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Play it again, Aristides

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Mensagem por Viriato Seg Ago 23, 2010 9:50 am

Play it again, Aristides

Numa nova edição da biografia de Aristides de Sousa Mendes, Rui Afonso revela que dois atores de "Casablanca" - Marcel Dalio e Madeleine LeBeau - foram salvos pelo cônsul em Bordéus.

José Pedro Castanheira (www.expresso.pt)

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Ingrid Bergman, Marcel Dalio e Humphrey Bogart

Marcel Dalio e Madeleine LeBeau, dois dos atores de um dos melhores filmes da história do cinema, "Casablanca", fugiram do nazismo graças ao cônsul português Aristides de Sousa Mendes. A revelação faz parte do livro "Um Homem Bom", o sugestivo título escolhido por Rui Afonso para a excelente biografia de Aristides. Nascido no Funchal mas radicado em Toronto, Rui Afonso estima que o cônsul em Bordéus tenha passado cerca de 30 mil vistos de entrada em Portugal. "O número daqueles que realmente conseguiram chegar (...) foi infelizmente menor, mas não pode ter sido muito inferior a 10 mil. Pode ter sido muito mais alto."

Uma primeira versão da biografia foi publicada em 1995 pela Caminho. Esta segunda edição, revista e aumentada, foi lançada pela Leya/Texto. Entretanto, Rui Afonso descobriu mais uma mão-cheia de nomes de refugiados que conseguiram escapar à perseguição nazi. Poetas, jornalistas, argumentistas, atores, oriundos da França, Alemanha, Áustria, Roménia, Hungria, República Checa...

Um dos mais famosos foi Marcel Dalio (1900 - 1983), nome artístico de Israël Moshe Blauschild. Nascido em Paris, quando a guerra estalou já era um ator famoso, tendo participado em filmes como "A Grande Ilusão" e "A Regra do Jogo", de Jean Renoir. Judeu, tratou de sair do país pela fronteira espanhola. Escreve Rui Afonso que Dalio "estava acompanhado por uma loura alta e encantadora que parecia mais velha do que realmente era - tinha apenas 17 anos.

O preço da liberdade

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Humphrey Bogart e Madeleine Lebeau


Era a nova mulher de Dalio, Madeleine LeBeau. Esta trazia consigo as suas joias, que Dalio lhe havia comprado com os seus ganhos no casino. Dalio tinha 41 anos. O casal, que estivera em Biarritz, provavelmente recebeu vistos de Sousa Mendes em Bayonne. Até então, Dalio não fora capaz de obter um visto de saída francês". Para conseguir este último, "achou um argumento de peso para o funcionário francês com quem teve de lidar: ofereceu-lhe o seu luxuoso carro Delahaye. O ator explicou que não estava a tentar corromper ninguém; o carro agora já não tinha utilidade para ele. Nas suas memórias, Dalio explica: 'O que faria eu com um Delahaye em Auschwitz?' O pai, a mãe e três irmãs de Israël Blauschild vieram a morrer nas câmaras de gás".

O casal Dalio esteve na Figueira da Foz. Numa vinda a Lisboa, Dalio encontrou dois jornalistas conterrâneos num bar da Avenida da Liberdade. Um deles era Pierre Lazareff, que contou ao ator que havia cartazes com a sua cara afixados em Paris. "A propaganda nazi tinha-o escolhido como o protótipo do inimigo judeu", escreve Rui Afonso. Com efeito, fotografias de Marcel Dalio foram colocadas pelos ocupantes alemães em cartazes com a legenda "o judeu típico". "Marcel Dalio provavelmente nunca se apercebeu disso, mas devia a vida a um simples visto português", observa Rui Afonso. Rodado em 1938, o filme "Entrada dos Artistas" foi completamente refeito, com Dalio a ser substituído por um ator não judeu.

De Lisboa a Hollywood

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Foi a 17 de junho de 1940 — passaram 70 anos — que o cônsul de Portugal em Bordéus, Aristides de Sousa Mendes, emitiu o primeiro dos cerca de 30 mil vistos a judeus e outros cidadãos europeus em fuga do terror nazi

De Lisboa, Marcel e Madeleine conseguiram chegar até ao México. Seguiu-se o Canadá e por fim os EUA. Em Hollywood, um dos primeiros filmes em que entraram foi o famosíssimo "Casablanca", de Michael Curtiz, com Humphrey Bogart e Ingrid Bergman. Realizado em 1942 e com uma forte componente antinazi, Marcel Dalio desempenhou o papel do croupier Émile, enquanto a mulher, Madeleine LeBeau, fez de Yvonne, a namorada abandonada por Rick, personagem interpretado pelo inesquecível Humphrey Bogart.

