Que volte a oratória
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Que volte a oratória
Que volte a oratória
Dizem os estudiosos da língua portuguesa que houve um tempo em que os portugueses falavam abrindo as vogais e que Os Lusíadas, os Sermões de António Vieira e as alocuções de D. Francisco Manuel de Melo só poderão ter éclat se ouvidos na variante portuguesa do Brasil; ou seja, como falavam os nossos antepassados. Depois - vide Telmo Verdelho,
vide Massaud Moisés - a língua fechou-se, enrolou-se, perdeu
sonoridade. Com Camilo, o último grande sopro da vernacularidade
portuguesa antiga, morreu uma era. A subtileza substituiu a inteligência
da língua, a estreita fórmula, repetitiva, envergonhada e académica
separou para sempre a língua escrita da língua falada, o arrebite à Eça
(um grande destruidor) instituiu o adorno para ocultar a falta de
pensamento. Os portugueses têm medo da língua, falam mal e escrevem
pior. Um medo quase infantil impede-os de comunicar sentimentos, estados
de alma e o sic et simpliciter necessário para saber exprimir
convicções e lidar com o contraditório. A fórmula escapatória é o ataque
pessoal - tudo em Portugal envolve remoques e ódios pessoais,
adjectivos e não-pensamento - e dessa carapaça que matou a comunicação
de ideias, o rigor dos conceitos e a festa da criatividade, nasceu esta
gente cinzenta, com a espontaneidade de uma pedra, incapaz de usar a
língua como anteparo e complemento da inteligência. Não há graça, não há
ironia, não há riso nem paradoxo para além da mais pobre das figuras
semânticas (o sarcasmo). A vida parlamentar - feita de gente apagada e
semi-letrada - oferece o instantâneo da queda da língua e os escaparates
das livrarias são dominados pela prosa medíocre das teses académicas
sem chama, pretensiosas e afectadas que repetem à exaustão os mesmos
topos. Fulanos há, conhecidos pela "obra", que nunca excedem os limites
do manual escolar: comboios de citações, glosas, leituras de leituras.
Perdeu-se, meus caros, a tradição jesuítica e a gramática aristotélica
da clareza.
Ontem pela madrugada ouvi Catarina Molder na RTP-2 - o último reduto de
cultura num país sem espírito - e espantei-me. Aquela mulher parece tudo
menos uma portuguesa. Fala com paixão, convence, assedia, é inteligente
e culta, não tem medo do ridículo e faz parte daquela raça em extinção
que são os oradores. Hermano Saraiva e o Padre Manuel Antunes morreram,
Joaquim Veríssimo Serrão - extraordinário palestrante - está nos 90 anos
e não deixaram discípulos. Ficaram uns homenzinhos gorduchos, uns
leitores de papéis, uns falantes envergonhados. Destina a nossa.
Publicada por
Combustões
em
18.10.12
2 comentários:
Etiquetas:
Cristina Molder
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Só discuto o que nao sei ...O ke sei ensino ...POIZ
Vitor mango- Pontos : 118212
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