura da situação.


SR - Se fosse necessário, voltava a fazer o mesmo?


JAA
- Talvez, mas noutros
moldes porque o que foi feito na altura contou com muita inexperiência
e, se soubéssemos mais talvez as coisas não tivessem sido como foram.
No entanto, não me parece que seja necessária uma nova reforma agrária
porque as coisas estão estabilizadas. Excepção feita para o Alentejo,
onde me parece que seria positivo se as terras, a maior parte delas
abandonadas, fossem distribuídas pelas pessoas que as querem fazer
produzir.






Etelvina Baía - 28-06-1999 11:18
Setúbal foi um dos bastiões da reforma agrária  ,,faz lembrar o saque na cisjordania CopySetúbal foi um dos bastiões da reforma agrária  ,,faz lembrar o saque na cisjordania FaviconSetúbal foi um dos bastiões da reforma agrária  ,,faz lembrar o saque na cisjordania Favicon
Vitor mango
Vitor mango

Pontos : 117576

Ir para o topo Ir para baixo

Ir para o topo

- Tópicos semelhantes

 
Permissões neste sub-fórum
Não podes responder a tópicos