Nos EUA, o casal divorciou-se rapidamente. Dalio participou em mais de 160 filmes, com destaque para "As Neves do Kilimandjaro", de Henry King, e "Os Homens Preferem as Loiras", de Howard Hawks. Fez também teatro e televisão.

Madeleine LeBeau (1923), por seu turno, participou em "Hold Back the Dawn", com Olivia de Havilland, a que se seguiu "O Ídolo do Público", com Errol Flynn. No regresso a França, participou no filme "Uma Parisiense", com Brigitte Bardot, bem como no célebre "8 1/2", de Federico Fellini. Com 86 anos, é a única sobrevivente do casting de "Casablanca".

Pierre Lazareff (1907-1972), um dos jornalistas com quem Dalio se encontrara num bar de Lisboa, também viajou com um visto português. Em Bordéus, hospedara-se no Hotel Splendide, tal como o ex-primeiro-ministro francês Paul Reynaud, substituído no cargo pelo marechal Pétain, que aceitou colaborar com os nazis e dirigir o Governo em Vichy.

Proprietário do jornal "Paris-Soir", Pierre Lazareff havia sido convidado por Salazar para visitar, juntamente com a mulher Hélène, a Exposição do Mundo Português, em Lisboa. Viajaram muito provavelmente com o irmão Roger e a cunhada Simone, que receberam os indispensáveis vistos no Consulado a 20 de junho. O facto de Lazareff ter sido convidado pelo ditador parece ser a razão pela qual o seu visto não consta do "livro de registos" do Consulado.

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Rui Afonso revela uma nova lista de pessoas que obtiveram vistos do cônsul em Bordéus: o jornalista Pierre Lazareff...


Filho de emigrantes judeus russos naturalizados franceses, Lazareff nasceu em Paris. Jornalista, fora chefe de redação do vespertino "Paris-Soir". De Lisboa, seguiu para os EUA, onde dirigiu as emissões de rádio do Office of War Information destinadas à Europa ocupada. Após a libertação, regressou a França e transformou o "Défense de la France", o jornal clandestino da Resistência, no "France Soir", mais tarde comprado pelo grupo Hachette e que viria a ser o diário mais vendido do país, com dois milhões de exemplares. Participou também na fundação da revista "Elle", criada em 1945 pela sua mulher, bem como do "Le Journal du Dimanche", do "France Dimanche" e da revista "Télé 7 Jours". Lazareff esteve igualmente ligado ao primeiro programa televisivo de informação e reportagem, "Cinq colonnes à la une", que se estreou em 1959.



Também proveniente de Paris foi Elvira Popescu (1894-1993), uma atriz romena que se fixara na capital gaulesa em 1924. "Sousa Mendes enviou um telegrama a Salazar pedindo autorização para conceder um visto" à atriz e à filha Tatiana, o que foi recusado. Mesmo assim, o cônsul emitiu o visto a 17 de junho, "mas este parece não ter sido utilizado". Elvira Popescu continuou em França, onde viria a ter uma carreira bem sucedida no teatro e no cinema, tendo inclusivamente sido diretora do Théâtre de Paris durante dez anos.

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... a atriz Elvira Popescu...

Falecida com 99 anos, recebeu o prémio de carreira Molière, enquanto o Presidente Mitterrand lhe conferiu a Legião de Honra. Consta que foi uma das figuras em que Matisse se inspirou, em 1940, para pintar o quadro "La Blouse Roumaine".

O café Tortoni, em Bordéus, era um "lugar de encontro de intelectuais alemães, austríacos, checos e polacos". Alguns deles foram salvos pelos vistos emitidos por Aristides. O seu biógrafo lista o argumentista austríaco Jan Lustig (1902-1979) e a mulher Charlotte, o escritor austríaco Friedrich Torberg (1908-1079) e o ator e dramaturgo Otto Eis (1903-1952), natural de Budapeste. Friedrich Torberg, "já então conhecido pela sua poesia e pelo seu trabalho jornalístico em Praga e em Viena, deixaria alguma prosa memorável, notável pelo seu humor e sátira". Conseguiu um visto em 19 de junho e atravessou a fronteira entre a França e a Espanha na companhia de Otto Eis e do ator austríaco Oskar Karlweis.

