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Mensagem por Viriato Sex Jun 10, 2011 7:02 am

QuandoPaulo Portas transformou o seu jornal num projecto político

Por Ricardo Dias Felner, , (PÚBLICO) 2006

O telefonema fatídico ocorria quase sempre à quinta-feira, dia em que o jornal fechava. "Boa tarde, fala de O Independente..." A frase circunstancial provocava o pânico automático nos membros do Executivo da altura, que anteviam a descoberta de mais um escândalo político.


Paulo Portas tinha a noção de que, para criar um caldo de contestação ao poder, não estava obrigado a recrutar uma equipa de direita (Luís Ramos/PÚBLICO)


Por vezes, no entanto, as investigações jornalísticas chegavam mais cedo aos gabinetes de comunicação institucionais. Nestes casos, a meio da semana já se perspectivava o ataque: foto do visado a toda a largura da primeira página, três ou quatro palavras a compor a condenação pública.

Macário Correia, um dos alvos preferidos do semanário na sua fase mais agressiva e policial, recorda esse pavor. "Ia-se sabendo, por várias conversas, que andavam atrás deste ou de outro dirigente.

Sempre do PSD, sempre com a mesma intenção: destruir o governo de Cavaco Silva", recorda o actual presidente da Câmara de Tavira, ex-secretário deEstado do Ambiente.

Os dois grandes responsáveis por essa senha persecutória estavam bemidentificados. Miguel Esteves Cardoso, director do jornal e, sobretudo, Paulo Portas, o homem que geria o primeiro caderno, não escondiam o que os movia:abrir espaço político para uma direita moderna - simultaneamente conservadora esofisticada, tradicionalista e libertina. O PÚBLICO tentou, insistentemente,ouvir os dois, mas sem sucesso.

A estratégia passava por provocar a esquerda do 25 de Abril, a esquerdacentrista e revolucionária, correcta e paternalista, que dominava a imprensa e a cultura. E, mais do que tudo, por derrotar a social-democracia.

"Cavaco Silva não se assumia como um homem de direita. Muito menos o PSD.O CDS de Freitas do Amaral era centrista, equidistante. O que O Independente propunha era precisamente uma direita alternativa", sublinha Constança Cunha e Sá, que integrou a redacção como jornalista na secção de política, umano depois da fundação, em 1988.

Na génese desse projecto estava, no entanto, uma filosofia de contrapoder mais ampla não obrigatoriamente partidária. A redacção, na sua formação original,era muito jovem e assimilara facilmente a irreverência e a confrontação do poder político. Essa era, no fundo, a sua ideologia essencial.

Alexandra Tavares Telles, da secção de desporto, garante mesmo que a maioriados jornalistas votava à esquerda. E essa tendência era anualmente confirmada:"Quando havia eleições, púnhamos uma urna na redacção e toda a gente votava. Os candidatos de esquerda, fosse para as presidenciais ou para as legislativas, ganhavam sempre. Dava um gozo imenso afixar os resultados e ver a reacção do Paulo", afirma.

A direcção do jornal não acusava a provocação. Paulo Portas tinha a noção deque, para criar um caldo de contestação ao poder, não estava obrigado a recrutar uma equipa de direita. Pelo contrário.
Constança Cunha e Sá conta, a propósito, a primeiro conversa com Paulo Portas,antes de começar a trabalhar no jornal. "Ele perguntou-me se eu era de esquerda ou de direita. Respondi-lhe com uma mentirinha, dizendo que era de esquerda. Ele retorquiu: 'Os jornais de direita são bem feitos é por pessoas de esquerda'."

Trampolim para o poder

Há um momento simbólico que torna evidente que o que, inicialmente, fora um projecto jornalístico de direita resvalava, lentamente, para um projecto partidário, unipessoal. Esse momento ocorre com a saída de Miguel EstevesCardoso do cargo de director e a consequente perda de qualidade do marcante Caderno 3 - um suplemento cultural criado e alimentado, em grande medida, pela criatividade e liberdade estilística do escritor.

Portas assume então o controlo absoluto do jornal e começa a desenhar um novo líder e um novo conceito para o CDS. "Desde o início que O Independentefoi um projecto político, não obrigatoriamente um projecto de Paulo Portas. Mas, às tantas, tornou-se claro que havia ali um trajecto de poder", refere Manuel Falcão, fundador e subdirector do semanário.

Constança Cunha e Sá, que cobria o noticiário do CDS-PP, corrobora a ideia, admitindo, com ironia, que só "um péssimo jornalista não adivinharia o que veio a acontecer".

Com Manuel Monteiro instalado no Largo do Caldas, Paulo Portas dava por concluída a experiência jornalística e integrava, em 1995, a listas do PP, por Aveiro, à Assembleia da República. Dois anos mais tarde, no entanto,incompatibilizava-se com o líder apaniguado, acabando por disputar e ganhar a presidência do partido a Maria José Nogueira Pinto. As interpretações mais benévolas vêem nesse desfecho um prémio natural para quem conseguiu, com mérito e talento, fazer surgir um novo espaço político em Portugal. Outros, como Macário Correia, não têm qualquer dúvida: "O Independente foi um instrumento, venenoso, mal intencionado, para Paulo Portas criar Manue Monteiro e no fim dar-lhe uma facada nas costas."
Viriato
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