Milagre em Bruxelas

Milagre em Bruxelas

por António Perez Metelo

A Comissão Europeia parece estar na sua Estrada de Damasco: alarmada com os resultados devastadores da política orçamental pró-cíclica em resposta à mais grave crise económica mundial dos últimos 80 anos - que ela própria incentivara nos termos mais enfáticos! -, constata agora que 20 anos de consolidação orçamental foram varridos em três tempos. De uma situação média de défices públicos perto do zero, passamos para cerca de 7% em 2010 e para uma dívida de 88% do PIB na Zona Euro em 2011.

Como quem acorda de um pesadelo, as autoridades comunitárias avançam na constituição de um fundo de garantia - dique improvisado contra a avalanche especulativa ao euro - e, a mais longo prazo, num conjunto de medidas e propostas de reformulação dos processos de elaboração e ratificação dos Orçamentos de Estado no Eurogrupo, capazes de impedir, efectivamente, devaneios despesistas daqui para a frente.

Não sei se a divindade actua preferencialmente por linhas tortas, mas tudo indica que deste primeiro desafio frontal à credibilidade do euro, em 11 anos, emerge a consciência da necessidade de reforçar a governança económica que o sustenta.

Pode parecer pouco sugerir um "Semestre Europeu", o primeiro de cada ano, que confinaria nas baias do exequível e razoável, cada OE apresentado no Outono, depois das suas linhas mestras terem recebido o nihil obstat de Bruxelas. Mas é o possível começo do reforço das políticas orçamentais que, mais tarde ou mais cedo, se terá de estender à compatibilização das políticas fiscais e à coerência interna (em termos de Mercado Único Europeu) da política económica no seio da União Europeia.

Nesta peculiar União, tudo parece ser construído da forma menos linear. É o preço a pagar pela manutenção do quadrado simbólico de soberanias nacionais que fingem não saber que já não se aguentam de pé sem se apoiarem umas nas outras.

Para nós, maior disciplina orçamental só pode representar um seguro, imposto de fora e pago agora com forte austeridade, para que passemos a ter sempre e só o Estado Social que estejamos em condições de pagar com os nossos próprios recursos.