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Um alerta oportuno

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Mensagem por Viriato Ter Jul 27, 2010 3:17 am

Um alerta oportuno

por MÁRIO SOARES



1. Vi e ouvi uma entrevista difundida pela televisão, feita ao bispo auxiliar de Lisboa, D. Carlos Azevedo, sobre o alerta, lançado aos portugueses, na última reunião do Conselho da Pastoral Social.

Aplaudi a iniciativa não, obviamente, por razões religiosas mas estritamente cívicas. Com efeito, fiquei impressionado, pela lucidez e coragem, com que D. Carlos Azevedo advogou a realização do que chamou "um pacto social sustentado e justo", entre cidadãos, partidos, sindicatos e empresários.

Independentemente de ser ou não possível o pacto, partiu da crise global que nos afecta a todos - a Europa mas um pouco, também, por todo o lado - e das causas financeiro-especulativas virtuais que a provocaram. De facto, sem se perceber as causas - e as remover - não se pode encontrar o remédio seguro para vencer a crise. É o que, lamentavelmente, alguns dirigentes europeus (incluindo portugueses) parecem querer ignorar...

D. Carlos Azevedo teve a coragem de diagnosticar a crise - sem esquecer as suas causas - e, por isso, apelou ao empenhamento de todos, para um compromisso solidário. Sublinhou (cito): "A crise é tão grave que não poderemos superá-la, uns contra os outros: empresários contra sindicatos, sindicatos contra patrões, Governo contra Oposição e Oposição contra Governo. Posições rígidas e enfrentamento de grupos de interesses, que só provocarão mais vítimas." É verdade!

Referiu ainda: "É preciso que aqueles que são chamados a olhar para as situações, desenvolvam uma crítica frontal, primeiro de tudo, ao sistema financeiro, que nos levou a esta crise e haja mesmo intervenção e intervenções fortes. Basta de gente que ganha num dia aquilo que outros ganham num ano. Tem que haver alguém que ponha cobro a isto e que tenha coragem." E mais adiante: "O investimento deve ser feito em bens verdadeiramente úteis e não em realidades virtuais, que estiveram na base da crise financeira mundial." Nessa linha, observou: "É preciso ultrapassar o capitalismo neoliberal, pois a crise é também uma crise de valores." Aplaudo!

Infelizmente, muitos economistas portugueses da velha escola - e comentadores televisivos, que muitas vezes repetem, sem reflectir, o que leram nos jornais da véspera - esquecem que o capitalismo financeiro-especulativo neoliberal está esgotado. Pior, alguns comentaristas até dizem que o neoliberalismo é um "chavão" inventado pela propaganda marxista, como se não tivesse estado na origem da crise e quisessem aproveitar o momento que atravessamos - os desempregados e os pobres que se arranjem como puderem, pensam - para continuar a grande especulação, que, em tantos casos, está impune.

Por isso - e muito bem, quanto a mim - D. Carlos Azevedo lembra, no texto da reunião, que está na Internet, "situações extremas de pobreza e de fome podem conduzir à revolta e à violência, numa sociedade de desigualdades, em que os gestores ganham ordenados "obscenos" - foi o termo que empregou - e as pessoas que cometem actos lesivos de milhões de euros ficam sem castigo".

Esta é a doutrina social da Igreja, no seu melhor, esquecida por muitos católicos praticantes conservadores, que entendem que o mercado é o verdadeiro Deus regulador das sociedades. Não é. Como, aliás, o actual Papa, Bento XVI, tem vindo a insistir nas suas mensagens e, nomeadamente, na encíclica Caritas in Veritate.

Contudo, para valer a sério aos desempregados e aos pobres, não pode ser só através da caridade, no sentido tradicional do termo. Deve ser com mais justiça social e solidariedade, como uma obrigação dos cidadãos conscientes e do Estado Social, de modo a assegurar, a bem de todos, a coesão nacional e a evitar revoltas. Que os católicos contribuam - e os próprios padres - para o novo fundo criado, acho bem. Mas quanto aos não católicos, têm outras formas de manifestar a sua solidariedade e não menos eficazes.

Tiros nos pés.

2. A proposta inicial do PSD, em que o novo líder, Pedro Passo Coelho, tanto se empenhou, para assegurar o diálogo entre os líderes dos dois maiores partidos, resultou, tendo tido a virtude de desanuviar um pouco a política nacional.

Contudo, a proposta feita agora, para uma nova Revisão Constitucional, tendo apresentado, para tanto, várias emendas concretas, qual delas a menos feliz, teve o efeito contrário. Como foi dito num editorial do Público, constituiu um tiro no pé, senão mesmo vários e nos dois pés...

