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Mensagem por Viriato Sáb Nov 27, 2010 4:47 pm

GREVE GERAL


Quarta-feira, dia de greve geral. Antes mesmo de sair à rua, o que noto de diferente é a ausência do som de aviões
sobre o céu de Lisboa. Parece que já se mudaram todos para Alcochete - esse fantástico disparate do despesismo nacional. Na rua, também não há sinais de eléctricos e autocarros: nenhum. De resto, é um dia absolutamente normal: todo o comércio está aberto, sem excepção: cafés, restaurantes, tabacarias, bancos, até os Correios, onde vou tratar de um assunto. E o Ministério dos Negócios Estrangeiros, onde despacho uma encomenda pela mala diplomática. A conclusão é que nada distingue uma greve geral de uma greve dos transportes públicos. Em caso de greve geral, todo o seu sucesso depende de os transportes públicos não funcionarem: isso é infinitamente mais eficaz para acrescentar aos números dos sindicatos do que quaisquer piquetes de greve montados à entrada das empresas - e não foi por acaso que a greve geral começou, de facto, na véspera à noite, com os líderes sindicais estrategicamente colocados no aeroporto, na Carris, no Metro, etc.

Nunca saberemos quantos trabalhadores faltaram ao serviço porque quiseram ou porque não conseguiram transporte. Assim como nunca saberemos quais os verdadeiros números de adesão à greve, entre as habituais fábulas do Governo e das centrais sindicais. Nem isso é importante: se a greve servia para medir o descontentamento geral com a situação económica, é inútil - ele é universal e não carece de demonstração. Se a greve queria ser uma caução política às teses da extrema-esquerda ou àquilo que Manuel Carvalho da Silva chama "um novo modelo de desenvolvimento" (seja lá isso o que for. .. ), ficámos a saber o mesmo de sempre: fazem greve os que trabalham para o Estado e alguns assalariados de empresas privadas, com lugar assegurado; não param todos os que trabalham para um patrão à vista, os que trabalham por conta própria, os que não gozam do privilégio de emprego garantido, os que não caucionam a mensagem ideológica da CGTP e os que não vêem em que pode uma greve melhorar o que quer que seja.

A questão da motivação política é, aliás, a vexata quaestio, não apenas desta greve geral, mas de todo o movimento sindical português. A CGTP, tal como existe, jamais se livrará da imagem - inteiramente justa - de ser um instrumento essencial ao serviço da política do PCP e da sua histórica fé nos "movimentos de massas", de rua e semelhantes, em obediência ao princípio de que quanto pior for a situação económica e social do país mais o PCP encontra o seu espaço natural de manobra e protagonismo. E a UGT, do meu ponto de vista, nunca conseguiu encontrar o seu espaço alternativo, dando sempre a impressão de que, ou anda a reboque da GCTP, ou tem complexos por não andar. É claro que é sempre mais fácil fazer um sindicalismo de contestação permanente a tudo do que fazer um sindicalismo de participação e procura conjunta de soluções razoáveis para os problemas. Mas, sem apetência por uma modalidade e sem coragem para assumir a outra, a UGT vive numa no man's land política que só a descredibiliza. Mas é o que temos e é melhor do que nada: com a maioria dos empresários que temos, ai de nós se não houvesse centrais sindicais!

Mas, com razão ou sem ela, a maioria dos portugueses olha para os dirigentes sindicais como olha para os políticos: são 'eles' - uma coisa diferente do comum dos cidadãos que tem de viver do seu trabalho, com ou sem sindicatos ou políticos. Diverti-me bastante a constatar o embaraço dos líderes sindicais quando lhes perguntaram como é que a greve geral ia ser cumprida pelos funcionários das respectivas sedes. Foi assim: todos fizeram oficialmente greve, mas todos trabalharam para a greve (terão sido pagos?). Também dentro do género "estou a trabalhar, mas em greve", o deputado José Manuel Pureza, do BE, declarou que ia estar no Parlamento, embora apenas "para dar voz e projecção à greve". E lá esteve, de cravo na lapela e camisa vermelha, à Ruga Chávez: muito emblemático. Mais engraçado ainda foi o inescapável Baptista-Bastos, consciência moral da esquerda reunida, o qual, em nome do seu antigo e proclamado "desprezo pelos delatores, fura-greves e 'amarelos''', declarou à nação que "pouso as palavras e entro em greve". Infelizmente para o efeito pretendido, pousou as palavras tarde de mais (mas a tempo de receber o pagamento da crónica), pois que o "Diário de Notícias" se portou como um miserável 'amarelo', que ele tanto despreza, e publicou a sua crónica no dia habitual - que, por azar, era o da greve geral.

Brincadeiras à parte, os tempos vão demasiado maus para manifestações ocas de poder. Se a greve foi um fracasso, de que serve essa pífia vitória ao Governo - acaso julgará que fica mais legitimado e credível, depois de dois anos seguidos de disparates sem fim? E, se foi um sucesso, o que farão os sindicatos e a extrema-esquerda com esse sucesso? Vão conseguir mudar as políticas, e como? Já não vamos ter de fazer sacrifícios para pagar os juros da dívida acumulada e reduzir o défice? Vão conseguir mudar o governo, como tão insistentemente perguntavam os jornalistas das televisões? Mas mudar para que governo, se basta ler a imprensa económica internacional para perceber que o próximo governo avança daqui a um, dois meses, já tem nome e programa: chama-se FMI e vai-nos fazer ter saudades do tempo em que discutíamos o PEC II e III ou antes ainda, quando podíamos ter enfrentado os problemas, mas escolhemos antes não os querer ver - todos, não apenas este Governo.

