Reza a lenda que D. Sebastião terá passado na torre de menagem em Arzila...
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Reza a lenda que D. Sebastião terá passado na torre de menagem em Arzila...
Mundos em Português
Reza a lenda que D. Sebastião terá passado na torre de menagem em Arzila, a 3 de Agosto de 1578, a sua última noite antes da Batalha dos Três Reis, em terras de Alcácer Quibir. Se assim foi, aquelas estreitas e sinuosas escadas que o conduziram aos seus aposentos tê-lo-ão certamente alertado para os perigos que o esperavam, embora não o suficiente para evitar a derrota militar que se adivinhava.
Ao subir aquelas mesmas escadas 431 anos depois, confesso que não pude deixar de pensar naquele episódio e numa certa ironia da história: o que ali me levava era o facto de Portugal ser o convidado de honra do Festival Cultural Internacional de Arzila e de, durante dois dias, se debaterem naquela cidade, a propósito da ligação entre Portugal e África, a cultura como motor do desenvolvimento e os possíveis caminhos da integração política dos países da lusofonia.
Estranhos mundos esses – os da lusofonia, de África e dos “mundos em português” – sempre tão presentes e sempre tão ausentes.
Oscilamos entre o orgulho da “gesta heróica” e a vergonha da “guerra colonial”.
Navegamos entre a auto-proclamação de sermos os pretensos “primeiros globalizadores” e a afirmação de um alegado “ADN africano”, a fazer lembrar discursos luso-tropicalistas de outras eras.
Hesitamos entre o papel de “parceiro privilegiado entre a Europa e o resto do Mundo” e um sentimento de “ex-grande potência reduzida à sua pequena dimensão geográfica”.
Dizemos, alto e bom som, que o português é uma das seis grandes línguas do mundo. Mas pouco fazemos pela sua defesa e afirmação.
Ajudámos a criar a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Mas não a levamos verdadeiramente a sério e, sobretudo, não sabemos bem o que gostaríamos que ela fosse.
Falamos de modernidade. Mas estamos sempre com um olho no passado, como bem lembrava Eduardo Lourenço ao traçar uma analogia entre Portugal e o povo judeu e ao dizer que a diferença estaria em que "Portugal não espera o Messias, o Messias é o seu próprio passado, convertido na mais consistente e obsessiva referência do seu presente".
Uma campanha eleitoral era (será?) um bom momento para debater também o que queremos ser para lá das nossas portas. E, sobretudo, que portas queremos abrir.
É verdade que temos muitos e grandes problemas dentro de casa para resolver. Que a economia está mal. Que a nossa produtividade teima em não se aproximar dos patamares necessários para que o nível de vida dos Portugueses possa alcançar os padrões desejados. Que as perspectivas para o futuro da nossa Segurança Social são tudo menos animadoras (muito interessante o artigo de Maria Clara Murteira sobre “A Reforma de 2007 do Sistema Público de Pensões em Portugal – Uma Análise Crítica das Escolhas Normativas Implícitas”; embora não me reveja em muitas das posições nele defendidas, é um estudo sério que justifica reflexão e maior comedimento no quase-unanimismo sobre os méritos da dita reforma…). Que o estado a que chegaram a educação e a justiça nos envergonham. Que, parafraseando Eça, continuamos a ter colchas a mais nas varandas (agora sob a forma pós-moderna do teleponto e do powerpoint) e cultura a menos.
Mas não é menos verdade que a solução de grande parte desses problemas depende em larga medida da abertura de muitas das portas que teimamos em manter fechadas. De substituirmos quotas anacrónicas para a entrada de “estrangeiros” por uma política de atracção de pessoas de todos os continentes que queiram e possam ajudar-nos a fazer um país melhor. De apostarmos a sério na capacidade de afirmação da CPLP. De pensarmos no Mundo para além da Europa. Não chega, mas ajuda. Se a isso juntarmos um estímulo sério ao empreendorismo e à criação de emprego, através do desagravamento fiscal; melhores condições e mais espaço para as iniciativas da sociedade civil e das instituições da economia social; mais concorrência e menos monopólios com a bênção de um Estado omnipresente; menos leis e mais empenho na aplicação das que temos; menos obras faraónicas e mais exigência no cumprimento das obrigações de cada um; menos arrogância e mais autoridade, estamos quase lá…
Luís Pais Antunes . Director, Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais
in Jornal de Negócios, 13 de Agosto de 2009
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