Escrevi, há semanas, nesta mesma coluna, um artigo, elogiando Passos Coelho, pela forma como ele se relacionou com o PS - e o seu líder - logo a seguir a ter assumido a liderança do PSD. As sondagens deram, imediatamente, um salto positivo para o PSD, ficando à frente do PS, coisa que nunca tinha acontecido nos meses da liderança ultra-agressiva, para Sócrates, de Manuela Ferreira Leite. Porquê? Porque os portugueses gostam de pessoas sensatas, que sejam capazes de pôr os interesses nacionais acima dos partidários.

Desta vez, passou-se exactamente o contrário. A Constituição - e as suas Revisões - tornaram a Lei Fundamental largamente consensual. Direi mesmo emblemática, do regime democrático, pluripartidário, tolerante, respeitador dos Direitos Humanos e do espírito do 25 de Abril, uma vez depurado - atenção - dos desvarios do PREC, após o 25 de Novembro de 1975. A verdade é que devemos à Constituição, em boa parte, os trinta e quatro anos de paz civil, o período mais pacífico de Portugal contemporâneo, desde a Revolução liberal de 1820. Por isso só deve ser alterada com muito cuidado e em tempo oportuno.

É certo que há alguns monárquicos, constitucionais ou integristas - pouquíssimos! - que gostariam de ver o regime republicano substituído por uma monarquia. E há saudosistas da ditadura conservadora, agarrados a privilégios do passado, partidários da ordem do que chamam a "balbúrdia democrática". Apreciam o silêncio imposto pela censura e o aconchego da PIDE desde que não se metesse com eles. Mas são poucos. Mesmo que se tenha querido, sem êxito, mitificar Salazar. A que se juntam alguns reaccionários - e seus descendentes - que apanharam um grande susto com os exageros do PREC. Algumas vezes ainda acordarão a pensar nessa época, que confundem - mal - com o 25 de Abril. Porém, a esmagadora maioria dos portugueses não quer voltar atrás. São livres. Ditadura nunca mais. E hoje revêem-se no 25 de Abril.

Claro que tudo isto nada tem a ver com as propostas do PSD - e de Pedro Passos Coelho -, mas tão só com a Constituição e o sólido consenso nacional que se estabeleceu em seu redor. É certo que o texto da Constituição não é sagrado. Pode ser mexido e melhorado. Mas abrir uma polémica constitucional com propostas muito discutíveis, num momento de crise, como o que atravessamos, não é prova de bom senso. Convenhamos! É juntar a uma crise financeira e económica, uma crise política que, sabe-se como começa, mas não como acaba...

O PSD sempre foi um partido de ideologia indefinida. Crismou-se PSD, depois de ter sido PPD, por motivos conjunturais e de alguma proximidade à Social-Democracia alemã e sueca, de líderes como Sá Carneiro, Balsemão, Miguel Veiga, Capucho, Machete, João Salgueiro e outros. Quiseram entrar na Internacional Socialista, mas não conseguiram. Muitos militantes terão até gostado da negativa. O PPD/PSD, como lhe chama sempre Santana Lopes, tornou-se, com o tempo, um Partido de poder, pragmático, sem ideologia clara. Inscreveu-se, sem problemas, membro do Partido Popular Europeu, como o CDS/PP...

Passos Coelho, com formação economicista, não se interessa, obviamente, por questões ideológicas. É inteligente, sensato, politicamente preparado, mas deixou-se cair na arma- dilha da questão constitucional, essencialmente político-ideológica. Se é, no plano ideológico, alguma coisa, é neo-liberal, sem talvez se ter apercebido ainda que o neo-liberalismo económico é algo do passado: está esgotado e a falir por toda a parte. A começar pelos Estados Unidos, que o criaram. Por isso, Paulo Portas, de novo mais CDS do que PP, disse, com a sua ironia sarcástica: "Eu não quero substituir na Constituição o socialismo pelo neo-liberalismo. Não quero ver nem um nem outro." O que talvez não tenha agradado à Igreja, empenhada como está, de novo, na divulgação oportuna da doutrina social cristã...

Uma estratégia para Portugal.

3. Tenho insistido na necessidade - no actual momento - de Portugal ter uma estratégia de conjunto, clara, detalhada e dada a conhecer pelo Governo, que a deve elaborar, aos partidos, sindicatos, organizações patronais e à sociedade civil em geral. De modo a explicar com transparência, como pensa vencer a crise e como espera poder assegurar um futuro melhor e sustentável para todos os portugueses. Discutir isso com realismo e sem auto-elogios, é extremamente urgente e prioritário. Muito mais do que debater, neste momento, uma hipotética Revisão Constitucional...

