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Lições de 2010

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Mensagem por Vitor mango Sáb Jan 01, 2011 9:33 am

Lições de 2010

31/12/10 00:03 | Teodora Cardoso

necessária uma reforma inclusiva, negociada e sustentável, mesmo perante a mudança das forças políticas.

1 - Breve Enquadramento
Em 2010 agudizou-se um conjunto de ameaças que, desde há anos, pairavam sobre a Europa e que resultavam da incapacidade de encontrar uma resposta coerente para uma evolução da economia mundial que crescentemente a exigia. À necessária concertação, os países europeus continuaram a preferir o reacentuar das estratégias nacionais. Gradualmente, a União Monetária, dotada de uma estrutura institucional própria, ficou isolada como a única área com uma lógica de actuação consistente, mas sujeita a tensões crescentes.

Incidindo sobre este contexto, as sequelas da crise financeira internacional, ao reforçarem a exigência de diferenciação dos riscos, tornaram visível a vulnerabilidade dos países que, de formas diferentes, tinham feito depender da coesão europeia as suas estratégias de política económica. Não é certamente por coincidência que os agora denominados países periféricos tivessem sido antes os alvos do Fundo de Coesão. O debate que dura há anos sobre os benefícios e malefícios da ajuda externa merecia sem dúvida ser estendido à União Europeia, mas este não é o local para o fazer. É, contudo, evidente ser essa a principal semelhança entre a Grécia, a Irlanda, Portugal e Espanha, as economias sobre que passou a incidir a vigilância dos investidores internacionais, após anos de alheamento, quando não de continuados encómios.

2 - Antecedentes
Da conclusão anterior não podemos inferir que estes países devam ser ilibados de responsabilidades, quer quanto às políticas que adoptaram, quer quanto às soluções que terão de encontrar para uma situação que, no caso português, não tem, pela sua gravidade, paralelo nas últimas décadas. Por várias vezes, desde os anos 70, Portugal viu-se confrontado com o problema de estar a viver acima das suas possibilidades. A revolução criara a noção de que o reforço do papel do Estado e a redistribuição do rendimento - pelas políticas orçamental e salarial - bastariam para garantir que todos vivessem melhor. Depressa se verificou, porém, que esse não era mais do que um efeito de curto prazo. Quando levado demasiado longe, as suas consequências negativas rapidamente se manifestavam: perda de competitividade, aumento da dívida externa, quebra do investimento produtivo e, com ele, da produtividade e do emprego, únicos esteios em que pode assentar com segurança o bem-estar económico e o equilíbrio social.

Até à integração na UE, a reduzida capacidade de endividamento do país conduziu, assim, a sucessivas crises e a programas de estabilização, que garantiram, por um lado, a contenção do endividamento externo e, por outro, a manutenção da competitividade e do emprego nas indústrias trabalho-intensivas, graças às desvalorizações cambiais. Os efeitos dessas crises foram-se, contudo, intensificando, culminando em 1983/84. Na verdade, por um lado, o aumento do endividamento público exigia sacrifícios cada vez maiores sempre que o financiamento externo, concentrado no Estado, esbarrava nos apertados limites consentidos pelos mercados. Por outro lado, o ganho de competitividade obtido via desvalorização cambial, só se tornava realidade se se traduzisse em corte de salários reais. Esse efeito, aliado às incertezas quanto à disponibilidade de crédito, não favorecia o investimento em ganhos de produtividade, sobretudo quando a própria instabilidade monetária e cambial tornava a especulação financeira mais lucrativa do que esse investimento. Em resumo, Portugal estava a aprender que, para se traduzir em desenvolvimento, a opção - correcta - pela economia de mercado supunha alterações estruturais, institucionais e culturais de fundo.

