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O MEU DRAGÃO

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Mensagem por Vitor mango Sáb Out 13, 2012 2:06 am


O MEU DRAGÃO








Quando saio de casa, manhã cedo, costumo fazer um exercício que em
tempos me aconselharam fazer ao deitar. Faço-o de manhã cedo porque
nunca me deito, adormeço sempre onde calha. Por vezes caio de borco no
sofá e por ali fico, outras vezes estendo-me no pufo e adormeço a fingir
que estou atento às séries policiais que transmitem a desoras, não
raramente vou-me à cama de casal e fico-me para o lado que der mais
jeito, adormecendo a contar carneiros, a rezar avemarias ou a
esforçar-me para não adormecer (técnica que aprendi num filme de guerra
cujo título não recordo). O exercício é simples, consiste em pensar no
que não fiz no dia anterior e que, tivesse sido feito, tornar-me-ia os
dias mais leves. Como raramente me lembro do que fiz no dia anterior,
também quase nunca consigo chegar a conclusões sobre o que não fiz e
devia ter feito. Ainda assim, esforço-me. E lá vou inventariando de mim
para comigo um conjunto de pequenos gestos que podiam mudar-me a vida.
Concluo quase sempre que não devia ter adormecido no sofá, mania que me
deixa as costas num estado lastimável, e que podia ter bebido menos, o
que se me afigura evidente tal é a secura na boca, e que podia levar
este exercício mais a sério. A verdade é que de tão previsíveis serem
agora os dias, a gente deixa-se levar pela corrente do tédio e fica
prisioneiro dos hábitos. São hábitos cuja infelicidade facilmente
reconhecemos, concordamos até que nos prejudicam, mas dificilmente os
evitaremos de tão habituados que estamos a esses velhos e terríveis
hábitos. Entendê-lo pressupõe, evidentemente, o reconhecimento de que
seríamos muito mais felizes se soubéssemos como quebrar as rotinas
libertando-nos dos velhos e terríveis hábitos. Não é muito difícil saber
como, basta pensarmos nas férias. O que há de curioso nisto é o
paradoxo que o raciocínio instala. As férias são, por excelência, o
momento em que as rotinas se quebram e um hiato se instala no tédio
quotidiano, abrindo-se ali um fosso numa continuidade que sabemos vir a
ser retomada em breve. É como se as férias fossem uma ponte entre duas
margens separadas pelo hiato da anormalidade, são, digamos assim, a mais
poética das estações existenciais. Por isso supomos que o verdadeiro
poeta seja aquele que logra estar permanentemente de férias, não sem
logo desconfiarmos desta suposição. É que também a loucura se pode
tornar rotineira, fazendo assim com que toda a anormalidade repetida se
torne numa normalidade consentida. Os tempos que vivemos têm muito
disto. Imagino, por exemplo, o que seria da minha vida quotidiana se eu
andasse sempre, como o faço nas férias, na companhia do meu dragão.



O MEU DRAGÃO Dragao




Nas férias, eu e o meu dragão vamos juntos para todo o lado. Não escolho
esplanada nem restaurante que vede a entrada a dragões e que não traga
na ementa pelo menos um prato dirigido à dieta dos dragões. Manhã cedo,
vamos os dois ao mercado fazer compras. À tarde, fazemos companhia um ao
outro na praia. E como ele gosta de caracóis, iguaria que estou
proibido de degustar por culpa das alergias, sempre que vamos petiscar
peço para ele um prato de caracóis e para mim uma travessa de percebes.
Questiono-me se a minha vida não seria radicalmente diferente,
porventura mais interessante e muito menos desventurada, se eu pudesse
fazer-me acompanhar do meu dragão no dia a dia. Imagino-o ao balcão da
loja onde trabalho a sugerir livros aos clientes. Podíamos adormecer os
dois ao fim do dia, um sobre o outro, discutindo as novidades e a
situação política nacional. Estou certo de que teria conselhos para me
dar muito mais saudáveis do que aqueles que me vão dando as pessoas com
que me cruzo diariamente, porque o meu dragão é honesto, sincero,
autêntico, e a tudo responde com um verde de esperança que me deixa
consolado e satisfeito. Também gostava de um dia destes entrar no Banco
com o meu dragão, levá-lo à repartição de finanças ou aos CTT, andar com
ele pela cidade... porque sempre que me faço acompanhar do meu dragão,
há alguém à minha volta que sorri. E o riso das pessoas à nossa volta é
contagiante. Sempre que alguém à nossa volta sorri é como se o mundo
ganhasse asas de dragão. Talvez eu devesse levá-lo comigo, amanhã, para o
trabalho. Se me lembrar, levo-o.





Publicada por





hmbf




em

22:11







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