Os queridos mercados, uma vez ajoelhada a Irlanda, já dão Portugal como conquistado e fixam-se no alvo seguinte: a Espanha, o mais apetecível, a última fronteira antes da derrocada do euro e da própria ideia de Europa. Mas antes que os senhores de negro do FMI e do BCE. aqui cheguem, ou mesmo depois disso, podíamos talvez ter um último assomo de orgulho pátrio: juntar os sindicatos, os patrões, os políticos, os autarcas, os governantes, e pôr tudo em cima da mesa, sem reservas mentais nem jogos de desonestidade intelectual. Nada que se compare à proposta do empresário Alexandre Soares dos Santos de suspender a democracia parlamentar e substituí-la por uma espécie de caudilhismo corporativo, sob a égide de Cavaco Silva: não, antes uma espécie de acordo mínimo sobre problemas evidentes e soluções necessárias para eles. Não precisava de ser tudo, apenas o óbvio, o mais gritante.

Isso é possível? Não, claro que não: basta ver a 'adaptação', feita votar pelo Governo na Lei do Orçamento, isentando as empresas públicas dos cortes salariais "para que os quadros não fujam" (e quem os quereria?), para perceber que, desgraçadamente, nem na iminência da bancarrota, estes crânios ganham juízo ou demonstram uma réstia de vergonha. Pois, então, continuemos assim. Na greve geral - greve ao trabalho, greve à frontalidade, greve à coragem, greve ao orgulho de nos conseguirmos governar a nós próprios. A Europa segue, fascinada, a nossa inesgotável capacidade de indignação.

P.S. - Espero que Marinho Pinto tenha conseguido ontem a sua reeleição para bastonário dos advogados portugueses. Porque nunca antes alguém conseguiu, como ele, incomodar a paz podre da Justiça e da advocacia dos interesses e ser, nesta sociedade gravemente doente, uma voz livre, desalinhada, sem medo.


Miguel Sousa Tavares
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Mensagem por Viriato Dom Nov 28, 2010 4:09 am

Uma quarta-feira qualquer

por ALBERTO GONÇALVES


As obras cá em casa, que duram há mês e meio, prosseguiram. Os trolhas apareceram de manhã, à hora a que a minha mulher saiu para abrir a loja. As assalariadas dela, ao que sei, também apareceram.

Depois do almoço, exercício que raramente pratico, vieram os carpinteiros. Pelo meio, chegou o técnico da ZON para investigar o desaparecimento, faz dias, de 156 dos 162 canais televisivos de que disponho, e chegou o carteiro, que me trouxe um conjunto de pautas de Paul Simon adaptadas para ukulele (estou em fase formativa) e um livro do eurodeputado Mendes Bota, com uma simpática dedicatória do autor, que aproveito para agradecer.

Por mim, trabalhei o dia inteiro, com uma pausa no café para o café, que me foi servido, e outra pausa no posto de combustível para combustível, jornais e cigarros, que me foram vendidos com a solicitude habitual. À tardinha, recebi um telefonema do concessionário do meu carro (nada de grave), liguei à seguradora que me trata da saúde (idem) e dirigi-me aos estúdios da RTP em Gaia para ser entrevistado pelo Fernando Alvim, na Antena 3. Após a entrevista, passei pelo restaurante, em funcionamento regular, e comprei comida em regime take away.

Em suma, não notei a greve. Não quero dizer que os números anunciados pelos sindicatos sejam fictícios (pese a trivial variação de alguns milhões face aos números "oficiais"). Quero dizer que, por contingências do destino ou pura sorte, há vidas relativamente privilegiadas a que os grevistas não fazem falta.

O dr. Carvalho da CGTP, o eng. Proença da UGT e os vultos partidários que os apoiaram garantiram imensas coisas. Uma delas foi que a "paralisação" (linda palavra) acabaria com os salários baixos. É impossível discordar: se sucessivas "paralisações" arrasassem o que resta da nossa já ínfima produtividade, depressa os salários baixos seriam trocados por salários nenhuns.

Sucede que a greve geral é, cada vez mais, um assunto particular do funcionalismo público, o que desmente outra garantia dos seus organizadores, a de que a "jornada de luta" (isto é só clichés épicos) provou a "força dos trabalhadores" (não disse?). Para muitos de nós, tão cidadãos quanto os demais, provou exactamente o contrário e põe-nos a pensar no que se pouparia se boa parte dos trabalhadores em causa nunca trabalhasse de todo. Talvez alguns dos pobres que sentem de facto as greves por não conseguirem abdicar dos transportes colectivos e de um dia de salário pudessem ser menos pobres e nem dar por ela. Ela, a "geral". Com aspas e o espanto de ver tantos dos que se alimentaram da irresponsabilidade de o Governo berrar agora contra a respectiva, e fatal, factura.


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