Na sequência imediata da crise de 1983/84, que restituíra à economia a competitividade a que ela podia aspirar e impusera um princípio de ordem às finanças públicas, a integração na UE permitia viabilizar a viragem necessária à saída do ciclo infernal do ‘stop-and-go'. De facto, pela primeira vez desde há muitas décadas, ela proporcionava o financiamento necessário ao desenvolvimento das infra-estruturas, da formação profissional e da educação, ao mesmo tempo que confrontava a economia com um grande mercado desenvolvido e com requisitos institucionais exigentes.

As opções da política económica concentraram-se, porém, em assegurar o máximo montante possível de ajudas europeias para, com elas, estimular o crescimento no curto prazo. A adesão à moeda única reforçou essas opções, associando-lhes a facilidade de acesso do sector privado ao financiamento externo sem custos cambiais e, graças à complacência dos investidores internacionais, praticamente sem discriminação de risco face aos restantes membros da área do euro. A expansão do emprego e do rendimento baseada em fundos provenientes do exterior tornou-se na prioridade política consensual, ao mesmo tempo que se ignorava que a aplicação desses fundos teria que gerar, a prazo, o rendimento necessário para mais tarde os dispensar e, no caso da dívida, para a remunerar.

Nos primeiros anos após a integração na UE, as exportações beneficiaram da abertura do mercado espanhol, da protecção do acordo multifibras (no sector têxtil e do vestuário) e do desnível salarial relativamente aos países mais ricos. Mesmo assim, o crescimento da economia foi-se tornando cada vez mais dependente da procura interna, estimulada pelos gastos públicos, pelo crédito às famílias e pela construção. Ao mesmo tempo, o endividamento externo crescia. Com o alargamento da UE e, quase em simultâneo, com a abertura das grandes economias emergentes, as exportações portuguesas passaram a sofrer de uma forte desvantagem salarial, que não fora compensada por outros factores de competitividade (produtividade, inovação, qualidade da gestão financeira e dos mercados, formação profissional, etc.). A consequência inevitável era o agravamento dos défices externos e a perda de potencial de crescimento económico.

3 - A década fatal
Mais uma vez, porém, a resposta assentou nos gastos públicos e no estímulo à procura interna. O resultado foi, ao longo da primeira década do novo milénio, um crescimento económico medíocre e instável, sem criação de emprego e acompanhado da expansão do endividamento, público e privado. As duas tentativas de reequilíbrio orçamental, em 2002 e 2005, presididas pelas regras do Pacto de Estabilidade, revelaram-se insuficientes. Em nenhum dos casos foi alterado o pano de fundo institucional que levara a política orçamental e, de modo mais geral, o quadro regulador da economia, a facilitar a acumulação de rendas em benefício dos sectores protegidos da concorrência (e com capacidade negocial resultante do seu poder de acção colectiva sobre a sociedade), em detrimento daqueles de que dependia o crescimento sustentável do rendimento do país.

A abundância de crédito que a euforia financeira internacional alimentou ao longo desta década permitiu que se confundisse consumo com rendimento. O acesso ao crédito é um factor de crescimento económico e de equilíbrio social quando facilita o investimento e permite antecipar a criação de rendimento. É, no entanto, muito perigoso quando se transforma numa ilusão de riqueza. A expansão do crédito ao sector privado cumpriu este papel e, ao fazê-lo, permitiu defender, senão acrescer, as rendas existentes, sem que as suas principais vítimas disso tivessem consciência. A diferença entre a evolução do emprego e dos salários nos sectores transaccionáveis e não transaccionáveis é disso testemunho.

4 - As abordagens
Chegámos assim a 2010 numa situação de enorme vulnerabilidade financeira, agravada pelo facto de a degradação da situação económica internacional em 2009 ter induzido o forte aumento do défice público, como resultado directo da crise, mas também de medidas discricionárias cujo efeito revelou as deficiências do sistema de programação e controlo das despesas, que viriam a prolongar-se por 2010. Esta a situação em que as fragilidades europeias, reflectidas na crise da dívida soberana, encontraram a economia portuguesa e que exige que finalmente esta entre no novo rumo a que, ao longo de décadas, se furtou.