O Governo - e nomeadamente o primeiro-ministro - tem corrido, de um lado para outro, incansavelmente, a tapar buracos, o que é importante. Mas parece-me que os ministros e os dirigentes do PS nunca se sentaram, com tempo, à mesma mesa, para reflectirem sobre uma estratégia global - sem optimismo nem pessimismo, com realismo - para todos nós, cidadãos, sabermos como nos orientar, perante as dificuldades que temos e as que, previsivelmente, aí vêm ainda.

Dou exemplos. Precisamos de saber o que queremos da Europa, para onde desejamos que ela caminhe e como conseguir isso. Se o Estado tem um plano detalhado - e qual? - para reduzir o deficit externo e o endividamento do Estado e como espera combater o despesismo dos órgãos de soberania, das regiões autónomas e das autarquias, sem deixar de investir, com prudência, no crescimento e na redução da pobreza e do desemprego, apostando na dignidade do trabalho. É uma tarefa muito difícil mas não é impossível. Deve, portanto, ser explicada, em detalhe, aos portugueses, para que se possam mobilizar no bom sentido.

Na semana passada reuniu-se, com êxito, ao que nos dizem, a CPLP, uma organização, penso eu, de grande futuro. Mas qual a orientação que o Estado português deseja adoptar, em cooperação com os outros Estados membros, e quais as decisões tomadas e a tomar? Pouco sabemos acerca disso. Há dias, ouvi na SIC Notícias o programa da meia-noite, de sábado, com essa temática. Foi orientado por Nicolau Santos, com o conhecimento, o rigor e a descrição que lhe são habituais. Os seus interlocutores, todos portugueses e conhecedores da realidade angolana, responsáveis por empresas portuguesas que ali trabalham, deram uma imagem muito positiva do relacionamento entre as empresas angolanas e as portuguesas e como podemos melhorar a nossa cooperação, não só no plano económico e financeiro, mas também cultural, linguístico, de saúde, de educação, das novas tecnologias e da cooperação política. Contudo, todos disseram: "Falta-nos uma estratégia conjunta, concertada e conhecida de todos." O mesmo se poderá dizer a propósito do mar, da nossa zona económica exclusiva e da plataforma continental; bem como do nosso relacionamento com a Ibero-América e com o Brasil, em especial; das missões de paz, em que as nossas Forças Armadas estão empenhadas; do nosso relacionamento privilegiado com Espanha e com os países do Mediterrâneo Sul; do problema da energia; da renovação da agricultura e sua comercialização; das pescas e da marinha mercante, que estamos a deixar perder; de como dar trabalho aos nossos jovens licenciados (e quanto aos que partiram para o estrangeiro, como manter o contacto com eles?); como reformar a Justiça - tarefa urgentíssima - e como fazer para que os sindicatos judiciais não se transformem em corporações de defesa exclusiva dos seus interesses, mas muito pouco da Justiça que interessa aos cidadãos; etc., etc...

Para atender a tudo isto - e muito mais do que me faltou referir - é preciso elaborar uma estratégia concertada, que defina as prioridades e que possa ser bem explicada aos portugueses, de forma transparente e sintética. Seria uma boa lufada de ar fresco para os portugueses. O Governo e o PS talvez pudessem aproveitar Agosto ou Setembro para criar um pequeno grupo de pessoas muito bem preparadas e capazes de definir essa estratégia que, depois de aprovada, fosse divulgada, como um tema de debate sério e com interesse manifesto para os portugueses. Porque em Outubro, aprovado o novo Orçamento, estamos a entrar em campanha eleitoral, para as presidenciais, e tudo se vai complicar, mormente sendo o governo minoritário, se não houver um rumo claro, conhecido de todos, para vencer a crise e assegurar o nosso futuro colectivo. Visto que não são os candidatos presidenciais que devem definir o caminho, segundo o nosso sistema constitucional. São os partidos, no quadro parlamentar, ouvidos os sindicatos, as associações patronais, as Universidades e a sociedade civil em geral. Abrir uma estratégia que possa convencer e mobilizar os portugueses é a única maneira de manter, creio eu, durante a legislatura, um governo minoritário em tempo de crise.
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Mensagem por Vitor mango Ter Jul 27, 2010 5:42 am

O PSD sempre foi um partido de ideologia indefinida. Crismou-se PSD, depois de ter sido PPD, por motivos conjunturais e de alguma proximidade à Social-Democracia alemã e sueca, de líderes como Sá Carneiro, Balsemão, Miguel Veiga, Capucho, Machete, João Salgueiro e outros. Quiseram entrar na Internacional Socialista, mas não conseguiram. Muitos militantes terão até gostado da negativa. O PPD/PSD, como lhe chama sempre Santana Lopes, tornou-se, com o tempo, um Partido de poder, pragmático, sem ideologia clara. Inscreveu-se, sem problemas, membro do Partido Popular Europeu, como o CDS/PP...
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