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... o escritor Friedrich Torberg...


Do mesmo grupo fazia parte um antifascista e desertor católico alemão que "foi preso pela Guardia Civil e enviado para o tristemente célebre campo de concentração de Miranda del Ebro". Valeu-lhe o núncio apostólico em Madrid, que intercedeu a favor do alemão, "que assim conseguiu chegar a Lisboa". Torberg, que deixou vários textos de carácter autobiográfico, ficou com residência fixa na Curia, juntamente com um grupo de refugiados checos e polacos. "Esses refugiados eram os menos desejados pelas autoridades portuguesas. Isso devia-se sem dúvida à sua qualidade de apátridas." Mais tarde, viria a ser convidado pelo PEN Club de Nova Iorque como sendo um dos dez melhores escritores alemães antinazis, ao lado de Heinrich Mann. Trabalhou para Hollywood e para a revista "Time" e retornou a Viena em 1951.

Companheiro de fuga de Torberg, Oskar Karlweis (1849-1956) foi um dos atores mais populares da Alemanha no início dos anos 30. Judeu, quando o Partido Nacional-Socialista tomou o poder emigrou para a vizinha Áustria. Por pouco tempo, já que teve de fugir para Paris. O visto de Sousa Mendes permitiu-lhe alcançar os EUA. Regressou a Viena em 1948, mas não mais viria a ter o sucesso anterior à guerra.

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... o ator Oskar Karlweis (à dir. na foto, com James Mason, em “5 Fingers”)...


A quem de nada valeu o visto de Sousa Mendes foi a Hendrik Marsman (1899-1940). O poeta holandês e a mulher Rien receberam vistos a 19 de junho, com os números 2210 e 2211, respetivamente; a ideia era juntarem-se a um casal amigo já instalado em Portugal. No dia seguinte, porém, fugiram para Inglaterra a bordo do navio "Berenice", pertencente a um armador holandês e que fora requisitado pelo Consulado da Holanda em Bordéus.



O navio, de 1160 toneladas, afundou-se no Canal da Mancha na noite de 20 para 21 de junho, na sequência de uma explosão que chegou a ser atribuída (erradamente) a uma mina e a um torpedo de um submarino alemão. O poeta ter-se-á afogado, enquanto a mulher Rien "foi milagrosamente salva. Um cozinheiro ajudara-a a subir para o convés, e ela foi a única passageira a salvar-se da tragédia". Desconhece-se se outros passageiros haviam obtido vistos do cônsul português.

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... o poeta Hendrik Marsman


Falecido com apenas 40 anos, Hendrik Marsman é um dos poetas do século XX mais populares no seu país. O seu poema "Lembrança da Holanda", de 1936, viria a ser considerado no ano 2000 como o "poema do século".



Aristides de Sousa Mendes é um dos meus heróis. Não era um homem engagé com movimentos de resistência, de esquerda activa ou outros atributos heroicos. Era, para mim, um homem normal, diplomata de carreira, que de repente se apercebe quee tinha na mão a caneta e os vistos que poderiam salvar centenas ou milhares de vidas. Eu não acredito em herois natos. A ocasião faz o ladrão ou o heroi. E ele, sem querer ser heroi, foi-o.



Estranhamente, sempre que este assunto vem á luz do dia, aparecem versões a desmentir tudo. Lembro-me da polémica no ECO. A insultá-lo. Que Salazar tratou-o muito bem (deveria ter sido fuzilado?). Um dia, falando com um embaixador que muito aprecio e aqui transcrevo parte do seu blog, perguntei-lhe: porque essa posição constante de ataque? Porque essa dúvida insinuada? Qual a verdade de tudo?

A resposta foi só essa. Porque ainda há muita gente viva que quer que o assunto morra. Que se portaram miseravelmente. Só Mário Soares o elogiou pòstumamente. Há ainda muita gente viva que ficou mal no filme....
Viriato
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