Reduzir a dívida é agora um imperativo para todos os sectores institucionais - Estado, empresas, famílias e bancos. Aos dirigentes - políticos, empresariais e sindicais - que não tenham por objectivo aprofundar o divórcio da realidade por onde se infiltram os populismos, cabe liderar esse processo e minorar os seus custos, incentivando as reformas que promovam o retorno da confiança dos investidores internacionais, orientada para a validade e o retorno dos projectos a financiar. Ao contrário do que propõem visões simplistas, que tudo reduzem à necessidade de cortar o défice orçamental, mesmo que só na aparência, e de baixar salários nominais para conseguir a chamada desvalorização interna, é muito mais profunda - mas também mais fecunda - a transformação que devemos, não só aceitar, mas exigir. Ela supõe, de facto, uma profunda alteração do quadro institucional, destinada a corrigir os vícios da política orçamental, a promover a eliminação de rendas e a redefinir incentivos - às empresas e aos trabalhadores - no sentido dos ganhos de eficiência, único esteio em que pode basear-se o desenvolvimento.

Cabe às classes dirigentes compreender que, sem isso, o país permanecerá numa trajectória de fracasso de que, nem o voluntarismo político, nem a reivindicação social, nem a ajuda internacional, nos poderão fazer sair. Fazer equivaler a correcção do défice público ao enfraquecimento do Estado ou o estímulo à competitividade ao corte dos salários nos sectores transaccionáveis não é seguramente o caminho a seguir. Precisamos sim de um Estado capaz de se reformar e de desempenhar eficazmente as funções que lhe são próprias, desde a justiça, à cobrança de impostos, à regulação dos mercados e da concorrência. Impõe-se eliminar as rendas que os poderes reivindicativos e a má gestão financeira criaram, mas impõe-se igualmente remunerar adequadamente os dirigentes, os quadros e os trabalhadores capazes de garantir que o Estado não se deixe capturar por grupos de interesses, seja qual for a sua natureza. Em vez de reduzir os salários superiores a 1.500 euros é preciso assegurar que a administração pública se torna atractiva para os mais qualificados e politicamente descomprometidos e ganha finalmente capacidade para controlar as despesas, para pagar a tempo as que realiza e para desenhar e pôr em prática uma política fiscal que estimule a poupança, o investimento produtivo e o emprego.

Não pode igualmente esquecer-se que a opção pelo consumo - público e privado - baseado no endividamento, ao ser corrigida, irá acentuar as desigualdades sociais que o acesso a crédito barato permitiu ocultar. É, por isso, essencial que essa correcção seja acompanhada do aumento de eficiência das políticas sociais, em particular nas áreas da educação e da saúde. Finalmente, a reestruturação em favor dos sectores transaccionáveis exigirá o acréscimo da flexibilidade e eficiência na aplicação das leis, em matérias como o trabalho, o licenciamento de investimentos, a dissolução de empresas, etc., com exigências evidentes quanto ao funcionamento do sistema judicial.

Estas não são exigências novas. O que as torna prementes é ter-se agora fechado a opção da fuga para a frente assente no endividamento. Para as cumprir, não bastam, nem "pactos" que se limitam a minimizar os custos para as diferentes clientelas em presença, nem reformas "de exclusão", reversíveis com as conjunturas políticas. É, pelo contrário, necessária uma reforma inclusiva, negociada e, por isso, sustentável, mesmo perante a mudança das forças políticas preponderantes. No actual contexto financeiro internacional, dominado pela aversão ao risco e pelos custos da anterior miopia e superficialidade de avaliações, esse é o único mecanismo seguro de recuperação da confiança. É também aquele que melhor serve o país.

As opiniões expressas são as da autora, não devendo ser consideradas como representando posições oficiais do Banco de Portugal.
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Teodora Cardoso, Economista, administradora do Banco de Portugal
Vitor mango
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