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A Europa ameaçada

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Mensagem por Viriato Ter Dez 14, 2010 2:33 am

A Europa ameaçada


por MARIO SOARES

1 Tenho vindo a escrever, nesta coluna, sobre a situação da União Europeia, que vai de mal a pior. Basta uma palavra em favor do euro, do Presidente do Banco Central Europeu, para que os mercados - essa entidade sem rosto - moderassem os seus ataques gananciosos, nomeadamente contra Portugal e Espanha. Mas a seguir, a chanceler Merkel voltou a insistir na necessidade de sucessivos cortes, com vista à redução dos défices e dos endividamentos públicos e privados dos Estados da Zona Euro - os outros onze Estados parece não contarem - para que os mercados voltassem ao ataque.

Num encontro bilateral que houve depois - entre a chanceler alemã e Sarkozy -, em que os dois Estados parece terem-se entendido, a Alemanha arrastou a França, para que a proposta sensata do primeiro-ministro do Luxemburgo, Jean-Claude Junker, um europeísta convicto, que agradava à maioria dos Estados-membros da União, tivesse desaparecido ou pelo menos fosse retirada da agenda. Em que consistia? Em que a União Europeia criasse euro-bonds (obrigações), num fundo a que os países em dificuldades pudessem recorrer.

A Europa vai de mal a pior, como afirmaram, sem papas na língua, Helmut Schmidt e Jacques Delors em duas inteligentes e bem informadas entrevistas publicadas, em simultâneo, no Le Monde, de 8 de Dezembro último. Na verdade, um lucidíssimo ex-chanceler da Alemanha, Helmut Schmidt, não poupou críticas à sua compatriota Angela Merkel, tendo denunciado a sua falta de visão europeia; nem o reputado ex-presidente da Comissão, o francês Jacques Delors, deixou de advertir "que a política deve ser a última referência". Por isso, deplorou que "os banqueiros façam tremer os Governos da Zona Euro", como tem vindo a acontecer, sem reacção da União.

Está o euro, a segunda moeda de reserva mundial, em risco de se afundar?

Apesar de tudo, é impensável pensá-lo. Porque traria o caos à União Europeia que, muito provavelmente, se desintegraria. Uma catástrofe para todos os Estados europeus, da Zona Euro e mesmo para os outros, para o Ocidente e para o resto do mundo.

A chanceler Merkel, que demorou dois meses a perceber a gravidade do que se passava na Grécia, vai ser obrigada, de novo, a flexibilizar a sua concepção monetarista relativamente ao euro. É o simples bom senso que a aconselha. Porque a Alemanha, apesar da sua força financeira e económica - graças ao volume das suas exportações - não pode ter a pretensão de comandar a Europa, pelo seu passado de responsável por duas hecatombes mundiais e pelo que deve à solidariedade europeia, que tanto a ajudou na fase difícil da reunificação alemã.

Se Portugal e, depois, a Espanha, viessem a ser atacados, ao ponto de serem obrigados a sair da moeda única, logo depois seria atingida a Itália, país fundador do mercado único, e, porventura, a França. Seria uma desgraça também para a Alemanha, tanto maior quanto mais rica...

Insisto. A União Europeia tem de mudar de paradigma de desenvolvimento. A grande opinião europeia tem de pressionar os líderes europeus do momento, que não querem assumir a situação em que se encontram e os riscos em que incorrem. Entre eles, o desespero das populações, que as conduz a actos de violência, que podem a vir a tornar-se muito graves, como os que houve na Grécia, na França e agora no Reino Unido... A União Europeia precisa de avançar no seu projecto político de paz e de bem-estar social para as populações, lutando contra o desemprego e a pobreza e pela integração multicultural dos imigrantes, que nos enriquecem. Se assim não acontecer e o conservadorismo neoliberal obsoleto continuar a dominar os Estados europeus e as suas tristes instituições, entraremos numa decadência inevitável, como escreveu Felipe Gonzalez no seu Relatório de Sábios.

2 Foi uma jogada perigosa para a China ter proibido o Prémio Nobel da paz - Liu Xiaobo, o dissidente do regime totalitário chinês - de sair do cárcere, onde se encontra, por delito de mera opinião, como qualquer dos seus familiares de se deslocarem a Oslo para receber o valioso prémio.

