Audácia e desencanto
Página 1 de 1
Audácia e desencanto
Audácia e desencanto
No dia em que se escreve, não sabemos ainda que bomba política vai Pedro Passos Coelho (PPC) lançar no domingo, em Castelo de Vide.
O que sabemos é que qualquer que seja a potência e pontaria, a limitação dos prejuízos será a sua agenda das duas semanas seguintes. Assim aconteceu com o ultimato relativo ao 9 de Setembro, tal como havia ocorrido com a proposta de revisão constitucional. O 9 de Setembro passou de data de deflagração de um terramoto político a um prazo administrativo anódino, relativa aos poderes do Presidente na dissolução do Parlamento. O estampido de pólvora seca, seguido de geral surpresa, foi desmentido pelo próprio actor principal, em termos que não deixaram dúvidas e que não careciam de maior explicitação sobre o que pensava de tão anormal proposta. No caso da anulação da tendencial gratuitidade do SNS, argumentaram as hostes do PSD tratar-se de um abuso interpretativo. Nunca a proposta de nova redacção para o artigo 64 afastaria a universalidade no SNS. Pois não. Tal como não é necessário constitucionalizar o acesso "universal" de qualquer cidadão a um serviço privado, de saúde, de restauração, ou de vestuário. A questão está em que a palavra universal só toma sentido constitucional quando o acesso é determinado pela necessidade publicamente reconhecida e não pela capacidade individual de pagar. O sistema de saúde que os amigos de PPC lhe sopraram ao ouvido e até mesmo passaram a escrito, era uma proposta para substituir a universalidade ancorada na necessidade e quase gratuitidade, pela regra geral do pagamento no acesso, ainda que parcial, com a excepcionalidade de não recusa por insuficiência de meios económicos. Apesar dos esforços que os encartados constitucionalistas, ou outros por eles, tenham feito na opinião publicada e até junto de editorialistas de jornais que lhes são próximos, não conseguiram apagar o nitrato de prata do seu grafti.
Os portugueses gostam de pessoas com audácia, que levam até ao fim as suas ideias, mas desencantam-se com os que desistem cedo e mais ainda os que dão o dito por não dito. Tivesse PPC mantido as ideias que lançou, boas ou más, e todos estaríamos hoje a discuti-las e a compreendê-las na proporção da convicção e fundamentação com que as apresentasse. Assim, por mais tolerantes que sejam os seus amigos e parceiros, recomendando-lhe uma tardia pedagogia, ou meros caldos de galinha, a verdade é que já não sabemos o que pensa sobre estas e outras matérias. Eis por que, escrevendo à sexta-feira, não posso estar certo do que dirá no domingo. Mas o que quer que diga, bombástico ou macio, perdida a generosa receptividade inicial, deparará agora com uma interrogação. Será para valer, ou para esquecer?
____
António Correia de Campos, Deputado do PS ao Parlamento Europeu
No dia em que se escreve, não sabemos ainda que bomba política vai Pedro Passos Coelho (PPC) lançar no domingo, em Castelo de Vide.
O que sabemos é que qualquer que seja a potência e pontaria, a limitação dos prejuízos será a sua agenda das duas semanas seguintes. Assim aconteceu com o ultimato relativo ao 9 de Setembro, tal como havia ocorrido com a proposta de revisão constitucional. O 9 de Setembro passou de data de deflagração de um terramoto político a um prazo administrativo anódino, relativa aos poderes do Presidente na dissolução do Parlamento. O estampido de pólvora seca, seguido de geral surpresa, foi desmentido pelo próprio actor principal, em termos que não deixaram dúvidas e que não careciam de maior explicitação sobre o que pensava de tão anormal proposta. No caso da anulação da tendencial gratuitidade do SNS, argumentaram as hostes do PSD tratar-se de um abuso interpretativo. Nunca a proposta de nova redacção para o artigo 64 afastaria a universalidade no SNS. Pois não. Tal como não é necessário constitucionalizar o acesso "universal" de qualquer cidadão a um serviço privado, de saúde, de restauração, ou de vestuário. A questão está em que a palavra universal só toma sentido constitucional quando o acesso é determinado pela necessidade publicamente reconhecida e não pela capacidade individual de pagar. O sistema de saúde que os amigos de PPC lhe sopraram ao ouvido e até mesmo passaram a escrito, era uma proposta para substituir a universalidade ancorada na necessidade e quase gratuitidade, pela regra geral do pagamento no acesso, ainda que parcial, com a excepcionalidade de não recusa por insuficiência de meios económicos. Apesar dos esforços que os encartados constitucionalistas, ou outros por eles, tenham feito na opinião publicada e até junto de editorialistas de jornais que lhes são próximos, não conseguiram apagar o nitrato de prata do seu grafti.
Os portugueses gostam de pessoas com audácia, que levam até ao fim as suas ideias, mas desencantam-se com os que desistem cedo e mais ainda os que dão o dito por não dito. Tivesse PPC mantido as ideias que lançou, boas ou más, e todos estaríamos hoje a discuti-las e a compreendê-las na proporção da convicção e fundamentação com que as apresentasse. Assim, por mais tolerantes que sejam os seus amigos e parceiros, recomendando-lhe uma tardia pedagogia, ou meros caldos de galinha, a verdade é que já não sabemos o que pensa sobre estas e outras matérias. Eis por que, escrevendo à sexta-feira, não posso estar certo do que dirá no domingo. Mas o que quer que diga, bombástico ou macio, perdida a generosa receptividade inicial, deparará agora com uma interrogação. Será para valer, ou para esquecer?
____
António Correia de Campos, Deputado do PS ao Parlamento Europeu
Viriato- Pontos : 16657
Página 1 de 1
Permissões neste sub-fórum
Não podes responder a tópicos