António Pedro Ferreira
Carlos Cruz, condenado a prisão no julgamento Casa Pia, apresentou queixa contra o Estado português no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, pela forma como foi conduzido o seu processo judicial, nomeadamente por ter estado preso sem conhecer a acusação.
A queixa, a que a agência Lusa hoje teve acesso, alega terem sido cometidas violações à Convenção dos Direitos Humanos, já que o ex-apresentador de televisão considera que foi "preso sem saber porquê", sem "direito à presunção de inocência" e sem conhecer sequer a identidade dos queixosos.
O documento, enviado em agosto para o Tribunal Europeu, argumenta ainda que Carlos Cruz não teve "direito a ser julgado num prazo razoável", e durante a sua prisão preventiva viu negado "acesso aos elementos concretos do processo" que basearam a determinação da medida de coação, "com o fundamento de que o processo estaria em segredo de Justiça".
"Carlos Cruz foi preso preventivamente sem saber quando, onde, com quem, de que modo e sobre quem cometera os crimes por quem estava indiciado. E assim permaneceu até que lhe foi notificada a acusação a 29 de dezembro de 2003", 10 meses depois de ter ficado preso preventivamente (1 de fevereiro de 2003).
Defesa foi "impedida" de interrogar testemunhas
Na exposição que faz ao Tribunal Europeu, o ex-apresentador alega também que a sua defesa foi "impedida de interrogar cabalmente as testemunhas de acusação", sublinhando, desde o início do processo, ser "necessário conhecer as declarações das vítimas", porque "só esse conhecimento permitiria compreender como foi sendo montada a história depois vertida para a acusação".
Considerando que, "quando a prova da acusação quase exclusivamente se reduz às declarações das vítimas, constituídas assistentes" no processo, a posição de recusa adotada pela 8ª Vara criminal de Lisboa, e confirmada pela Relação, "consubstancia uma flagrante violação do princípio de um processo equitativo, designadamente no que se refere aos valores do contraditório, da igualdade de armas e das garantias básicas de defesa".
No documento, o ex-apresentador diz que não teve "direito a um efetivo recurso em matéria de facto", "sob pretextos processuais inadmissíveis", uma vez que "a Relação de Lisboa - numa decisão sem precedentes conhecidos - adotou o entendimento de que a lei processual só admitiria o recurso em matéria de facto se, ponto a ponto, a defesa efetuasse uma correspondência entre factos e meios de prova".
Na quarta situação apontada, Carlos Cruz alega não ter tido "direito à presunção de inocência", num processo em que se diz também vítima e que "nasceu e cresceu na comunicação social".
Prazo não foi razoável
Na última parte da sua argumentação, o ex-apresentador de televisão queixa-se de "não ter sido julgado num prazo razoável" na primeira instância, lembrando que o julgamento Casa Pia foi o mais longo da Justiça portuguesa, "prolongando-se por quase seis anos, de 25 de novembro de 2004 a 3 de setembro de 2010", com quinhentas sessões.
"Tão longa duração é injustificada, revelando uma total incapacidade do Tribunal para centrar o julgamento naquilo que verdadeiramente relevava", afirma, acrescentando ser "particularmente chocante" que, depois das alegações finais, "a sentença tenha demorado 20 meses" e que, "lidos os factos dados como comprovados e a parte decisória (...), a sentença no seu todo só tenha sido entregue aos condenados 10 dias mais tarde".
Carlos Cruz diz também ser "inadmissível" que, cinco anos depois de o julgamento ter começado, "o Tribunal se tenha permitido ir comunicando aos arguidos alterações de facto à matéria da pronúncia".
O apresentado alega que os tribunais portugueses por onde correu o processo "não asseguraram que a causa fosse examinada num prazo razoável, o que constitui uma violação do princípio respetivo consagrado" na Convenção dos Direitos do Homem.
Redução da pena num ano
No documento enviado à instância europeia, é referido que "se o Tribunal Constitucional se pronunciar, entretanto, sobre o fundo das questões suscitadas" pela Defesa, em sede de recurso, isso poderá levar "à caducidade da presente queixa, a fim de que se avaliem as consequências dessa pronúncia".
O coletivo de primeira instância, presidido pela juíza Ana Peres, condenou Carlos Cruz e o médico Ferreira Diniz a sete anos de prisão, assim como Carlos Silvino (18 anos), Jorge Ritto (seis anos e oito meses), Hugo Marçal (seis anos e dois meses), Manuel Abrantes (cinco anos e nove meses) e absolveu Gertrudes Nunes, dona da casa de Elvas onde terão ocorrido abusos.
Entretanto, a Relação de Lisboa retirou um ano à pena do apresentador e madou repetir o julgamento relativamente aos crimes de Elvas, que está em julgamento, com os arguidos Cruz, Silvino, Marçal e Gertrudes Nunes.
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