Note-se que Liu Xiaobo é um pacifista, que repudia qualquer forma de violência, e só luta pela liberdade, como um direito humano inalienável, inscrito na Carta das Nações Unidas, aprovada em 10 de Dezembro de 1948, há sessenta e dois anos, e subscrita, naturalmente, pela China. Como é possível que a China - que aspira jogar um papel de primeira importância no mundo complexo de hoje, a que, aliás, como grande potência emergente tem pleno direito - tenha podido cometer um tal erro, que tanto a diminui aos olhos do mundo.

Como é possível que tenha criado expressamente um prémio Confúcio da Paz - atribuído a um líder taiwanês, que favorece a aproximação com a China - para poder competir, neste preciso momento, com o prémio norueguês internacionalmente consagrado? Chega a parecer ridículo, se não fosse muito pior do que isso: uma clara manifestação de debilidade do regime de partido único, que a grande e poderosa China continua a ter.

Os dirigentes chineses não compreendem, infelizmente, que com o seu comportamento relativamente ao caso de Liu Xiaobo se enfraquecem e, ao mesmo tempo, lhe estão a dar uma imensa importância mundial, que lembra os casos de má memória de Pasternak, de Sakharov e de Soljenitsin, ocorridos na grande Rússia, quando era apenas URSS...

Nesse aspecto, todas as ditaduras se confundem e, quaisquer que sejam os seus méritos transitórios, são sempre ditaduras abomináveis. A cadeira vazia do Prémio Nobel estava ali, simbolicamente, na cerimónia de Oslo, tão concorrida e televisionada, vista por milhões de telespectadores do mundo global em que vivemos, para o comprovar. Depois do êxito da Exposição Internacional de Xangai, que tanto impressionou a opinião pública de todos os continentes, um simples cidadão, com a inteligência e a coragem de Liu Xiaobo, lembra, irresistivelmente, aquele chinês anónimo, mas que ficou na nossa memória colectiva, que em Tiananmen, diante dos tanques, sem uma arma, os fez parar...

3 Ao contrário do que se esperava, a conferência que se realizou em Cancún, no México, não foi um fracasso, como Copenhaga. As negociações vão continuar para se chegar a um acordo pós- -Quioto. Reconheceu-se ser necessário reduzir as emissões de gases com efeitos de estufa. Criou-se um fundo - oxalá se efective - para financiar os países em desenvolvimento e lhes facilitar o acesso às tecnologias limpas. Aprovou--se, ao que parece, um pacto não vinculativo para os países mais poluidores, como a América e a China, que foram os mesmos a impedir que Copenhaga fosse um êxito.

O clima que se verificou em Cancún, dado o talento diplomático com que a ministra dos Negócios Estrangeiros do México, Patrícia Espinosa, conduziu os trabalhos - e o bom ambiente criado - foi reconhecido por todos os participantes. A ministra portuguesa do Ambiente, Dulce Pássaro, também louvou o trabalho realizado em Cancún, apesar das reticências americanas e chinesas. Veremos como esta magna questão do aquecimento global, que interessa a toda a Humanidade como um caso de sobrevivência global, pode vir a evoluir. Da Conferência de Cancún saiu, pelo menos, um certo optimismo, sendo que os países emergentes deram um grande contributo para que Cancún não se revelasse um novo desastre. O que já não é mau, nos tempos difíceis que vivemos.

4 Faleceu subitamente um grande - e muito estimado - empresário do Norte, presidente da Agros, a União das Cooperativas Produtoras de Leite de entre Douro e Minho, Fernando Mendonça. Era um cooperativista a sério, que realizou uma obra notável em favor de milhares de pequenos produtores de leite, tendo conseguido agrupá-los na Cooperativa que sempre funcionou por forma excelente.

Conheci-o relativamente bem, porque sempre o encontrei nas sucessivas campanhas eleitorais socialistas em que participei. Não sei se pertencia ou não ao PS. Era um convicto cooperativista, acreditava no ideal cooperativo, a sério, de que António Sérgio e Henrique de Barros foram arautos. Era um idealista e um homem bom, que queria o bem dos seus compatriotas. Tinha por mim uma manifesta simpatia, que era retribuída. Era uma figura muito considerada e respeitada pelas populações entre Douro e Minho.

A última vez que o vi, e com ele falei algum tempo, foi quando me fizeram uma homenagem, em Arcos de Valdevez. Conversei então bastante com ele. Gostei de o ouvir discorrer sobre a sua experiência cooperativa. Estava em plena forma. Um homem alto, de forte estatura, feito por si mesmo, no trabalho de todos os dias. A sua morte súbita entristeceu-me. Representa uma grande perda para a região.

Viriato
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